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Artigo Original

Estudo randomizado comparando toxina onabotulínica diluída em lidocaína e epinefrina versus solução salina para o tratamento das linhas perioculares

Mauricio de Quadros1; Analupe Webber2; Mariana Silveira Ferreira3; Ana Paula Schwarzbach4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2017921006

Data de recebimento: 04/03/2017
Data de aprovação: 10/06/2017
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: A diluição-padrão da toxina botulínica é feita com solução salina 0,9%. Alguns estudos mostram que diluída em lidocaína e epinefrina a toxina mantém sua função sem comprometer a eficácia ou segurança.
Objetivo: Estabelecer se o efeito paralisante da toxina onabotulínica tipo A reconstituída em anestésico (lidocaína a 2%) e agente vasoconstritor (epinefrina 1:50.000) é tão efetivo quanto o da mesma toxina reconstituída em solução salina em 48 horas, uma semana, duas, quatro,12 e 24 semanas para o tratamento de linhas perioculares e comparar a tolerância à dor de uma e outra possibilidade.
Métodos: 15 pacientes com rugas perioculares foram randomizadas para receber toxina onabotulínica diluída em lidocaína com adrenalina ou diluída em solução salina e foram reavaliadas em 48 horas, uma semana, duas, quatro, 12 e 24 semanas.
Resultados: Os dados indicam que não houve diferença na simetria e na durabilidade da toxina botulínica, nem tampouco na dor durante a aplicação.
Conclusões: Não houve diferença estatisticamente significativa na frequência de paralisia muscular periocular lateral e na simetria decorrente das aplicações de toxina botulínica reconstituída em lidocaína com epinefrina ou em solução salina, resultado consistente com estudos prévios.


Keywords: TOXINAS BOTULÍNICAS TIPO A; DILUIÇÃO; LIDOCAÍNA


INTRODUÇÃO

Injeção de toxina botulínica (TB) para tratamento de rugas faciais é um dos procedimentos mais realizados em todo o mundo.1 A TB é potente neurotoxina derivada da bactéria Clostridium botulinum. Exerce seu efeito na junção neuromuscular pela inibição da liberação de acetilcolina, o que causa bloqueio neuromuscular temporário.2 A bactéria produz vários sorotipos (A, B, Cα, Cβ, D, E, F, G) de TB.3 O sorotipo A é o mais potente e o mais utilizado para tratamentos cosméticos.4 A TB de sorotipo A cliva a Snap-25 (proteína associada a sinaptossomo de 25KDa), do complexo Snare (soluble NSF attachment receptor).5 Os efeitos da TB nos músculos-alvo diminuem ao longo do tempo à medida que a proteína Snap-25 regenera e a contratilidade muscular é restaurada.6

A TB foi aprovada pelo FDA (Food and Drug Administration) para uso cosmético em 2002 com relação ao tratamento dos músculos do complexo glabelar e em 2013 das linhas perioculares, sendo utilizada off-label para todas as outras indicações faciais cosméticas.7 Há atualmente três toxinas do tipo A aprovadas pelo FDA para uso cosmético de linhas glabelares: onabotulínica, abobotulínica e incobotulínica.8

A diluição-padrão da TB é feita com solução salina 0,9%.9-11 Alguns estudos mostram que diluída em lidocaína a 1% e epinefrina 1:100.000 a TB mantém sua função sem comprometer a eficácia ou segurança.12-14 A vantagem de reconstituir em lidocaína e epinefrina reside no aumento de sua eficácia a curto prazo, acelerando o início do efeito e reduzindo o desconforto associado às injeções.15 A maioria dos pacientes não mostra o efeito total da paralisia induzida por toxina botulínica antes de 48 a 72 horas após a aplicação,12 e o efeito dura de três a quatro meses.15

O presente estudo foi realizado para estabelecer se o efeito paralisante da toxina onabotulínica tipo A reconstituída em anestésico (lidocaína a 2%) e agente vasoconstritor (epinefrina 1:50.000) é tão efetivo quanto aquele da mesma toxina reconstituída em solução salina em 48 horas, uma semana, duas, quatro,12 e 24 semanas para o tratamento de linhas perioculares e comparar a tolerância à dor nas duas possibilidades.

 

MÉTODOS

Foi realizado ensaio clínico randomizado, duplo-cego, entre junho de 2016 e fevereiro de 2017. Pacientes entre 25 e 55 anos com rugas perioculares laterais, oriundos do Ambulatório de Dermatologia da Santa Casa de Porto Alegre, foram convidados a participar do estudo. Usando método de amostragem por conveniência, foram selecionados 15, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, tendo todos completado o estudo. Seriam excluídos os pacientes que apresentassem doença neuromuscular, alergia à toxina botulínica do tipo A, lidocaína, ou epinefrina, paralisia facial, mímica assimétrica, história de aplicação de toxina botulínica na região periocular há menos de 12 meses, história de lifting facial, uso de medicamentos que interferem na junção neuromuscular (aminoglicosídeos e bloqueadores do canal de cálcio).

Um pesquisador cegado aplicou 6U da toxina onabotulínica A com diluição em solução salina na parte lateral dos músculos orbiculares dos olhos em um dos lados e, no outro lado, aplicou a mesma quantidade da substância reconstituída em lidocaína a 2% e epinefrina 1:50.000. Foram realizados três pontos com 2U de TB por ponto. Os pacientes foram orientados a evitar: manipulação ou massagem no local tratado, deitar em posição horizontal durante quatro horas e fazer exercícios físicos nas 24 horas seguintes.

Para avaliar o estado funcional da musculatura mimética, foram realizados registros fotográficos e vídeos da face dos pacientes em repouso e forçando ao máximo o sorriso, antes e após o procedimento, e nas seis avaliações subsequentes (48 horas, uma semana, duas, quatro, 12 e 24 semanas). Os pacientes responderam a questionários ao longo da pesquisa para avaliar satisfação, efeitos adversos, dor e durabilidade do tratamento. Após o procedimento, um avaliador cegado em relação ao lado tratado com a solução-padrão e ao lado tratado com a diluição experimental analisou os vídeos, as fotografias e as respostas aos questionários de cada etapa.

Os dados foram digitados no programa Excel e posteriormente exportados para o programa SPSS v. 20.0 para análise estatística. Foram descritas as variáveis categóricas por frequências e percentuais e quantitativas pela média e o desvio-padrão. Para comparar variáveis entre os lados tratados com as diferentes diluições foi utilizado o teste de McNemar. Foi considerado um nível de significância de 5%. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Santa Casa de Porto Alegre (número 58100316.8.0000.5335), e o estudo está de acordo com a Declaração de Helsinki.

 

RESULTADOS

Foram coletados os dados de 15 pacientes do sexo feminino. A média de idade foi de 39,1 anos (desvio-padrão de 7,9), com idade mínima de 25 e máxima de 52 anos. Em relação a tratamentos anteriores, nove pacientes (60%) nunca haviam feito, duas (13,3%) haviam feito uma vez, uma (6,7%) fizera duas vezes, duas (13,3%) fizeram cinco vezes, e uma (6,7%) havia feito seis vezes.

A maioria dos pacientes apresentou paralisia (Tabela 1) em 48 horas e, em duas semanas, paralisia e simetria (Tabela 2). Foram comparados os lados aplicados com lidocaína e com soro fisiológico, em cada momento de avaliação (Grafico 1). Não houve diferença estatisticamente significativa entre os lados, em nenhum dos tempos avaliados.

Dez (66,7%) pacientes referiram sentir dor. Em relação ao lado tratado com lidocaína houve 3 (20,0%) que referiram dor e em relação ao lado diluído com soro fisiológico foram 8 (53,3%). Não houve diferença estatisticamente significativa (P = 0,180).

Seis (40,0%) pacientes apresentaram branqueamento: todos do lado tratado com lidocaína (não foi possível o cálculo da significância estatística, já que nenhum paciente manifestou branqueamento no lado tratado com solução salina).

 

DISCUSSÃO

O principal objetivo deste estudo foi estabelecer se o efeito paralisante da toxina onabotulínica tipo A reconstituída em anestésico (lidocaína a 2%) e agente vasoconstritor (epinefrina 1:50.000) é tão efetivo quanto o daquele da mesma toxina reconstituída em solução salina em 48 horas, uma semana, duas, quatro,12 e 24 semanas para o tratamento de linhas perioculares. Este estudo não encontrou diferença estatisticamente significativa no efeito paralisante em nenhum dos períodos de tempo em que foram feitas as avaliações por foto e vídeo entre os pacientes do grupo tratado com lidocaína e os do grupo tratado com solução salina. Outros autores relataram simetria ao comparar os dois tipos de diluição uma semana após a aplicação.12,16

Este estudo também examinou a tolerância à dor e revelou que não houve diminuição de dor no lado tratado com solução salina em relação ao outro. A lidocaína tende a ser dolorosa pelo pH ácido, o que não parece trazer vantagem para minimizar a dor durante a aplicação de TB.17 Gassner e colaboradores estudaram 10 voluntários e relataram o efeito paralisante imediato e estatisticamente significativo quando a TB foi diluída em lidocaína a 1% e epinefrina 1:100.000.12 Kim e colaboradores pesquisaram a satisfação de 181 pacientes que receberam TB tipo A reconstituída em lidocaína a 1% com epinefrina 1:100.000 e descreveram como positivo o efeito paralisante imediato provocado pelo anestésico.18 E a epinefrina é citada em alguns artigos como benéfica por minimizar a difusão da TB.12,13,19

Os resultados do estudo são limitados devido ao pequeno tamanho da amostra. Assim, um valor não significativo permitiu afirmar não haver diferença ou a amostra era muito pequena para detectar alguma diferença. O estudo utilizou lidocaína 2% e epinefrina 1:50.000, enquanto os estudos encontrados na literatura utilizaram lidocaína 1% e epinefrina 1:100.000. O estudo não se propôs a avaliar as doses necessárias para obtenção de melhores resultados clínicos na região periocular, pois usou dose igual para todos os pacientes com o objetivo de verificar paralisia e simetria relativas às duas diferentes diluições. Por fim, o avaliador cegado fez uma avaliação subjetiva de fotos e vídeos por não haver escala objetiva de medida.

 

 

CONCLUSÃO

Não houve diferença estatisticamente significativa na frequência de paralisia muscular periocular lateral e na simetria entre as aplicações de TB reconstituída em lidocaína com epinefrina e em solução salina, resultado esse consistente com estudos prévios. Os dados indicam que a durabilidade foi semelhante nos dois grupos. A presença de dor durante a aplicação também não foi inferior no grupo da lidocaína.

 

PARTICIPAÇÃO NO ARTIGO:

Maurício de Quadros

levantamento bibliográfico, montagem do projeto, aplicação da toxina botulínica ,discussão e conclusão do artigo, montagem final do artigo e revisão da literatura.

Analupe Webber

levantamento bibliográfico, montagem do projeto, avaliação dos resultados (fotos e vídeos).

Mariana Silveira Ferreira

levantamento bibliográfico, montagem do projeto, randomização, seleção dos pacientes, fotografias e vídeos e reavaliação dos pacientes com fotografias e vídeos

Ana Paula Schwarzbach:

Levantamento bibliográfico
Montagem do projeto
Randomização
Seleção dos pacientes
Fotografias e vídeos
Reavaliação dos pacientes com fotografias e vídeos

 

Referências

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Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre – Porto Alegre (RS), Brasil.


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