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Artigo Original

Utilização da técnica da prega para diminuir a dor no microagulhamento do couro cabeludo: estudo comparativo

Marina de Souza Barletta2; Leticia Arsie Contin1; Fernanda Freitas de Brito2; Gabriela Nero Mitsuushi2; Kedima Caldeira Nassif2; Livia Mendes Sabia2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201792999

Data de submissão: 16/03/2017
Data de aprovação: 31/05/2017
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: O microgulhamento vem sendo realizado em diversas áreas da Dermatologia, incluíndo o tratamento da alopecia androgenética. Porém, um dos seus maiores limitantes é a dor, que ocorre tanto com o uso de cilindros agulhados, como com aparelhos motorizados dotados de microagulhas.
Objetivo: descrever uma nova técnica para minimizar a dor durante o microagulhamento do couro cabeludo.
Métodos: estudo observacional, prospectivo e comparativo, do microagulhamento realizado com aparelho motorizado, utilizando ou não o pregueamento da pele da área a ser tratada, entre os dedos polegar e indicador da mão não dominante do cirurgião. Este procedimento teve a denominação pelos autores, de Técnica da Prega.
A dor foi avaliada pelo paciente com base em escala visual analógica, e os dados submetidos ao teste t-Student, a fim de verificar a existência de diferença estatística entre os dados analisados.
Resultados: foram tratados 14 pacientes portadores de alopecia androgenética, 13 homens e 1 mulher. Após análise dos dados sobre a dor referida pelos pacientes, observou-se que a média aritmética dos dados das áreas não submetidas à Técnica da Prega era mais alta do que a média dos dados das áreas submetidas à referida técnica.
Conclusões: A técnica descrita mostrou-se eficaz na diminuição da dor durante o procedimento de microagulhamento do couro cabeludo, em consequência da alteração da percepção dolorosa pelo estímulo tátil, e pelo distanciamento das agulhas em relação à gálea que é ricamente inervada.


Keywords: PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS AMBULATÓRIOS; ALOPECIA; AGULHAS


INTRODUÇÃO

O microagulhamento faz parte do arsenal terapêutico da dermatologia atual. Recentemente ganhou importante papel na tricologia, despontando como excelente método a ser combinado com o tratamento clínico da alopecia androgenética. Os estudos demostram que o microagulhamento libera fatores de crescimento derivados de plaquetas e de crescimento epidérmico, mediante ativação do processo de regeneração de feridas que ocorre após a perfuração da pele pelas microagulhas, e que também promove estímulo e superexpressão de genes relacionados ao crescimento de cabelos, como os da via Wnt3a e Wnt10.1

O procedimento é simples, e pode ser realizado com cilindros ou aparelhos motorizados contendo microagulhas, sendo a dor e a ansiedade dos pacientes os desafios a superar.

Em ambos os dispositivos, podemos usar agulhas de 0,5 a 2,5mm de comprimento, sendo a dor proporcional ao comprimento da agulha utilizada. Quando as agulhas penetram até 0,25mm na pele, o procedimento é indolor, mas com agulhas maiores do que essas a dor pode variar de leve a intensa.

Este estudo teve o objetivo de avaliar um procedimento denominado pelos autores técnica da prega, em que se utiliza a pressão digital para o pregueamento da pele da área a ser tratada como forma de diminuir a dor referida pelo paciente durante o microagulhamento.

 

MÉTODOS

Foi realizado um estudo observacional, prospectivo e comparativo, em obediência aos princípios éticos da Declaração de Helsinque. Comparou-se a dor referida em consequência do microagulhamento realizado com a técnica convencional com aquela decorrente do procedimento realizado com a técnica da prega.

Foram selecionados pacientes portadores de alopecia androgenética, no ambulatório de tricologia do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo. Como critérios de inclusão, instituiu-se que os participantes deveriam ter mais de 18 anos e alopecia androgenética de acometimento clinicamente evidente. Os critérios de exclusão foram: participantes com discrasias sanguíneas, histórico de hemorragias ou uso de anticoagulantes orais, presença de doenças autoimunes, fenômeno de Koebner ou condição de saúde ou uso de medicação que, na opinião do dermatologista, os tornasse inelegíveis. Utilizou-se anestesia tópica (lidocaína 14% associada a tetracaína 7% em veículo gel da farmácia de manipulação Drogaderma, Brasil) que permaneceu durante 30 minutos no couro cabeludo dos pacientes, seguindo-se assepssia com clorexidina aquosa 1%. O couro cabeludo foi dividido em quadrantes com uma fita de TNT disposta linearmente desde o ponto mais alto da hélice da orelha direita até o ponto correspondente na orelha esquerda e outra disposta desde a região glabelar até a protuberância óssea da região occipital. Após esta divisão foram criados quadrados de 2cm de lado em cada quadrante, a partir do ponto em que as fitas se cruzavam no couro cabeludo, formando dois quadrantes superiores anteriores e dois quadrantes posteriores inferiores (Figura 1). Os pacientes foram submetidos a sessão de microagulhamento utilizando-se o aparelho para tatuagens da marca Cheyenne® (Cheyenne®, Alemanha), com energia de 70Hzs e com agulhas enfileiradas modelo 17—bp-Magnum (Cheyenne®, Alemanha), com profundidade ajustável de 1mm. O procedimento de microagulhamento, sem a utilização de medicamentos, foi feito nos quatro quadrados previamente demarcados. No hemicrânio esquerdo (T1: posterior; T3: anterior) foi realizado de modo convencional. No hemicrânio direito (T2: posterior; T4: anterior) utilizou-se a técnica da prega, que consiste em, durante o microagulhamento, a área do couro cabeludo a tratar ser pregueada entre os dedos polegar e indicador da mão não dominante do cirurgião (Figura 2). O objetivo final foi atingir orvalho semelhante nos quadrantes (Figuras 3 e 4). Após 30 segundos, a dor foi avaliada pelo paciente com base na escala visual analógica (EVA), um instrumento simples, prático e considerado reprodutível na mensuração da dor. Para documentação fotográfica utilizou-se uma câmera digital Apple iPhone 6 de 8 megapixels, em condições ambientais idênticas, imediatamente após o procedimento. Posteriormente os dados foram submetidos ao teste t-Student, pelo software Excel, a fim de verificar se existia diferença estatística, com nível de significância 5%.

 

RESULTADOS

Os pacientes, numerados de 1 a 14, eram 13 do sexo masculino e um do sexo feminino, com idade mínima de 29 anos e máxima de 70, sendo a média de idade de 44 anos. O fototipo dos pacientes variou de II a IV, segundo a classificação de Fitzpatrick.

Após a análise da dor pelo paciente (Tabela 1) com base na EVA, observou-se que as médias aritméticas dos quadrantes posteriores (T1: 5,43; T2: 3,50) eram diferentes estatisticamente entre si; resultado semelhante foi observado nos quadrantes anteriores (T3: 6,14; T4: 3,43), comprovando a eficiência da técnica da prega em relação à diminuição da dor durante o procedimento do microagulhamento do couro cabeludo.

Comparando-se os hemicrânios esquerdo (T1 e T3) e direito (T2 e T4), os resultados foram estatisticamente semelhantes, assumindo 5% de nível de significância, apesar de a média aritmética ter sido maior na região anterior. Dos 14 pacientes incluídos no trabalho, dois não apresentaram alteração da percepção de dor (números 2 e 13) e um paciente (número 7) referiu piora da dor.

 

DISCUSSÃO

O microgulhamento descrito na Dermatologia como ferramenta para o tratamento do envelhecimento cutâneo e das cicatrizes de acne pelo estímulo à síntese de colágeno teve seu uso ampliado para a terapia das alopecias.1 A dor durante procedimentos cutâneos minimamente invasivos se deve à ativação de dois nociceptores: as pequenas e pouco mielinizadas fibras Aδ e as fibras C não mielinizadas. Os estímulos dolorosos são conduzidos por essas fibras nervosas até o gânglio espinhal dorsal, e depois ao sistema nervoso central, sendo recebidos no córtex.2,3 A modulação da dor se dá principalmente pela interação entre fibras Aδ e C, interneurônios inibitórios da medula espinhal e pelo controle cortical pelo encéfalo.3 A analgesia vibratória parece ser explicada pela interação entre duas áreas corticais que codificam dor e tato, respectivamente.4 A dor pode ser quantificada por vários métodos descritos, sendo o mais aceito a quantificação pela EVA, que consiste na atribuição de notas de 0 a 10 à dor percebida durante um procedimento. As notas de 1 a 2 referem-se à dor leve; de 3 a 7, à moderada; e de 8 a 10 à intensa.5 A analgesia clássica por meio de anestésicos tópicos, como os cremes à base de lidocaína e prilocaína usados 30 a 60 minutos antes do microagulhamento, não é suficiente para eliminar a dor inerente ao procedimento. Por isso é importante associar técnicas não medicamentosas de anestesia, tais como estímulos vibratórios e táteis.5 O microagulhamento causa dor pelo estímulo mecânico, podendo ser mecânico-químico quando associado à infusão na derme de medicamentos de pH baixo. Ao associarmos pressão ou vibração durante o procedimento, mais de um tipo de estímulo sensorial chega ao córtex, “enganando” o portador da dor, o que se pode associar à redução da sensação dolorosa.3,4 Assim, ao realizarmos essa nova técnica, a percepção de dor pelo paciente diminuiu, devido à associação de outro estímulo neurossensitivo no local. E comparando-se as regiões anterior e posterior, a percepção de dor foi maior na anterior, porém sem significância estatística. Acredita-se que essa diferença se deva à anatomia do couro cabeludo, dada a maior quantidade de nervos sensitivos na região frontal e menor na parietal. Baseando-se na EVA de autopercepção dos pacientes, a maioria referiu melhora da dor com a técnica da prega, sendo essa melhora estatisticamente significante. Acreditamos que essa técnica diminui a dor do procedimento tanto pela alteração de sua percepção pelo estímulo tátil quanto pelo coxim formado pela prega, que diminui a proximidade das agulhas com a gálea que é ricamente inervada. A técnica da prega é simples, sem custo adicional, reprodutível, podendo ser realizada em qualquer região do couro cabeludo (Figura 5). Pode, entretanto, ocorrer maior dificuldade em sua realização em alguns pacientes que apresentem menos elasticidade do couro cabeludo. O procedimento é técnico-dependente e exige treinamento adequado para sua realização eficaz.

 

CONCLUSÃO

Os procedimentos minimamente invasivos para tratamento de alopecia vêm-se mostrando eficazes e ganhando relevância nacional e internacionalmente, mas a dor continua sendo um fator limitante à aderência do paciente. Utilizando a técnica da prega descrita podemos alcançar o resultado desejado com maior conforto dos pacientes e sem custo adicional.

 

PARTICIPAÇÃO NO ARTIGO:

Marina de Souza Barletta

criação da técnica e participação na realização do procedimento descrito nos pacientes e elaboração textual do artigo.

Leticia Arsie Contin

Participação na realização do procedimento descrito nos pacientes e elaboração textual do artigo.

Fernanda Freitas de Brito

Participação na realização do procedimento descrito nos pacientes e elaboração textual do artigo.

Gabriela Nero Mitsuushi

Participação na realização do procedimento descrito nos pacientes e elaboração textual do artigo.

Kedima Caldeira Nassif

Participação na realização do procedimento descrito nos pacientes e elaboração textual do artigo.

Livia Mendes Sabia

Participação na realização do procedimento descrito nos pacientes e elaboração textual do artigo.

 

Referências

1. Dhurat R, Sukesh MS, Avhad G, Dandale A, Pal A, Pund P. A randomized evaluator blinded study of effect of microneedling in androgenetic alopecia: a pilot study. Int J Trichology. 2013;5(1):6-11.

2. Beiteke U, Bigge S, Reichenberger C, Gralow I. Pain and pain management in dermatology. J Dtsch Dermatol Ges. 2015;13(10):967-87

3. van der Spek FB. Methods of pain-reducing in diagnostic and therapeutic procedures in paediatric dermatology - a clinical study. The Netherlands: Erasmus University Rotterdam; 1998. Chapter 1, Aspects of pain in medical care in children; p. 9-20.

4. Hollins M, McDermott K, Harper D. How does vibration reduce pain? Perception. 2014;43(1):70-84.

5. Jeong HR, Lee HS, Choi IJ, Park JH. Considerations in the use of microneedles: pain, convenience, anxiety and safety. J Drug Target. 2017;25(1):29-40.

 

Trabalho realizado no Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM) - São Paulo (SP), Brasil.


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