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Relato de casos

Tratamento cirúrgico seriado de múltiplos granulomas por PMMA

Guillermo Loda1; Francine Papaiordanou2; Joaquim José Teixeira de Mesquita Filho3; Bruna Souza Félix Bravo4; Luciana de Abreu5; Tullia Cuzzi6

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201684793

Data de recebimento: 17/03/2016
Data de aprovação: 20/07/2016
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Substâncias para preenchimento têm sido muito utilizadas nos últimos anos em procedimentos estéticos e para correção de lipodistrofias em pacientes HIV-positivos. O granuloma de corpo estranho pode ser secundário à aplicação de produtos absorvíveis/temporários e mais frequentemente aos preenchedores inabsorvíveis/permanentes. Não é possível prever a formação desses granulomas que podem ocorrer independentemente da técnica utilizada. Neste artigo descreve-se o tratamento cirúrgico de uma paciente com múltiplos granulomas causados por preenchimento intradérmico prévio de PMMA na face, com resposta pobre a tratamentos conservadores, e com grave comprometimento psicossocial devido a essa complicação inestética e deformante.


Keywords: POLIMETIL METACRILATO; GRANULOMA; PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS AMBULATORIAIS


INTRODUÇÃO

Substâncias para preenchimento têm sido muito utilizadas nos últimos anos em procedimentos estéticos e para correção de lipodistrofias em pacientes HIV-positivos. Produtos compostos por ácido hialurônico em diferentes densidades, colágeno bovino, gordura autóloga, silicone líquido, ácido poli-l-lático e o polimetilacrilato (PMMA), entre outros, são amplamente utilizados com esse objetivo.1 De acordo com a biodisponibilidade do produto, bem como sua composição química e capacidade de degradação, essas substâncias podem ser classificadas como preenchedores temporários ou permanentes, orgânicos ou inorgânicos e autólogos ou heterólogos.2,3

Para que uma substância seja considerada segura, deve-se levar em conta alguns aspectos importantes: deve ser biocompatível, resistente à fagocitose, estável, não migratória, induzir a menor resposta inflamatória possível, não ser carcinogênica nem teratogênica2.

O polimetilmetacrilato (PMMA) é polímero composto por microesferas sintéticas de 30 a 40µm, com superfície regular, veiculadas em meio de suspensão em uma solução de 1:3 de colágeno bovino a 3,5%, e lidocaína ou suspenso em solução coloide de carboximetilcelulose.4 Deve ser aplicado estritamente nas camadas mais profundas da derme.1,5 Inicialmente promove volumização, mas possui capacidade de estimular neocolagênese, com efeitos de longo prazo.

A aplicação do PMMA pode estar relacionada a alguns efeitos adversos como nódulos, inflamação, reações alérgicas, discromias, necrose, infecção e formação de granuloma de corpo estranho.6-8.Essas complicações, embora descritas na literatura como raras, são muitas vezes permanentes e muito difíceis de tratar.

O granuloma de corpo estranho pode ser secundário a produtos absorvíveis/temporários e mais frequentemente aos preenchedores inabsorvíveis/permanentes. Não é possível prever a formação desses granulomas, que podem ocorrer independentemente da técnica utilizada. Os granulomas muitas vezes se formam muitos anos após a primeira aplicação.9

Neste artigo descreve-se o tratamento cirúrgico de uma paciente com múltiplos granulomas causados por preenchimento intradérmico prévio de PMMA na face, com resposta pobre a tratamentos conservadores e com grave comprometimento psicossocial devido a essa complicação inestética e deformante.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, de 63 anos, refere ter sido submetida a preenchimento facial há 18 anos, tendo observado o surgimento de lesões nodulares cilindriformes palpáveis endurecidas e pouco dolorosas à palpação, localizadas nos locais de aplicação prévia do produto. Os nódulos não eram aderidos a planos subcutâneos profundos.

Foram realizadas ultrassonografias da face que evidenciaram imagens alongadas hipoecoicas heterogêneas, de limites definidos, superficiais, localizadas entre pele e tecido celular subcutâneo, dispersas bilateralmente nas regiões malares, periorbitais, temporais e supralabial, além do sulco nasogeniano. As dimensões variavam de 3,2x0,8x0,5cm em região malar esquerda a 3,6x2,4x0,5cm em região malar direita. Ao exame com doppler, as imagens eram avasculares. Foi realizada nova ultrassonografia um ano após a primeira, demonstrando imagens nodulares mal definidas, medindo: em região nasal esquerda, 12mm; no sulco nasogeniano esquerdo, 6,6mm; no lábio superior direito, 8,1mm; no sulco nasogeniano direito, 11,2mm, na região temporal direita, 14mm; e na região temporal esquerda, 11mm (exames realizados em laboratórios diferentes, no primeiro lesões avaliadas em "cm" e no segundo, em "mm").

A ressonância magnética da face (realizada com contraste) demonstrou múltiplas formações heterogêneas nodulares, de contornos lobulados, com sinal isointenso em t1 e predominantemente intenso em t2 e stir, apresentando tênue captação pelo contraste, de aspecto confluente no subcutâneo de regiões malares e mandibulares, sulco nasogeniano, periorbicular bilateralmente podendo corresponder a corpos estranhos.

O exame histopatológico de uma das lesões demonstrou tratar-se de granuloma de corpo estranho (Figura 1).

A paciente foi submetida a múltiplas cirurgias faciais visando à correção dos defeitos inestéticos secundários ao preenchimento com PMMA.

Nas regiões zigomáticas, por tratar-se de superfícies convexas e com múltiplas rítides estáticas, optou-se por realizar técnica de plastia em "W", com o intuito de obter cicatriz de padrão mais irregular e menos aparente, acompanhando as linhas de força e de tração da pele. A plastia em "W" consiste em retalhos de avanço triangulares interpostos uniformemente, orientados de forma paralela em relação às linhas de relaxamento de tensão da pele (LRTP) e inclinados na direção delas. Utilizou-se lâmina de bisturi n. 11, mantendo-se no mínimo 60 graus nos ângulos dos triângulos. O fechamento foi realizado com pontos simples e fio de náilon 6.0.

Os sulcos nasogenianos e melomentonianos, apresentavam lesões com características clínicas e histopatológicas iguais às lesões dos sulcos da região zigomática.

Optou-se pela realização de incisões longas posicionadas dentro dos sulcos para que ficassem escondidas nas LRTP.

Na região do ângulo da boca, utilizou-se incisão em "taco de hóquei", que permitiu a divulsão mais cautelosa dos nódulos localizados nessa área.

Foram realizadas cirurgias com características iguais em quatro tempos cirúrgicos, com intervalos de aproximadamente um mês, cursando com boa cicatrização, sem complicações infecciosas e com resultado estético satisfatório conforme relato da paciente (Figuras 2 e 3).

 

DISCUSSÃO

Toda aplicação de polímero sintético na pele gera algum grau de resposta inflamatória, seja pelo trauma da aplicação ou pela interação do tecido do receptor com o implante.

A biocompatibilidade de um preenchedor particulado varia conforme tamanho, forma e superfície das partículas. Quando elas são irregulares ocasionam maior resposta inflamatória, e tamanho variado induz maior grau de reação de corpo estranho. De acordo com a literatura recente, a formação de granulomas ocorre entre 0,01% e 2,5% das aplicações.2

Três dias após a injeção de PMMA, monócitos invadem o implante e no sexto dia se diferenciam em fibroblastos. Em duas ou três semanas, tecido conectivo se infiltra no material, formando aglomerados de produto, e nessa etapa a neovascularização é mais evidente. A densidade de fibras de colágeno autólogo aumenta até quatro meses após a aplicação, quando cessam vascularização e fibrose ativa.2

A presença de células gigantes de corpo estranho é evidente após a primeira semana da aplicação, e atingem seu número máximo por volta de três semanas, mantendo esse número constante durante dois meses. O desenvolvimento tardio maciço de células gigantes indica a formação de granuloma de corpo estranho, composto por células gigantes multinucleadas e macrófagos dispostos em paliçada com halo linfocitário.1

Ainda se desconhece o motivo pelo qual o hospedeiro reage com resposta inflamatória granulomatosa nesses casos. Alguns autores acreditam que uma inflamação crônica branda possa ocorrer devido à locação indevida do preenchedor ou até ao deslocamento do material para camadas mais superficiais da pele.

Existem algumas opções terapêuticas para o manejo dessa complicação: infiltrações intralesionais com corticosteroides, corticoterapia e antibióticos orais, e alopurinol. Em casos mais graves ou resistentes a outras terapias, a excisão cirúrgica é imperativa.1,2,5

No caso relatado, vários tratamentos como corticosteroide oral e intralesional foram tentados, porém, sem resposta satisfatória. Além disso, a paciente referia constantes dores e descontentamento com aspecto estético das lesões, e, por esse motivo foi proposta a cirurgia para retirada dos granulomas mais evidentes, no maior número possível.

O resultado estético da retirada dos granulomas foi muito satisfatório, visto que não cursou com cicatrizes inestéticas, melhorou o aspecto nodular das regiões citadas de forma significativa, com alto grau de satisfação da paciente. A mesma continua em acompanhamento ambulatorial, tendo sido iniciada terapia com alopurinol, visando diminuir pequenos granulomas residuais.4

 

CONCLUSÃO

Não existe preenchedor considerado ideal, visto que todos os materiais podem ocasionar efeitos adversos precoces ou tardios. Embora o PMMA seja relativamente seguro, a imunologia do hospedeiro é a principal responsável pelas diferentes reações que possam surgir.

É fundamental que o paciente seja previamente informado sobre as possíveis complicações antes de realizar qualquer procedimento.

Atualmente, a tendência é optar por preenchedores absorvíveis, que apresentam menor incidência de reações adversas e que não determinam resultados permanentes com sua aplicação.

 

Referências

1. Reisberger EM, Landthaler M, Wiest L, Schröder J, Stolz W. Foreign Body Granulomas Caused by Polymethylmethacrylate Microspheres: Successful Treatment With Allopurinol. Arch Dermatol. 2003;139(1):17-20.

2. Campos DLP, Proto RS, Santos DC, Ruiz RO, Brancaccio N, Gonella HA. Avaliação histopatológica do polimetilmetacrilato em ratos ao longo de um ano. Rev Bras Cir Plast. 2011;26(2):189-193.

3. Thaler MP. Foreign body granulomas caused by polymethylmethacrylate microspheres: an added perspective. Arch Dermatol. 2003;139(11):1505-6.

4. de Barros Silveira LK, de Oliveira FL, Alves T de B, Rambaldi ML, de Andrade FC, Kelmer S de C, Barbosa FC. The therapeutic benefit of allopurinol in the treatment of foreign body granulomas caused by polymethylmethacrylate microspheres. Case Rep Dermatol Med. 2012; 2012: 1-3.

5. Ledon JA, Savas JA, Yang S, Franca K, Camacho I, Nouri K. Inflammatory Nodules Following Soft Tissue Filler Use: A Review of Causative Agents, Pathology and Treatment Options. Am J Clin Dermatol. 2013;14(5):401-411.

6. Park TH, Seo SW, Kim JK, Chang CH. Clinical experience with polymethylmethacrylate microsphere filler complications. Aesthetic Plast Surg. 2012;36(2):421-6.

7. da Costa Miguel MC, Nonaka CF, dos Santos JN, Germano AR, de Souza LB. Oral foreign body granuloma: unusual presentation of a rare adverse reaction to permanent injectable cosmetic filler. Int J Oral Maxillofac Surg. 2009;38(4):385-7.

8. Salles AG, Lotierzo PH, Gemperli R, Besteiro JM, Ishida LC, Gimenez RP, et al. Complications after polymethylmethacrylate injections: report of 32 cases. Plast Reconstr Surg. 2008;121(5):1811-20.

9. Rongioletti F. Granulomatous reactions from aesthetic dermal micro-implants. Ann Dermatol Venereol. 2008;135(1 Pt 2):1S59-65.

 

Trabalho realizado no Instituto de Dermatologia Prof. Rubem David Azulay – Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


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