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Artigo Original

Condilomas anogenitais em crianças: análise descritiva de 20 casos

John Verrinder Veasey1; Marina Dall'Antonia2; Barbara Arruda Fraletti Miguel3; Silvia Assumpção Soutto Mayor4; Adriana Bittencourt Campaner5; Thiago da Silveira Manzione6

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201792993

Data de recebimento: 28/03/2017
Data de aprovação: 12/06/2017
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

Introdução: A ocorrência de verruga anogenital em crianças é relativamente infrequente, porém gera angústias para a família e para o médico diante da possível associação com abuso sexual.
Objetivo: Demonstrar casos de verruga anogenital em crianças e opções terapêuticas utilizadas.
Métodos: Estudo retrospectivo descritivo de verrugas anogenitais em menores de 12 anos de idade, com média de idade de quatro anos, atendidos entre 2011 e 2015, em ambulatório público de doenças sexualmente transmissíveis na cidade de São Paulo.
Resultados: Demonstramos 20 casos, sendo 12 crianças do sexo feminino e oito do sexo masculino. A localização preferencial das lesões foi em região perianal (70%), e 30% das crianças apresentavam verruga extragenital. O tratamento de escolha em 65% dos casos foi com medicamentos tópicos (podofilina e imiquimode). O tempo máximo para a cura foi de 20 semanas.
Conclusões: O condiloma anogenital foi mais frequente em meninas, a média de idade foi de quatro anos, a localização mais acometida foi a região perianal e apresentou boa resposta terapêutica com o tratamento tópico de escolha.


Keywords: CONDILOMA ACUMINADO; VERRUGAS; CRIANÇA; MAUS-TRATOS SEXUAIS INFANTIS; TERAPÊUTICA


INTRODUÇÃO

As verrugas anogenitais resultam da infecção pelo papilomavírus humano (HPV).1 Na literatura médica, o relato de casos em idade pediátrica é crescente,1 porém ainda pouco se sabe sobre a real epidemiologia do HPV nessa faixa etária.2 O diagnóstico de condiloma anogenital traz angústia tanto para o médico como para a família diante da possível associação com abuso sexual. O conhecimento sobre a infecção pelo HPV por contato não sexual é importante quando consideradas as implicações de uma investigação de abuso sexual.3 A interpretação de condiloma anogenital em crianças como prova de abuso sexual é controversa, visto que a prevalência do HPV em crianças abusadas sexualmente varia de 5% a 33% e em crianças sem suspeita de abuso ficam em torno de 16%.2 Com isso, a presença de verrugas anogenitais em crianças pode ser resultado de abuso sexual, o que, porém, não parece ser a principal forma de contágio dessas lesões; outras formas de transmissão não podem ser excluídas e nem esquecidas no momento da investigação.2,3

 

OBJETIVO

O objetivo do estudo foi revisar os casos de verrugas genitais em crianças atendidas em ambulatório público de doenças sexualmente transmissíveis, suas características clínicas e resposta terapêutica.

 

MÉTODO

Realizamos um estudo retrospectivo descritivo analisando os casos de verrugas anogenitais em crianças de até 12 anos atendidas no Ambulatório de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) na cidade de São Paulo entre 2011 e 2015.

 

RESULTADOS

Foram atendidos 20 pacientes, sendo 12 do sexo feminino e oito do sexo masculino. Dos 20 pacientes, 60% (12) apresentavam verrugas exclusivamente perianais, 20% (4) acometendo concomitantemente regiões genital e anal, e 20% (4) exclusivamente genitais (10% penianas e 10% vulvares, 2 pacientes cada). Dos pacientes avaliados, 30% (6) apresentavam verrugas extragenitais. Os contactantes também foram avaliados quanto à presença de verrugas, sendo que quatro familiares (20%) apresentavam verruga genital (2 pais, 1 mãe e 1 irmã), e quatro familiares (20%) apresentavam verruga extragenital (Quadro 1). O método diagnóstico utilizado em 55% dos casos foi atingido por associação clínica e dermatoscópica, sem exame histológico confirmatório. O exame histopatológico foi realizado em nove crianças. Das 20 crianças estudadas, 18 tiveram suas lesões tratadas (uma ainda em seguimento e outra não compareceu ao retorno. O tratamento de escolha em 65% dos casos foi com medicamentos tópicos (podofilina 20% e imiquimode 5%), seis crianças (30%) com imiquimode, três (15%) com podofilina, e quatro (20%) com imiquimode e podofilina. O imiquimode a 5% foi utilizado em creme (um sachê ao dormir nas segundas, quartas e sextas-feiras na região afetada, lavando-se oito horas após)e a podofilina a 20% em vaselina sólida aplicada semanalmente pelo médico no ambulatório, com orientação para limpeza da região quatro horas após a aplicação Quatro pacientes (20%) foram submetidas à terapêutica combinada de um dos agentes tópicos seguido de método destrutivo (quimiocirurgia com ácido tricloroacético 90%, eletrocauterização ou crioterapia), com resolução total do quadro. Uma paciente fora levada pela mãe a outro serviço, em que foi realizada eletrocauterização, mas, descontente com o resultado estético, buscou nosso serviço. O tempo máximo para ser alcançada a cura foi de 20 semanas.

 

DISCUSSÃO

A transmissão não sexual pelo HPV pode acontecer de diversas maneiras que incluem o contato pessoal direto ou indireto com objetos ou superfícies contaminadas e transmissão vertical. Uma revisão por Syrjänen e Puranen dos vários modos de aquisição do HPV e verrugas anogenitais em crianças, recém-nascidas até 12 anos, demonstrou alta prevalência de doença obtida por outros meios de transmissão, diferentes de contato sexual.4 Em 185 pacientes com verrugas anogenitais, 67 (36%) tinham fonte conhecida de aquisição, como autoinoculação, transmissão não sexual de outros membros da família e possível transmissão vertical da mãe.4 Em estudo realizado por Jones et al., a suspeita de abuso sexual foi relatada em apenas três de 131 pacientes (2%), mostrando que a evidência clínica de HPV geralmente não se correlaciona com essa ocorrência.3 Deve-se considerar que o fato de haver contactantes ou mesmo cuidadores portadores de verrugas nas mãos não afasta a possibilidade de abuso, uma vez que abuso não se limita ao contato sexual. Além disso, crianças não são cuidadas apenas por familiares. Muitas ficam sob cuidado de terceiros, tornando a investigação extremamente complexa e invasiva. No estudo, os pacientes e familiares foram avaliados por equipe multidisciplinar, incluindo avaliação psicológica e pediátrica para abordar o contexto psicossocial e familiar, a fim de afastar a possibilidade de abuso.

A prevalência de outras DST em contexto de abuso sexual infantil é de 4%. Essa investigação é mandatória nos casos declarados ou evidentes, sendo a positividade dos resultados nos restantes casos um forte indício de sua ocorrência.1 Todos os 20 pacientes do presente estudo foram submetidos a exames de sorologia de HIV, sífilis, hepatite B e C, e não houve diagnóstico de qualquer dessas infecções na população estudada.

O método diagnóstico utilizado no estudo em 55% dos casos foi atingido por associação clínica e dermatoscópica, sem exame histológico confirmatório. Conforme descrito por Veasey et al., os exames clínicos e dermatoscópicos apresentam critérios suficientes para se confirmar o diagnóstico de verrugas anogenitais.5 Em se tratando de lesões em crianças, chegar ao diagnóstico evitando procedimentos invasivos é uma vantagem.

Não há consenso para o tratamento de verrugas anogenitais, incluindo as que acometem crianças.6,7 A escolha terapêutica deve ser individualizada, e na experiência do serviço dá-se preferência a tratamentos tópicos, menos traumatizantes e de evolução com menos sequelas (Figura 1). Nos pacientes aqui focalizados, as terapias tópicas utilizadas foram com imiquimode 5% em creme e podofilina 20% em vaselina sólida. Apesar de haver restrições ao uso dessas terapias em pacientes com menos de 12 anos, alguns estudos indicam o uso em crianças em idades inferiores.7-10 A terapia de escolha foi de imiquimode 5%, e quando não havia possibilidade de comprar o produto, optava-se pela terapia com podofilina 20%. Nos pacientes que a terapêutica tópica se mostrou ineficaz foram associadas terapias destrutivas para a resolução do quadro. Quatro pacientes (20%) foram submetidas a terapêutica combinada de tópico seguido de destrutivo, com resolução total do quadro.

Uma paciente mostrou-se descontente com danos estéticos, decorrentes de eletrocauterização realizada em outro serviço, exemplificando-se assim o risco da realização de terapias destrutivas no tratamento de verrugas anogenitais (Figura 1). Não houve correlação entre o tempo para cura (máximo de 20 semanas) e a localização das lesões, nem tampouco entre cura e terapia adotada. O tratamento combinado foi mais longo, provavelmente por ter sido indicado em casos mais complexos, com maior número de lesões e dificuldade de adequado seguimento ambulatorial. Não associamos a idade como fator de dificuldade terapêutica.

 

CONCLUSÃO

Verrugas anogenitais em crianças trazem um desafio ao médico não só pelo diagnóstico, mas também por questões que acompanham o quadro, entre elas, a forma de aquisição da lesão e a melhor opção terapêutica de abordagem. É fundamental examinar a criança e seus contactantes em busca de lesões, além de solicitar sorologias para investigação de DST. De acordo com a literatura, a prevalência de abuso sexual como forma de transmissão das lesões não parece ser a principal.

 

DECLARAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO:

John Verrinder Veasey:

Análise estatística
Aprovação da versão final do manuscrito
Concepção e planejamento do estudo
Elaboração e redação do manuscrito
Participação efetiva na orientação da pesquisa
Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados
Revisão crítica da literatura
Revisão crítica do manuscrito

Marina Dall’Antonia:

Obtenção, análise e interpretação dos dados

Barbara Arruda Fraletti Miguel:

Obtenção, análise e interpretação dos dados

Silvia Assumpção Soutto Mayor:

Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados

Adriana Bittencourt Campaner:

Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados

Thiago da Silveira Manzione:

Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados

 

Referencias

1. Rodrigues LR, Portugal V, Rodrigues N, Nápoles S, Casanova C. Verrugas anogenitais na criança: a importância da abordagem multidisciplinar. Acta Med Port. 2011;24(2):367-70

2. Unger ER, Fajman NN, Maloney EM, Onyekwuluje J, Swan DC, Howard L, et al. Anogenital human papillomavirus in sexually abused and nonabused children: a multicenter study. Pediatrics. 2011;128(3):e658-65.

3. Jones V, Smith SJ, Omar HA. Nonsexual transmission of anogenital warts in children: a retrospective analysis. ScientificWorldJournal. 2007;26;7:1896-9.

4. Syrjänen S, Puranen M. Human papillomaviruss infections in children: the potential role of maternal transmission. Crit Rev Oral Biol Med. 2000;11(2):259-74.

5. Veasey JV, Framil VMS, Nadal SR, Marta AC, Lellis RF. Verrugas genitais: correlações entre a clínica, a dermatoscopia, a microscopia confocal reflectante e a histopatologia. An Bras Dermatol. 2014;89(1):141-4.

6. Lacour DE, Trimble C. Human papillomavirus in infants: transmission, prevalence, and persistence. J Pediatr Adolesc Gynecol. 2012;25(2):93-7.

7. Forcier M, Musacchio N. An overview of human papillomavirus infection for the dermatologist: disease, diagnosis, management, and prevention. Dermatol Ther. 2010;23(5):458-76

8. Sherrard J, Riddell L. Comparison of the effectiveness of commonly used clinic-based treatments for external genital warts. Int J STD AIDS. 2007;18(6):365-8.

9. Sharquie KE, Al-Waiz MM, Al-Nuaimy AA. Condylomata acuminata in infants and young children. Topical podophyllin an effective therapy. Saudi Med J. 2005;26(3):502-3.

10. Brandt HRC, Fernandes JD, Patriota RCR, Criado PR, Belda Junior W. Tratamento do papiloma vírus humano na infância com creme de imiquimode a 5%. An Bras Dermatol. 2009;85(4):549-53

 

Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia da Santa Casa de Misericórdia São Paulo - São Paulo (SP), Brasil.


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