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Relato de casos

Dermatofibrossarcoma atrófico: a importância da suspeita clínica

Ticiana de Andrade Castelo Branco Diniz1; Maria Isabel Ramos Saraiva2; Marcella Amaral Horta Barbosa3; Larissa Karine Leite Portocarrero4; Priscila Kakizaki5; Neusa Yuriko Sakai Valente6

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201684807

Data de recebimento: 10/04/2016
Data de aprovação: 30/09/2016
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

Dermatofibrossarcoma protuberante é tumor fibro-histiocítico de malignidade intermediária, relativamente incomum e recidivante. Sua variante mais rara é conhecida como atrófica, tipo morfeia ou dermatofibrossarcoma não protuberante, sendo de difícil diagnóstico clínico. Não há critérios dermatoscópicos bem estabelecidos, portanto o diagnóstico é histopatológico. Existem avanços nas áreas da imuno-histoquímica e da genética que auxiliam no diagnóstico e excisão cirúrgica completa. Relatamos um caso de dermatofibrossarcoma atrófico em paciente de 27 anos, revisado na literatura quanto aos aspectos clínicos, dermatoscópicos, histopatológicos e genéticos.


Keywords: DERMOSCOPIA; NEOPLASIAS; DERMATOFIBROSSARCOMA


INTRODUÇÃO

Dermatofibrossarcoma protuberante (DFSP) é tumor fibro-histiocítico de malignidade intermediária e relativamente incomum. Costuma ser localmente agressivo, com alto risco de recidiva e baixo de metástase.1 A apresentação clínica inicial é de uma placa endurecida, violácea ou marrom-avermelhada, semelhante a um queloide.2 Por ser assintomática e de crescimento lento, pode haver atraso no diagnóstico. Quando a lesão já está estabelecida, o diagnóstico é facilitado por sua aparência característica. Raramente a lesão inicial é atrófica ou deprimida, quando então é denominado dermatofibrossarcoma atrófico (DFSA), sendo de difícil diagnóstico.3,4

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 27 anos, há 10 anos com lesão em região infraclavicular esquerda. Ao exame apresentava lesão hipercrômica atrófica, de 4x3cm (Figura 1). Foi realizada biópsia incisional que revelou derme superficial/profunda e hipoderme ocupadas por infiltração neoplásica composta por proliferação de células fusiformes com discreto grau de polimorfismo nuclear e hipercromasia formando feixes multidirecionais por vezes paralelo à epiderme. Essa exibiu atrofia da camada espinhosa (Figuras 2,3,4). Os resultados da imuno-histoquímica apresentaram CD34 positivo e fator XIIIa negativo (Figura 5). O diagnóstico histopatológico foi de dermatofibrossarcoma, entretanto o diagnóstico final, após correlação clínica, foi de DFSA. Realizou-se exérese cirúrgica da lesão com margem de 5cm.

 

DISCUSSÃO

Os sarcomas são tumores malignos de partes moles e integram o pequeno percentual das neoplasias cutâneas. DFSP é o sarcoma cutâneo mais frequente, contabilizando 1% dos sarcomas de tecido conjuntivo e menos de 0,1% de todas as neoplasias malignas.5 É tumor de crescimento lento, geralmente assintomático, o que pode levar a diagnóstico tardio.2 A evolução clínica mais comum é uma placa endurecida, violácea ou marrom-avermelhada, que evolui para nódulo,5 podendo, porém, se apresentar como lesão atrófica. Inicialmente descrita em 1985, a variante mais rara dessa condição é conhecida por DFSA, variante tipo morfeia de DFSP ou dermatofibrossarcoma não protuberante.3,4 Foi sugerido retirar o termo protuberante uma vez que nem todas as lesões têm o aspecto nodular,4 para ser chamado de dermatofibrossarcoma atrófico, porém ainda não existe consenso. O DFSA tem diagnóstico clínico difícil, pois pode ser confundido com morfeia, atrofodermia idiopática, cicatriz atrófica, anetodermia ou lipoatrofia.6

Na dermatoscopia ainda não existem critérios bem estabelecidos. Na literatura foram descritos padrões distintos. Pode apresentar ramificação de vasos em um fundo amarelado sem rede pigmentar, o que pode ser resultado de atrofia cutânea,7 ou, ainda, linhas marrons regulares reticulares, que correspondem ao acúmulo de melanina em ceratinócitos basais em um fundo eritematoso arroxeado, resultado de vasos dilatados no plexo dérmico.2 Ainda não foram encontrados achados específicos ou que diferenciem o DFSA de outros diagnósticos.2

No exame anatomopatológico, de modo menos intenso do que na forma protuberante, é caracterizado por células dispostas em padrão estoriforme sobre fundo de estroma fibroso. O infiltrado tende a estender-se à gordura subcutânea. Geralmente, há pouco pleomorfismo nuclear. A epiderme costuma ser poupada, e a espessura da derme é reduzida em cerca de 50% (Figuras 2 a 4).1

O uso da imuno-histoquímica pode ajudar a identificar o tumor, assim como delimitar para excisão completa por meio da cirurgia micrográfica de Mohs (CMM). DFSA é rotineiramente CD34-positivo e fator XIIIa-negativo. Uma vez que a neoplasia pode invadir profundamente ao longo de feixes de colágeno ou septos de tecido conjuntivo, a extensão da invasão pode não ser clinicamente aparente. Isso explica taxas de recorrência de 11% a 53% quando as margens cirúrgicas de um a 3cm são usadas e de 11% para margem de 3cm no caso de DFSP.8,9 Não há casuística para a forma atrófica. A CMM usando coloração imuno-histoquímica com CD34 em secções congeladas pode permitir a detecção dos tumores mais assimétricos.8,9

Avanços na última década têm mostrado que a mutação responsável para DFSA é uma translocação recíproca t(17;22) (q22;q13.1) ou, mais frequente, a criação de um cromossomo anel supranumerário derivado de t(17;22). Essas mutações causam fusão do colágeno tipo 1-alfa-1(COL1A1) no cromossomo 17 ao fator de crescimento derivado de plaquetas cadeia de gene (PDGFB) no cromossomo 22, formando uma proteína quimérica, COL1A1–PDGFB.4

Após translocação, COL1A1 e seus promotores substituem os elementos reguladores inibidores de PDGFB, permitindo que sejam produzidos níveis elevados de RNA mensageiro do COL1A1–PDGFB. A clivagem de PDGFB pela proteína COL1A1–PDGFB pode levar à transformação maligna.4 No processo de translocação gênica, comprimentos variáveis de COL1A1 são justapostos à mesma sequência do gene PDGFB. Após clivagem de COL1A1–PDGFB, os fragmentos de COL1A1 tornam-se associados como trímeros ao colágeno tipo 1-alfa-2 (COL1A2) que é secretada no meio extracelular.4 Propõe-se que a variedade de trímeros de COL1A1 e COL1A2 possa ser responsável pelos diferentes estromas presentes em típico DFSP e sua variante atrófica, já que cada tumor pode ter um comprimento específico do fragmento COL1A1. A inibição do receptor PDGFB pode explicar o fenótipo atrófico.4

O tratamento é o mesmo utilizado para a forma não atrófica. A CMM é o de primeira escolha. O de segunda escolha é a excisão cirúrgica com margem de três a 5cm, com chance de recidiva devida à possibilidade de invasão além da fáscia e musculatura.10 Apesar de as recorrências se manifestarem frequentemente nos três primeiros anos após a cirurgia, podem acontecer vários anos depois, justificando a vigilância no longo prazo.1

 

Referências

1. Lee SJ, Mahoney MC, Shaughnessy E. Dermatofibrosarcoma protuberans of the breast: imaging features and review of the literature. AJR Am J Roentgenol. 2009;193(1):W64¬-69.

2. Akay BN, Unlu E, Erdem C, Heper AO. Dermatoscopic findings of atrophic dermatofibrosarcoma protuberans. Dermatol Pract Concept. 2015;5(1):71-¬3.

3. Lambert WC, Abramovits W, Gonzalez¬-Sevra A, Souchon E, Schwartz RA, Little WP Jr. Dermatofibrosarcoma non¬protuberans: description and report of five cases of a morpheaform variant of dermatofibrosarcoma. J Surg Oncol. 1985;28(1):7-¬11.

4. Young CR 3rd, Albertini MJ. Atrophic dermatofibrosarcoma protuberans: case report, review, and proposed molecular mechanisms. J Am Acad Dermatol. 2003;49(4): 761-¬764.

5. Fleury LFF Jr, Sanches JA Jr. Sarcomas cutâneos primários. An Bras Dermatol. 2006;81(3):207¬-21.

6. Bakry O, Attia A. Atrophic dermatofibrosarcoma protuberans. J Dermatol Case Rep. 2012;6(1):14-¬7.

7. Gungor S, Buyukbabani N, Buyuk M et al. Atrophic dermatofibrosarcoma protuberans: are there specific dermatoscopic features? J Dtsch Dermatol Ges. 2014;12(5):425-¬7.

8. Gloster HM Jr. Dermatofibrosarcoma protuberans. J Am Acad Dermatol. 1996;35 (3 Pt 1):355¬-74.

9. Ratner D, Thomas CO, Johnson TM, Sondak VK, Hamilton TA, Nelson BR, et al. Mohs micrographic surgery for the treatment of dermatofibrosarcoma protuberans. Results of a multiinstitutional series with an analysis of the extent of microscopic spread. J Am Acad Dermatol. 1997;37(4):600-¬13.

10. Haycox CL, Odland PB, Olbricht SM, Casey B. Dermatofibrosarcoma protuberans (DFSP): growth characteristics based on tumor modeling and a review of cases treated with Mohs micrographic surgery. Ann Plast Surg. 1997;38(3):246-¬51.

 

Trabalho realizado no Hospital do Servidor do Estado de São Paulo – São Paulo (SP), Brasil.


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