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Relato de casos

Reconstrução de dois defeitos na face próximos entre si: relatos de dois casos

Caroline Silva Pereira1; Erica Bruder Botero2; Gabriela Cristina Nascimento dos Reis3; Fernanda Sayuri Ota4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2016831691

Data de recebimento: 06/09/2015
Data de aprovação: 26/08/2016
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

O carcinoma basocelular corresponde à maioria das neoplasias cutâneas malignas no Brasil, predominando nos indivíduos brancos de meia-idade, atingindo principalmente os dois terços superiores da face e ocorrendo devido a vários fatores etiológicos. O tratamento ideal consiste na remoção completa com margens livres de lesão. Para melhor resultado funcional e estético, pode ser necessária a reconstrução da ferida operatória com retalhos ou enxertos. Descrevem-se dois tipos de reconstrução em pacientes portadores de duplos defeitos cirúrgicos na face, próximos entre si: um com retalho de rotação simples e outro com retalho de dupla rotação, também chamado Yin-Yang.


Keywords: NEOPLASIAS CUTÂNEAS; CARCINOMA BASOCELULAR; RETALHOS CIRÚRGICOS


INTRODUÇÃO

O carcinoma basocelular (CBC) corresponde a 70% das neoplasias malignas da pele no Brasil, acometendo principalmente indivíduos brancos de meia-idade.1 O CBC atinge, preferencialmente, os dois terços superiores da face (60-80%), e sua principal etiologia está relacionada à exposição à radiação ultravioleta. Outros fatores de risco foram descritos, entre eles antecedentes pessoal e familiar presentes para câncer de pele, imunossupressão, exposição à radiação fluorescente, tabagismo, radioterapia, Puva terapia e exposição ao arsênio, coaltar e compostos organofosforados.1 Apesar da baixa mortalidade (0,05% a 0,08%),1 após definido o diagnóstico da lesão por exame anatomopatológico, o tratamento adequado deve ser estabelecido, pois o CBC recidivado ou com tratamento tardio apresenta altos índices de falha terapêutica. O tratamento ideal consiste na remoção completa da lesão com margens livres. Para melhor resultado funcional e estético pode ser necessária a reconstrução da ferida operatória com retalhos ou enxertos. Descrevem-se dois tipos de reconstrução em pacientes portadores de defeitos cirúrgicos duplos e próximos entre si, resultantes da retirada de CBCs. Foram utilizados o retalho de rotação simples no primeiro paciente e o retalho de dupla rotação, também chamado Yin-Yang no segundo paciente.

 

RELATO DE CASO 1

Paciente do sexo feminino, 53 anos, fototipo III, natural de Impirá-BA, com antecedente pessoal positivo para câncer de pele. Ao exame dermatológico, apresentava duas lesões assintomáticas há mais de dois anos, uma com 3cm na região supraorbital direita e outra de 1cm na região temporal direita. À dermatoscopia, visualizaram-se, ausência de rede pigmentar, ulcerações, folhas de bordo e telangectasias arboriformes. Foi realizada a biópsia incisional nas lesões, confirmando CBCs por estudo anatomopatológico. A exérese foi programada com margens de 4mm, demarcadas por dermatoscopia (Figura 1A). Para o fechamento, foi realizado um retalho de rotação simples, tendo sido o defeito secundário aproximado por sutura primária (Figura 1B). Houve boa evolução no pós-operatório imediato (Figura 1C) e tardio (Figura 1D). O exame anatomopatológico de ambas as lesões confirmou margens livres.

 

RELATO DE CASO 2

Paciente do sexo masculino, 85 anos, fototipo II, natural de Campinas-SP, com antecedente pessoal presente para câncer de pele. Ao exame dermatológico, apresentava duas lesões assintomáticas há mais de três anos, uma na região malar direita de 1cm, e outra na região zigomática direita de 0,8cm. À dermatoscopia de ambas as lesões, visualizaram-se telangectasias arboriformes e ninhos ovoides e áreas brancas amorfas. Foi realizada biópsia incisional das lesões, confirmando por estudo anatomopatológico CBCs. As duas lesões foram retiradas em um único tempo cirúrgico com margens de 4mm, após demarcação pré-operatória por meio da dermatoscopia (Figura 2A). No procedimento, os defeitos foram fechados usando-se a pele sã entre eles, com dois retalhos de rotação, constituindo o duplo retalho de rotação, que redunda em uma figura semelhante ao símbolo chinês Yin-Yang (Figura 2B). Houve boa evolução no pós-operatório imediato (Figura 2C) e tardio (Figura 2D). Após a exérese, o exame anatomopatológico de ambas as lesões revelou margens livres.

 

DISCUSSÃO

A proximidade de dois defeitos cirúrgicos oferece um desafio à reconstrução, principalmente para o fechamento primário.2,3 Assim nesses casos opta-se muitas vezes por retalhos ou enxertos de pele, buscando melhor resultado estético e funcional.4 Enxertos são fragmentos de pele retirados de áreas doadoras e transferidos para a ferida cirúrgica, de onde obtêm novo suprimento sanguíneo. Podem ser classificados: 1- segundo sua composição enxertos de pele total, pele parcial ou compostos; 2- segundo a origem genética do tecido de origem - autoenxerto, homoenxerto ou aloenxerto, isoenxerto e xenoenxerto; e 3- segundo a forma - em estampilha, malha ou tira. As complicações mais comuns no uso de enxertos são os hematomas. Retalhos são segmentos de pele e subcutâneo com leito vascular próprio, vizinhos à ferida cirúrgica, utilizados para preenchêla quando não é possível o fechamento primário das bordas. A região doadora deve conter sobra de pele com mobilidade suficiente para atingir a área receptora, sem que haja excesso de tracionamento ou sofrimento vascular do pedículo. São classificados sob vários critérios: avanço, rotação ou transposição quanto ao movimento principal; arteriais ou randomizados, dependendo da vascularização; e romboidal, bilobado e outros, quando se relacionam à forma. As complicações mais comuns são necrose e infecção.5,6 A reconstrução de defeitos cirúrgicos próximos entre si na face varia significativamente dependendo da localização e da distensibilidade do tecido adjacente.3,7 Os defeitos dos casos cirúrgicos relatados foram reconstruídos mediante retalhos de rotação simples e duplo, utilizados para reparar grandes perdas teciduais ou unidades estéticas inteiras. O movimento do retalho para o defeito cirúrgico é basicamente de rotação, criando-se um defeito secundário adjacente, conforme demonstrado no caso 1, e que foi aproximado por sutura primária. No retalho de dupla rotação (caso 2) também chamado Yin-Yang, desenha-se uma linha curva unindo a porção inferior do primeiro defeito à porção superior do segundo, criando figura semelhante ao símbolo chinês Yin-Yang, realizando-se a seguir a rotação dupla.8 Foi necessário retirar dois pequenos triângulos de compensação, superiormente ao defeito medial e inferiormente ao defeito lateral.9 O duplo retalho de rotação Yin-Yang já foi descrito para fechamento de grandes defeitos na face, combinado com retalho de Mustardé, com excelente resultado em uma série de nove casos 10.

Foi descrito também para fechamento de defeito cirúrgico na região sacral, utilizando-se de dois retalhos em forma de trapézio com pedículo subcutâneo.10

Nos 2 casos cirúrgicos relatados, a execução dos retalhos evoluiu sem complicações, com resultado estético e funcional favoráveis.

 

CONCLUSÃO

Os retalhos são utilizados preferencialmente em razão da manutenção da cor, textura e espessura da pele, além de se evitar uma segunda ferida operatória na retirada de um enxerto. Várias técnicas são descritas para fechamento de defeitos na face, mas poucas são as descrições de fechamento simultâneo de duas lesões próximas. A proximidade de dois defeitos configura um desafio cirúrgico para o manejo no fechamento das lesões, devendo-se atentar para os resultados estético e funcional.

 

Referências

1. Chinem VP, Miot HA. Epidemiology of basal cell carcinoma. An Bras Dermatol. 2011;86(2):292-305.

2. Mureau MAM, Hofer SOP. Maximizing results in reconstruction of cheek defects. Clin Plastic Surg. 2009;36(3):461-76.

3. Comparin C, Filho GH, Freitas CAF. Reconstrução complexa de hemiface direita: o desafio de dois carcinomas basocelulares. XXVI Cong Brasileiro de Cirurgia Dermatológica - Porto Alegre, 2014.

4. Bernstein G, Senkarik M. Surgical Anatomy of the skin. Connecticut: Appleton & Lange; 1988. p.217-22.

5. Baker SR. Retalhos locais em reconstrução facial. Rio de Janeiro: Di Livros; 2009. p.585-603.

6. Kopke LFF. Retalhos. In: Kadunc B, Palermo E, Addor F, Metsavaht L, Rabello L, Mattos R, et al. Tratado de Cirurgia Dermatológica, Cosmiatria e Laser da Sociedade Brasileira de Dermatologia. Rio de Janeiro: Elsevier; 2012. 56:724-9.

7. Dobratz EJ, Hilger PA. Cheek defects. Facial Plast Surg Clin North Am. 2009;17(3):455-67.

8. Behan FC, Rozen WM, Tan S. Yin-Yang flaps: the mathematics of two Keys toneis land flaps for reconstructing increasingly large defects. ANZ J Surg. 2011;81(7-8):574-5.

9. Boggio P, Gattoni M, Zanetta R, Leigheb G. Burow's triangle advancement flaps for excision of two closely approximated skin lesions. Dermatol Surg. 1999;25(8):622-5.

10. Belmahi A, Oufkir A, Bron T, Ouezzani S. Reconstruction of cheek skin defects by the 'Yin-Yang' rotation of the Mustarde´ flap and the temporo parietal scalp. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2009;62(4):506-9.

 

Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) – Campinas (SP), Brasil.


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