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Relato de casos

Imunoterapia tópica no tratamento da alopecia areata: a importância da fase de manutenção - relato de dois casos

Thaís Martins Tonso1; Caroline Romanelli2; Ana Laura Rosifini Alves Rezende3; Cínthia Mendes4; Ana Helena Kalies Oliveira4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2016831722

Data de recebimento: 26/10/2015
Data de aprovação: 22/09/2016
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

A alopecia areata é afecção autoimune relativamente comum. Tem curso imprevisível e etiologia ainda não elucidada por completo. Seu tratamento deve ser individualizado, e visa suprimir a fase de atividade da doença. Para tal, estão disponíveis numerosas alternativas, porém, até então, nenhuma delas se mostrou curativa ou preventiva. Relatam-se aqui os casos de duas pacientes, com 18 e 43 anos, com diagnóstico de alopecia areata, submetidas à imunoterapia tópica com difenciprone, tendo obtido resultados díspares. São descritos os procedimentos de aplicação, os resultados obtidos e o seguimento clínico.


Keywords: TERAPÊUTICA; IMUNOTERAPIA; ALOPECIA EM ÁREAS; DOENÇAS AUTOIMUNES


INTRODUÇÃO

Alopecia areata (AA) é afecção sistêmica, autoimune, caracterizada por perda de pelos, sem processo cicatricial ou inflamatório associado.¹ Seu curso é imprevisível, e a resposta aos tratamentos, extremamente variável.

A prevalência mundial da AA varia de 0,1% a 0,2%; 85,5% dos casos ocorrem em pacientes até 40 anos. A incidência equivale entre os sexos; casos extensos, entretanto, predominam nos homens.1,2 Sua etiologia permanece incerta; sabe-se que há influência de fatores genéticos, autoimunes e ambientais.

A influência de fatores genéticos torna-se evidente quando se observa a incidência em parentes de primeiro grau, a concordância entre gêmeos monozigóticos e as análises de ligações genéticas. Madani et al. demonstraram que a AA é doença poligênica de penetrância incompleta.³ Foi também demonstrada a associação de antígenos leucocitários humanos (HLA) à susceptibilidade para AA (HLA-DRB1*0401 e DQB1*0301).4

O caráter autoimune da afecção é fortalecido pela concomitância de AA com outras desordens autoimunes e pela resposta terapêutica a imunossupressores. Estudos demonstraram que fatores ambientais podem deflagrar a agressão autoimune; entre eles, estresse emocional ou físico, infecções e atuação de hormônios.4 Destacam-se o hormônio liberador de corticotrofina e o hormônio estimulante de alfamelanócitos; ambos têm expressão aumentada em indivíduos com AA.1

Em resumo, indivíduos geneticamente predispostos, expostos a fatores ambientais, desenvolvem distúrbio autoimune com inflamação mediada por linfócitos T contra o bulbo capilar, gerando a desregulação no ciclo folicular.

O diagnóstico dessa entidade é clínico; a tricoscopia e o exame anatomopatológico podem auxiliar. Na tricoscopia é possível encontrar pontos pretos, pontos amarelos e pelos em exclamação. No exame anatomopatológico, na fase aguda, encontra-se infiltrado linfocítico (T CD4+ e T CD8+) peribulbar em pelos anágenos, com aspecto de "enxame de abelhas". Durante atividade, a relação CD4/CD8 encontra-se aumentada e é responsável por manter os folículos em estado distrófico na fase anágena, levando-os precocemente à fase telógena.¹ Na fase subaguda, grande número de pelos em fases catágena e telógena será encontrado, e, na fase crônica, a miniaturização dos folículos.

O tratamento da AA visa suprimir a fase de atividade. As opções são numerosas, embora nenhuma terapia se tenha mostrado curativa ou preventiva.3

 

RELATO DE CASOS

Duas pacientes com AA, com acometimento de área superior a 50% do couro cabeludo, foram atendidas no Ambulatório de Tricologia do Serviço de Dermatologia do Hospital Celso Piero, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, entre dezembro de 2012 e junho de 2015.

Paciente 1: 43 anos, branca, com diagnóstico prévio de transtorno de ansiedade. Referia perda capilar progressiva há dois anos, negando tratamento prévio.

Paciente 2: 18 anos, parda, estudante; na primeira consulta, referia perda capilar progressiva há um ano, e uso prévio de minoxidil tópico, sem melhora.

Ambas, após diagnóstico clínico, documentação fotográfica das lesões e orientações a respeito do caráter da afecção e seus possíveis tratamentos, foram submetidas à imunoterapia tópica com difenciprone (DPCP).

Utilizamos DPCP em veículo acetona, armazenado em frasco âmbar. As concentrações disponíveis são: 0,001%, 0,025%, 0,05%, 0,1%, e 2%; a droga é proveniente de farmácia de manipulação já nas referidas diluições (Figura 1).

As aplicações foram realizadas no couro cabeludo, com cotonete embebido na solução (Figura 2). Em todas as sessões as pacientes foram orientadas a evitar exposição solar e manter a substância no local, sem contato com água por 48 horas. Após esse período recomendou-se a remoção com água corrente.

A primeira aplicação (sensibilização) foi realizada com DPCP 2%, em área com diâmetro de 2cm.5 Após duas semanas, constatada resposta adequada (eritema discreto e prurido leve na área tratada, 36 horas após aplicação), iniciaram-se aplicações semanais, ipsilaterais ao lado sensibilizado, com DCPC 0,001%. Procedeu-se ao aumento gradual da concentração da substância a cada aplicação (0,001%, 0,025%, 0,05%, 0,1%,), até que a paciente apresentasse resposta mais intensa do que a definida como adequada; nesse ponto, a concentração foi fixada para cada uma das pacientes, prosseguindo-se o tratamento com aplicações semanais.

Após surgimento de repilação no lado inicialmente tratado, foi iniciado o tratamento bilateral.

 

RESULTADOS

As pacientes apresentaram início de repilação após dois meses de tratamento, com aspecto cosmeticamente aceitável após nove meses. Ambas toleraram concentração máxima de 0,05% e não apresentaram efeitos colaterais.

Excelente resposta foi alcançada nos dois casos, porém a paciente 1, após 11 meses de tratamento, com repilação quase completa, abandonou o seguimento durante dois meses. Nesse período, interrompeu as aplicações de DPCP abruptamente.

Ao retornar, apresentava novamente perda capilar difusa. As aplicações de DPCP foram reiniciadas, porém, diante do insucesso, outras drogas foram associadas: Acetato de metilprednisolona 5mg/ml intralesional, prednisona 1mg/kg/dia durante 60 dias e metotrexato 15 mg/semana durante 120 dias. A despeito dessas medidas, manteve a perda capilar progressiva (Figura 3).

A paciente 2 manteve seguimento regular, sem intercorrências. Apresentou repilação completa, encontrando-se em processo lento e gradual de retirada da droga (Figura 4).

 

DISCUSSÃO

A AA é afecção relativamente comum. Não acarreta ameaça à vida, mas causa estresse psicológico e impacto na qualidade de vida.1

Seu tratamento é determinado pela idade do indivíduo e pelo grau de acometimento da doença.6 Maiores de dez anos, com acometimento superior ou igual a 50% do couro cabeludo, têm como primeira opção a imunoterapia tópica,7 cujo mecanismo de ação não é elucidado. Sabe-se que a aplicação de um sensibilizante primário causa dermatite, com consequente desvio dos linfócitos perifoliculares envolvidos na patogênese da AA para a epiderme. Isso resulta na alteração da relação perifolicular entre linfócitos CD4+/CD8+, causando apoptose de linfócitos T autorreativos e modulação de citocinas pró-inflamatórias.8

Há três sensibilizantes primários descritos: dinitroclorobenzeno (DNCB), dibutilester do ácido esquárico (Sadbe) e difenciprone (DPCP), a escolha atual. DNCB é proscrito por potencial mutagênico, e o Sadbe, por ser instável em acetona, é reservado para pacientes não responsivos à sensibilização por DPCP.³

O uso de DPCP para o tratamento da AA foi descrito em 1983 por Happle et al.9 posteriormente diversos estudos comprovaram sua eficácia. Os efeitos colaterais mais comumente descritos são prurido, eczema local moderado, linfadenopatia regional e urticária de contato. Raramente são observados eritema multiforme, discromias e vitiligo.5,8,10

A resposta à terapia pode ocorrer até dois anos após o início de tratamento; 59% dos pacientes apresentam resposta nos primeiros seis meses, 26% entre seis meses e um ano, 10% entre um e dois anos, e 5% após dois anos.10 Recomenda-se, portanto, que o tratamento não seja descontinuado antes de dois anos.

Dados quanto à eficácia da imunoterapia com DPCP são variáveis. O maior ensaio clínico já realizado mostrou taxa total de sucesso de 60%; todavia, entre aqueles com AA total/AA universal, essa taxa foi de 17,4%. Ainda nesse ensaio, constatou-se que 38% dos pacientes com boa resposta, a mantiveram após 31 meses de seguimento, tendo sido esse fato atribuído à redução lenta da concentração, seguida da suspensão da droga.7

Fatores associados à pior resposta à imunoterapia tópica foram idade precoce de início da doença, tempo prolongado de perda capilar, tempo de doença instalada, antecedentes pessoais de atopia e de AA, acometimento ungueal, e outra desordem autoimune associada. O principal fator associado à recidiva foi a suspensão abrupta da terapia.

 

CONCLUSÃO

Diante do exposto, concluímos que a imunoterapia tópica é opção segura e efetiva no tratamento da AA. Seu uso deve ser feito de forma prolongada, e, após melhora clínica completa, a redução da droga deve ser realizada de maneira lenta e parcimoniosa, evitando-se assim as recidivas.

 

Referências

1. Islam N, Leung PSC, Huntley AC, Gershwin ME. The autoimmune basis of alopecia areata: a comprehensive review. Autoimmun Rev. 2015; 14(2):81-9.

2. Lundin M, Chawa S, Sachdev A, Bhanusali D, Seiffert-Sinha K, Sinha A. Gender Differences in Alopecia Areata. J Drugs Dermatol. 2014;13(4):409-13.

3. Madani S, Shapiro J, et al. Alopecia areata update. J Am Acad Dermatol 2000;42(4):549-66.

4. Alzolibani AA. Epidemiologic and genetic characteristics of alopecia areata (part 1). Acta Dermatoven APA 2011; 20(4): 191-8.

5. Donovan J, Salsberg JM. The safety and efficacy of diphencyprone for the treatment of alopecia areata in children. Arch Dermatol. 2012;148(9):1084-5.

6. Messenger AG, McKillop J, Farrant P, McDonagh AJ, Sladden M. British association of dermatologists' guidelines for the management of alopecia areata. Br J Dermatol. 2012; 166 (5):916-26.

7. El-Zawahry BM, Azzam OA, Zaki NS, Abdel-Raheem HM, Bassiouny DA, Khorshied MM. PTPN22 gene polymorphism in Egyptian alopecia areata patients and its impact on response to diphencyprone immunotherapy. Gene. 2013; 523(2):147-51.

8. Durdu M, Özcan D, Baba M, Seçkin D. Efficacy and safety of diphenylcyclopropenone alone or in combination with anthralin in the treatment of chronic extensive alopecia areata: A retrospective case series. J Am Acad Dermatol 2015; 72(4): 640-50.

9. Happle R, Hausen BM, Wiesner-Menzel L. Diphencyprone in the treatment of alopecia areata. Acta Derm Venereol 1983;63(1):49-52.

10. Chiang KS, Mesinkovska NA, Piliang MP, Bergfeld WF. Clinical Efficacy of Diphenylcyclopropenone in Alopecia Areata: Retrospective Data Analysis of 50 Patients. J Investig Dermatol Symp Proc. 2015;17(2):50-5.

 

Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Campus II Hospital e Maternidade Celso Pierro – Campinas (SP), Brasil.


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