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Cirurgia dermatológica e procedimentos cosmiátricos na gestação – Revisão sistemática

Gabriel Gontijo1, Gustavo Vieira Gualberto1, Natália Augusta Brito Madureira1

Recebido em: 19/10/2009
Aprovado em: 01/02/2009
Trabalho realizado em clinica privada
do autor
Conflito de interesse: Nenhum
Suporte financeiro: Nenhum

Abstract

Considerações especiais são necessárias antes de qualquer procedimento cirúrgico durante a gravidez. Os cirurgiões dermatológicos devem considerar a melhor abordagem para minimizar os riscos e prestar o cuidado ideal para mãe e feto.Tratamentos não emergenciais devem ser adiados até o término da gestação. Quando a cirurgia for necessária, é prudente a utilização de drogas e técnicas bem documentadas na literatura especializada.

Keywords: GESTANTES, GRAVIDEZ, TOXICIDADE DE DROGAS, PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS AMBULATÓRIOS


INTRODUÇÃO

A prática da cirurgia dermatológica requer abordagem cuidadosa, sempre considerando a relação risco/benefício de maneira individualizada antes da programação e realização de qualquer procedimento. Esse conceito é especialmente importante quando se lida com pacientes grávidas, devendo o cirurgião preocupar-se com a saúde da mulher, mas também com a garantia de segurança para o feto.1 Diante dessa responsabilidade, deve-se estar sempre bem informado sobre as indicações cirúrgicas realmente necessárias no período gestacional e sobre como conduzir de maneira apropriada os casos selecionados para procedimentos.

Os autores buscaram reunir um conjunto de informações atualizadas que possam nortear o cirurgião dermatológico acerca dos diversos temas que envolvem a cirurgia durante a gestação, tais como as mudanças esperadas no organismo da gestante, os medicamentos permitidos, as técnicas e opções terapêuticas recomendadas e a polêmica em relação aos procedimentos estéticos.

Além da consulta a livros sobre o tema, foi realizada revisão sistemática de artigos, utilizando as bases de dados online Pubmed, Medline e Lilacs. Foram procurados os termos “cirurgia dermatológica”, “cirurgia cosmética”, “gravidez”, “gestação”, “procedimento cirúrgico”, “laser”, “uso de drogas” e, em inglês, “pregnancy”, “pregnant”, “dermatologic surgery”, “cosmetic surgery”,“laser”,“botulinic toxin”,“drug therapy”,“drug toxicity”, “microdermabrasion”. Os artigos encontrados foram selecionados de acordo com os seguintes critérios de inclusão: conteúdo relacionando a prática de procedimentos cirúrgicos dermatológicos durante a gravidez, ter sido escrito em inglês ou português e ter sido publicado a partir de 1990.As informações foram selecionadas de acordo com sua relevância e separadas em temas que permitissem interpretação mais didática dos resultados.

ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS NA GESTAÇÃO

Sistema cardiovascular: Hemodinamicamente, o débito cardíaco e o volume sanguíneo circulante aumentam para garantir a demanda de oxigênio de mãe e feto, enquanto ocorre diminuição da resistência vascular periférica materna. A massa e o volume de células vermelhas sanguíneas também aumentam, mas em menor proporção, provocando hemodiluição fisiológica. O retorno venoso sofre diminuição à medida que o útero gravídico cresce e comprime vasos sanguíneos.1,2 Como a hipotensão materna poderia comprometer rapidamente o fluxo sanguíneo uterino, a pressão arterial da gestante deve ser atentamente monitorada durante procedimentos cirúrgicos. A contagem de células brancas do sangue periférico aumenta progressivamente durante a gestação, e isso não pode ser mal interpretado como marcador de infecção oculta na ausência de sinais ou sintomas clínicos.A contagem de plaquetas sofre leve redução, mas pode haver agregação plaquetária na gravidez tardia e no puerpério. Essa agregação, em combinação com a resistência vascular diminuída, e o aumento da produção de fatores da coagulação podem elevar o risco de eventos tromboembólicos. Pacientes com fatores de risco adicionais, como idade superior a 40 anos, história pessoal ou familiar de trombose ou deficiência de fatores de coagulação, podem precisar de profilaxia contra trombos (como aplicação de heparina subcutânea e compressão pneumática das pernas) se foram submetidos a procedimentos complexos ou prolongados. 1,2

Sistema respiratório: O volume respiratório corrente e a frequência respiratória aumentam para atender às necessidades de oxigenação do feto, fazendo com que a gestante permaneça em estado de alcalose respiratória compensada e sensível a potenciais reduções da PO2 arterial. Compressão aortocaval pelo útero gravídico (paciente em posição supina) provoca redução da PO2 arterial em aproximadamente 6-10mmHg.1,2

Função renal: O aumento do fluxo renal e da taxa de filtração glomerular provocam maior produção de urina, e o crescimento progressivo do útero aumenta a pressão sobre a bexiga, contribuindo para maior frequência urinária.1

Sistema gastrointestinal: A ação da progesterona reduz o tônus do esfíncter gastroesofágico, predispondo a sintomas de refluxo.A posição supina pode piorar esses sintomas.1,2

Sistema osteomuscular: Pausas para reposicionamento podem aliviar câimbras musculares e desconforto lombar ou pélvico, que se relacionam com o relaxamento ligamentar hormônio- induzido.1,2

Síndrome da compressão: O posicionamento supino, comumente usado em cirurgias, pode provocar a síndrome da compressão aortocaval, com sintomas de delírios, cefaleia, náusea, vômitos, sudorese intensa, hipotensão e taquicardia. Os sintomas podem ocorrer repentinamente e sem pródromos, mas tipicamente são aliviados e prevenidos pelo posicionamento da paciente em decúbito lateral esquerdo e com apoio ou travesseiro sob o quadril ou entre os joelhos.1,2

Glicemia: Os níveis de glicose sanguínea durante a gravidez são tipicamente menores do que os normais, devido à contínua demanda de glicose pelo feto. Lanches frequentes podem ajudar a aliviar os sintomas hipoglicêmicos e prevenir potencial cetose, apesar de não existirem estudos comprovando que esse acontecimento possa prejudicar o feto.2,3

O PROCEDIMENTO CIRÚRGICO

1. Quando fazer

O momento correto para a realização de procedimento cirúrgico na gestante é aspecto importante e individualizado.As primeiras 12 semanas de gestação são críticas para a organogênese e carregam risco aumentado de aborto espontâneo. Por outro lado, a cirurgia realizada durante o terceiro trimestre pode aumentar o risco de parto prematuro. Desse modo, seria prudente evitar a realização de cirurgias não emergenciais durante o primeiro e terceiro trimestres, reservando os procedimentos dermatológicos necessários para o segundo trimestre (13-28 semanas) ou para o período pós-parto, minimizando o risco para a paciente e para o feto.1

2. Preparação

Uma vez que se decida a favor da cirurgia, o cirurgião deve considerar vários aspectos, como a escolha do anestésico, tipo de fio de sutura (e duração de sua permanência na pele), cuidados com a ferida operatória e risco de infecção. Como em qualquer procedimento cirúrgico, é importante analisar a história médica da paciente para descobrir qualquer fator de risco adicional, como diabetes, hipertensão ou doenças cardíacas. O estado médico da gravidez deve ser revisado cuidadosamente no dia da cirurgia. Alguma história de contrações recentes, sangramento vaginal, aumento de edema ou outros sintomas importantes pode acarretar a necessidade de consulta ao obstetra e possível adiamento do procedimento. Os sinais vitais, incluindo pressão arterial, devem ser corretamente monitorados para o controle de sinais ocultos de pré-eclâmpsia ou outros problemas médicos.O monitoramento cardíaco fetal pode ser necessário para identificar estresse fetal durante o procedimento. Nesses casos, seria melhor mudar o local do procedimento para sala cirúrgica em que um anestesista esteja disponível para o monitoramento da paciente e do feto.1

3. Incisão cirúrgica

A incisão cirúrgica deve permitir a menor tensão possível. Em áreas em que exista qualquer dúvida sobre os vetores, a excisão deve ser circular. Depois dela, os vetores costumam ficar mais evidentes.A ferida deverá então ser fechada apropriadamente.1 A realização do primeiro ponto na parte central da ferida ajuda a identificar o vetor de menor tensão.

4. Sutura

Para a escolha do fio de sutura são usados os mesmos princípios básicos empregados em qualquer outro paciente. Se o procedimento ocorre no abdome, por exemplo, deve-se decidir pelo uso de sutura sepultada de lenta absorção e com maior força e firmeza dos nós. Pode haver necessidade da permanência das suturas por mais tempo, devido à cicatrização mais lenta associada com a gravidez. A retirada dos pontos por estádios poderia diminuir a preocupação com deiscências em áreas de grande tensão, como no abdome em expansão.1

5. Coagulação/ablação com eletrocautério ou laser

Não existem relatos de danos ao feto provocados pelo uso do eletrocautério ou do Laser ablativo (CO2); vários, entretanto, mostram a eficácia e baixa incidência de complicações do Laser de CO2 no tratamento de lesões vegetantes durante a gravidez, como as relacionadas ao papilomavírus humano (HPV)4 e ao carcinoma verrucoso.5 Existe certa preocupação em relação ao risco para o feto da exposição a partículas aéreas prejudiciais ou mutagênicas da fumaça da vaporização pelo cautério2,6 e pelo Laser. O uso de aspiradores e a correta colocação da máscara devem ser observados por pacientes e profissionais.1

COMPLICAÇÕES

Podem ocorrer em qualquer paciente que é submetido a procedimentos cirúrgicos, mas as gestantes parecem ser mais susceptíveis à cicatrização lenta, hiperpigmentação pós-inflamatória e a queloides.7 Cicatrizes hipertróficas e queloides são tratados de forma segura com esteroides intralesionais ou Laser durante a gravidez para reduzir o prurido ou eritema. Em outras lesões sintomáticas, como no granuloma piogênico sangrante, a eletrocoagulação ou a laserterapia ablativa (ex: CO2) podem ser realizadas com segurança.1,2

A hemostasia em procedimentos cirúrgicos mais invasivos é primordial, já que o sangramento no período perioperatório em gestante pode constituir situação potencialmente perigosa. A hemodiluição, em combinação com as alterações cardiovasculares já descritas, faz com que a gestante seja mais vulnerável a episódios de sangramento agudo, podendo afetar a perfusão uterina.1

Algumas mulheres podem ter risco aumentado para infecções devido à imunossupressão associada à gravidez, mas os procedimentos usados em cirurgia dermatológica são provavelmente de baixo risco porque utilizam técnicas limpas ou estéreis. Se houver indicação, existem vários antibióticos que podem ser usados de maneira segura.1

TUMORES E LESÕES SUSPEITAS NA GRAVIDEZ

A maioria dos relatos na literatura especializada sugere que as alterações endocrinológicas associadas à gravidez não estimulariam o crescimento de cânceres. No entanto, já foram relatados casos de tumores que apresentaram crescimento acelerado durante a gravidez, como carcinoma verrucoso no lábio,5 dermatofibrossarcoma protuberante,8 carcinoma basocelular9 e lesões pelo HPV.4 Um estudo sugeriu a possibilidade de que fatores de crescimento, que estariam elevados em gestações múltiplas, poderiam promover o crescimento de carcinomas basocelulares.9

O crescimento de granulomas piogênicos, tumores glômicos e hemangioendoteliomas durante a gestação reflete os efeitos estimulantes dos hormônios gestacionais sobre as estruturas vasculares.10

Em determinadas situações, como na suspeita de lesões malignas ou diante de alguns tumores benignos sangrantes, a maioria dos dermatologistas concorda que seria necessária exérese ou biópsia incisional. O risco de não realizar um procedimento, mesmo uma biópsia excisional, é maior do que o dano potencial provocado por deixar uma lesão desse tipo na pele. Além disso, o cirurgião fica mais apto para discutir a propedêutica e o tratamento quando o diagnóstico histológico é conhecido. Uma paciente no terceiro trimestre de gestação, apresentando carcinoma basocelular no tórax ou abdome, poderia aguardar até o período pós-parto para ser submetida ao tratamento. Por outro lado, uma paciente que tenha um carcinoma espinocelular agressivo no nariz durante o primeiro trimestre da gestação pode requerer cirurgia micrográfica imediata como tratamento definitivo.1

Lesões melanocíticas suspeitas exigem atenção redobrada. Os nevos benignos podem sofrer escurecimento ou seu tamanho aumentar durante a gravidez.11 Esse fato, combinado à hesitação de realizar biópsias ou procedimentos durante a gestação, poderia levar a atraso no diagnóstico de um melanoma. Portanto, as lesões pigmentadas que sofrem modificação em pacientes grávidas devem ser abordadas da mesma forma que em outros pacientes. Pelo fato de melanomas agressivos ou mais avançados carregarem maior mortalidade materno-fetal, as lesões suspeitas devem ser biopsiadas de imediato para prevenir o atraso no diagnóstico.1,12,13

O estadiamento tem enorme importância para a gestante que possua melanoma de pequena espessura (menor que 1mm), que pode ser submetida de maneira segura a ampla excisão sob anestesia local e a exame completo da pele e de linfonodos. Para as gestantes com indicação para mapeamento do linfonodo sentinela, a conduta varia muito.A avaliação e o tratamento da gestante com metástases de melanoma locais ou distantes não estão bem definidos, não havendo instruções específicas para os estudos de imagem ou esclarecimentos sobre os potenciais efeitos sobre o feto do interferon-a-2b ou da quimioterapia.13 A biópsia do linfonodo sentinela pode ser seguramente realizada na gravidez,14-16 preferencialmente após o primeiro trimestre a fim de minimizar riscos para o feto em desenvolvimento.16 De forma alternativa, uma gestante no terceiro trimestre poderia ser submetida a uma excisão simples, seguida de biópsia de linfonodo sentinela e excisão ampla durante o período pós-parto. Um tumor de 1mm ou mais de espessura, no entanto, deve ser operado de imediato para maior sobrevivência de longo termo.1

USO DE DROGAS

De maneira geral, o Food and Drugs Administration – FDA classifica as drogas em seis grupos, de acordo com o risco de teratogenia.1,2,17

  • X: uso contraindicado na gestação;
  • D: evidência positiva de risco para feto humano, mas os benefícios podem superar os riscos;
  • C: risco não pode ser excluído, não tendo sido realizados estudos em humanos. O benefício pode superar os riscos;
  • B: não há risco para fetos humanos, apesar de possível risco em animais;
  • A: estudos controlados não observaram qualquer risco.
  • Indeterminada: não foi classificada pelo FDA. Nesse caso, utilizar outras opções.

1. Antissépticos

Álcool e clorexidina não apresentam risco aumentado para a gestante. Preparações alcoólicas devem secar completamente para que atinjam efeito bactericida e para prevenir qualquer risco de chamas com o uso de laser ou eletrocautério.A absorção de povidine através de membranas mucosas tem sido associada com hipotireoidismo fetal.1,2 Existem relatos de toxicidade no sistema nervoso central de fetos com o uso de hexaclorofeno. 1,2

2. Anestesia

O uso de anestesia durante a gravidez tem levantado questionamentos sobre efeitos indesejados para o feto. Cada anestésico tem potencial teratogênico para algumas espécies sob condições específicas, e estudos em humanos são escassos.1,18 A maioria dos procedimentos na cirurgia dermatológica utiliza anestésicos locais, que podem ser usados de maneira segura, embora os cirurgiões dermatológicos se devam familiarizar com seus potenciais efeitos colaterais.

O risco de teratogenia dos medicamentos, como categorizado pelo FDA, pode guiar a escolha dos anestésicos. No geral, medicações nas categorias A e B são consideradas seguras na gravidez, bem como, para a maioria dos procedimentos dermatológicos, a lidocaína e a prilocaína.19,20 A quantidade de anestésico deve ser a menor possível, já que os anestésicos locais podem atravessar a barreira placentária.1,20 Em certas situações, como na injeção arterial inadvertida de grandes volumes, o feto pode ser exposto à toxicidade cardíaca ou do sistema nervoso central.1,2,21 Sinais precoces de toxicidade sistêmica na mãe podem simular sinais de compressão aortocaval: tontura, taquicardia, diaforese e cefaleia. Posicionamento apropriado da paciente e controle acurado do volume total das doses de anestésicos locais podem ajudar a identificar rapidamente o problema.1,2,19

2.1 Epinefrina: medicamento da categoria C, é adicionada aos anestésicos locais para reduzir sangramento e retardar a absorção do anestésico, aumentando a eficácia. Em altas doses, já se demonstrou que a epinefrina provoca espasmo da artéria uterina, com potencial queda da perfusão placentária e risco de parto prematuro.2 Considerando a diluição usada na cirurgia dermatológica e as pequenas quantidades aplicadas, o benefício da vasoconstrição durante o procedimento parece suplantar o risco potencial.1

2.2 Lidocaína: medicamento da categoria B, geralmente considerada segura na gravidez. Cremes de lidocaína e prilocaína são provavelmente os anestésicos tópicos mais amplamente estudados para uso na pele íntegra.1

2.2.1 Creme de lidocaína 2,5% e prilocaína 2,5%: emulsão composta por mistura eutética em fase água-óleo à temperatura ambiente.23 Adesivos oclusivos são usados sobre o local da aplicação na pele intacta aumentando a profundidade e duração da anestesia. Medicamentos da categoria B, na gravidez só devem ser usados se realmente forem necessários. Efeitos colaterais potenciais incluem eritema ou palidez locais, edema e dermatite de contato alérgica (pela prilocaína). 24 Lesões químicas na córnea podem ocorrer com o uso próximo aos olhos.1 O creme de lidocaína-prilocaína carrega risco de metemoglobinemia (pela prilocaína), particularmente para o feto.24

2.2.2 Creme de lidocaína encapsulada em lipossomas: medicação da categoria B contendo lidocaína 4% encapsulada em veículo lipossomal. Não possui prilocaína e, portanto, não apresenta risco de metemoglobinemia.Tem início de ação rápido, ocorrendo a analgesia dérmica em 30 minutos. Adesivos oclusivos parecem otimizar a performance.24,25 Não é recomendado para uso em mucosas ou conjuntiva pelo risco de irritação da córnea e pelos níveis aumentados de absorção. 23,26 Estudos indicam que é tão efetivo quanto a associação lidocaína-prilocaína na redução da dor em procedimentos cirúrgicos.24

2.3 Benzocaína, bupivacaína, mepivacaína: Outros anestésicos tópicos como a benzocaína, que carrega risco potencial de metemoglobinemia, são menos utilizados.23,27 Bupivacaína e mepivacaína são relativamente contraindicados na gravidez, por apresentarem risco de toxicidade e bradicardia fetal.2,23

2.4 Reações alérgicas: Reações alérgicas a anestésicos locais são incomuns e geralmente ocorrem por sensibilidade aos anestésicos do grupo éster (cocaína, procaína, benzocaína, tetracaína), por produção do ácido para-aminobenzóico (Paba).1,19 Alguns sintomas de pacientes não configuram alergia verdadeira, sendo antes devidos à ansiedade ou efeito da epinefrina adicionada ao anestésico. Felizmente, testes alérgicos intradérmicos têm sido usados de maneira segura em gestantes, evitando situações de risco nos casos de alergia verdadeira.28 Algumas preparações de anestésicos do grupo amida podem conter conservantes do grupo éster.1,28 Alternativas para os casos de alergia verdadeira incluem infiltrações de difenidramina 1% (anti-histamínico) ou de solução salina, que permitem analgesia superficial e de curta duração. Podem ser utilizados para biópsias de rápida execução, sendo insuficientes para cirurgias excisionais.A difenidramina pode causar sedação, e sua injeção é dolorosa. Apesar de abaixo do ideal, é alternativa segura para uso na gravidez.1,29

3. Sedação

Pacientes muito ansiosas podem necessitar de sedação, sendo importante a avaliação do obstetra,1 além de monitorização por anestesista.

4. Antibióticos

Quando for necessário o uso de antibióticos orais ou tópicos no perioperatório, devem ser escolhidos medicamentos considerados seguros na gravidez (categorias A e B). No universo da cirurgia dermatológica, a cefalexina e os derivados da penicilina são comumente prescritos. Eritromicina e azitromicina são alternativas seguras em pacientes com alergia à penicilina. O estolato de eritromicina tem sido associado a risco aumentado de icterícia colestática em algumas gestantes,30 a clindamicina pode provocar anormalidades nos testes de função hepática em raras ocasiões, e as sulfonamidas podem causar hiperbilirrubinemia neonatal com kernicterus, particularmente se tomadas durante o terceiro trimestre, próximo ao parto.2 As fluoroquinolonas têm sido associadas com defeitos de cartilagem em animais imaturos, a tetraciclina carrega riscos para o esmalte dentário, e os aminoglicosídeos podem provocar ototoxicidade fetal.2,31 O cloranfenicol é contraindicado em relatos da síndrome do bebê cinza e morte neonatal.2 A profilaxia antibiótica deve ser discutida cuidadosamente antes do planejamento da cirurgia, pois pode requerer avaliação do obstetra.

5. Analgesia

O acetaminofeno, usado para analgesia, é medicamento de categoria B. Embora atravesse a placenta, é seguro se usado nas doses recomendadas e durante período limitado. Seu uso prolongado e em altas doses foi associado com anemia hemolítica e toxicidade renal fetal e materna.1 Ibuprofeno e salicilatos interferem na função plaquetária e aumentam o risco de sangramentos, devendo ser evitados no terceiro trimestre da gestação para prevenir hemorragia no pós-parto; podem também prolongar a gestação ou causar constrição do ducto arterioso no feto, pelo bloqueio da síntese de prostaglandinas.2 Salicilatos podem ser teratogênicos e retardar o crescimento fetal.1 O uso de opiáceos por curtos períodos pode ser apropriado em casos de dores intensas, mas deve-se discutir o custo/benefício com o obstetra se utilizado por longos períodos.1,2

PROCEDIMENTOS COSMIÁTRICOS NA GESTAÇÃO

1.Toxina botulínica

Existem vários relatos na literatura sobre o uso da toxina botulínica do tipo A durante a gravidez, para o tratamento de enfermidades (como distonia cervical, blefaroespasmo e acalasia) ou para fins estéticos32-34 – em quase todos não são apontadas anormalidades ao nascimento ou no desenvolvimento das crianças.

Um dos trabalhos apresenta caso de mulher que recebeu aplicações de toxina em quatro gestações consecutivas para o tratamento de distonia cervical sem que nenhuma alteração fosse observada em relação ao parto ou ao desenvolvimento das crianças (uma delas foi acompanhada por cinco anos sem apresentar anormalidades).34 Outro descreve caso de mulher que recebeu aplicação de 500 unidades de toxina sem saber que estava na quarta semana de gestação. Algumas semanas depois, uma ultrassonografia demonstrou gravidez gemelar sem batimentos cardíacos. Os autores consideraram difícil avaliar se houve relação com o uso da toxina em alta dosagem, pois a paciente apresentava fatores de risco que poderiam justificar o óbito fetal.35 Há também vários relatos de gestantes acometidas por botulismo que tiveram filhos saudáveis, e já foi sugerida a possibilidade de a toxina não atravessar a placenta.36

A toxina botulínica do tipo A é droga da categoria C, e não é indicada durante a amamentação, já que não se sabe se poderia ser excretada no leite materno.37 Apesar da existência de vários relatos sugerindo sua segurança durante a gestação, a melhor conduta ainda é evitar seu uso para fins estéticos nesse período.

2. Preenchimentos

Não existem estudos sobre o uso de preenchedores durante a gravidez. Não foram relatadas complicações nos casos em que gestantes receberam aplicações de colágeno ou de ácido hialurônico.Teoricamente não existiriam riscos para o ácido hialurônico, dada sua composição idêntica à do ácido hialurônico humano; a recomendação mais sensata, entretanto, sugere evitar o uso dessas substâncias para fins cosméticos durante a gravidez.36,37

3. Luzes e Laser

Apesar da grande disseminação e popularização dos procedimentos estéticos com lasers ou outras fontes de energia, ainda não existem estudos científicos que justifiquem seu uso durante a gravidez.Também não existem relatos sobre efeitos adversos que tenham sido relacionados com o estado gestacional. Recomenda-se evitar a aplicação do laser na região abdominal e intravaginal em mulheres grávidas.37,38 Porém, se considerarmos a maior susceptibilidade das gestantes à cicatrização lenta, hiperpigmentação pós-inflamatória e piora de queloides, seria mais prudente que todos os procedimentos estéticos com luzes ou laser, independente da região tratada, fossem adiados até o período pós-parto, visando a melhor cicatrização.

4. Peelings

A gravidez representa contraindicação relativa à realização de peelings químicos, tendo em vista que substâncias tópicas como o ácido retinoico, o ácido salicílico e o enxofre são classificados como medicamentos de categoria C pelo FDA. Apesar da ausência de relatos de complicações provocadas por seu uso tópico, a melhor conduta evita essas substâncias durante a gestação. Por outro lado, o uso tópico do ácido glicólico, assim como sua utilização em peelings químicos, representa alternativa segura durante a gravidez, não estando contraindicado,37,39 tal como, aliás, a microdermabrasão com cristais de alumínio (peeling físico) 40,41 – ainda assim, cabe lembrar o que já foi dito sobre a cicatrização mais lenta da gestante e sobre o risco aumentado de hiperpigmentação. Considera-se prudente optar por procedimentos muito superficiais para minimizar os riscos durante a gestação.

5. Outros procedimentos

A eletrocoagulação, a crioterapia, o uso de ácido tricloroacético e a desobstrução mecânica da acne para remoção de comedões (sem aplicação prévia de substâncias ceratolíticas ou de aparelhos com corrente elétrica) são procedimentos considerados seguros durante a gestação37 De qualquer forma, em se tratando de objetivos estéticos, o custo/benefício é aspecto a ser necessariamente avaliado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cirurgião dermatológico deve sempre buscar a conduta mais benéfica para a gestante que necessite de intervenção cirúrgica. A prudência, aliada ao conhecimento das peculiaridades do período gestacional e ao uso racional das técnicas e terapêuticas disponíveis, é primordial para garantir final feliz para mãe e filho.A realização de procedimentos com finalidade estética durante a gravidez motiva sérios questionamentos éticos e médico-legais, uma vez que grande parte dos medicamentos e aparelhos utilizados não é (e dificilmente será) testada para avaliar efeitos sobre o feto. Por isso, considera-se prudente sempre evitar esses procedimentos durante o período gestacional. É interessante recordar que a gestação dura apenas nove meses, enquanto uma complicação pode gerar aborrecimento por tempo indeterminado.

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