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Artigo Original

Peeling de gel de ácido tioglicólico 10%: opção segura e eficiente na pigmentação infraorbicular constitucional

Adilson Costa1, Arthur Volpe D'Angieri Basile1, Vanessa Lucília Silveira Medeiros1, Thaís Abdalla Moisés1, Fernanda Sayuri Ota1, Jimmy Adans Costa Palandi1

Recebido em: 10/01/2010
Aprovado em: 20/02/2010
Trabalho realizado Serviço de Dermatologia
do Hospital e Maternidade Celso Pierro da
Pontifícia Univerisdade Católica de Campinas
(HMCP/PUC-CAMPINAS).
Conflito de interesse: Nenhum
Suporte financeiro: Nenhum

Abstract

Introdução: A hipercromia infraorbicular constitucional é dermatose comum, de difícil tratamento. Objetivo: Avaliar a melhoria clínica da pigmentação infraorbicular constitucional com cinco peelings seriados de ácido tioglicólico a 10% em gel. Métodos: 10 voluntárias do sexo feminino, entre 24 e 50 anos de idade, realizaram cinco sessões quinzenais de peeling de ácido tioglicólico 10% gel. Na primeira sessão, o produto foi deixado por dois minutos, acrescentando-se três minutos a cada uma das sessões subsequentes, tendo na última sido deixado por 15 minutos; 15 dias após a última sessão, foi aplicada escala de satisfação clínica, de 0 (ausência de melhora) a 10 (melhora total), tanto às pacientes quanto ao médico aplicador e a um médico avaliador-cego. Resultados: A média da satisfação clínica apontada pelas pacientes foi 7,8; a do médico aplicador, 7,6; e a do médico avaliador-cego, 6,8, sem diferenças estatísticas entre eles (p=0,065). Conclusão: Os peelings seriados de ácido tioglicólico 10% em gel são alternativa segura, eficiente e barata para a abordagem da pigmentação infraorbicular constitucional.

Keywords: ABRASÃO QUÍMICA, OLHO, HIPERPIGMENTAÇÃO, DOENÇAS PALPEBRAIS


INTRODUÇÃO

A hiperpigmentação periorbicular constitucional, vulgarmente conhecida como “olheira”, pode ocasionar importante impacto na qualidade de vida dos pacientes.1 Sua prevalência é semelhante entre os sexos, porém é notável a maior queixa médica por parte das mulheres, particularmente morenas. Embora existam poucos estudos a respeito da etiologia dessa desordem, sabe-se que tem caráter autossômico dominante.1,2

As causas da afecção não estão muito bem elucidadas. Existem vários fatores contribuintes,como o aumento da melanina na epiderme das pálpebras, pigmentação pós-inflamatória nos portadores de dermatite atópica,sombreamento decorrente de flacidez e excesso de pele e, ainda, atrofia da pele, que torna visível o plexo vascular visivel. A insônia e o cansaço persistentes também atuam nesse processo através da estase dos vasos sanguíneos, levando à mudança de cor na região. Ocasionalmente, algumas drogas podem desencadear esse quadro, como os antipsicóticos, quimioterápicos e alguns colírios.1-5

Diferentes tratamentos têm sido propostos, ainda que poucos tenham promovido melhora satisfátória e duradoura; estão entre essas opções: criocirurgia; luz intensa pulsada; lasers de CO2, argônio, ruby e excimer; retinóides; dermoabrasão; e peelings químicos. A resposta terapêutica depende de várias sessões de qualquer procedimento escolhido, por isso o paciente deve estar ciente de que a melhora é lenta, mantendo, assim, a continuidade do tratamento.A fotoproteção é indispensável.3,4,6

Em meio a novas técnicas, o peeling químico é considerado procedimento simples, que não requer instrumentos complexos, e cuja realização não implica ônus exagerados.A ação de faz pela destruição de parte ou de toda a epiderme, incluindo ou não a derme, promovendo esfoliação e remoção das lesões superficiais, ao que se segue regeneração da epiderme e do tecido dérmico.6

As complicações mais comuns dos peelings químicos são as erupções acneiformes, milia, reação alérgica,mudança de textura da pele e hiper ou hipopigmentação pós-inflamatória. A melhor maneira de evitá-las é identificar os fatores de risco e individualizar a terapêutica.1-6

Neste artigo, apresenta-se o ácido tioglicólico como possível agente na abordagem da hiperpigmentação periorbicular constitucional. Também chamado ácido mercapto acético, o ácido tioglicólico é composto que inclui enxofre, com peso molecular de 92,12 (intermediário entre os ácidos tricloroacético e o glicólico, 163,4 e 76,05, respectivamente). Substância altamente solúvel em água, álcool e éter, é facilmente oxidável.7,8

Topicamente, na abordagem de hipercromias hemossideróticas, utilizam-no na concentração de 5% a 12%. Sua afinidade com ferro é semelhante à da apoferritina, tendo a capacidade de quelar o ferro da hemosiderina, por apresentar grupo tiólico.7,8

O objetivo deste estudo é avaliar a segurança e eficácia clínicas de aplicações seriadas de ácido tioglicólico na abordagem terapêutica da hipercromia periorbicular constitucional.

MÉTODOS

Trata-se de estudo clínico piloto, aberto, não pareado, monocêntrico, não randomizado,com 10 voluntárias entre 24 e 50 anos de idade, fototipo I a IV, portadoras de hipercromia infraorbicular constitucional, que se submeteram a peelings seriados de ácido tioglicólico 10% em gel, procedimento conduzido de acordo com todas as normas internacionais e brasileiras de Boas Práticas Clínicas de Pesquisa em Seres Humanos.As pacientes foram recrutadas voluntariamente.

As pacientes foram submetidas a sessões de peelings de ácido tioglicólico a 10%, em veículo gel, a cada 15 dias, no total de cinco sessões. A primeira aplicação do agente químico teve duração de dois minutos; a cada uma das seguintes acrescentavam-se três minutos, tendo, na última,durado 15 minutos o contato do agente com a pele.

Inicialmente, desengordura-se a região periorbicular com solução alcoólica a 50%. Em seguida, com auxílio de cotonete, aplica-se o ácido tioglicólico 10% na região da pálpebra inferior, respeitando a unidade cosmética. Feito isso, aguarda-se o tempo de contato do agente com a pele, de acordo com o protocolo proposto.

Findo o tempo da sessão, ainda com a paciente em decúbito dorsal, o produto é retirado com gaze, e, em seguida, completada sua remoção com água em abundância. Decorridos dois ou três dias da aplicação do ácido tioglicólico 10%, espera-se que a pele se apresente eritematosa, algumas vezes com crostas finas e acastanhadas, com discreto edema palpebral. Esse processo pode levar até sete dias para se completar e está diretamente relacionado ao maior tempo de exposição da pele ao produto.

Foram utilizados para parâmetros de avaliação documentação fotográfica (anterior e posterior a série do tratamento) e grau de satisfação dos resultados, tanto para o médico aplicador, quanto para o paciente, cuja pontuação variava de 0 a 10.

RESULTADOS

Para este trabalho, definimos nível de significância de 0,05 (5%), com intervalos de confiança de 95% para todos os quesitos analisados.Foram utilizados testes e técnicas estatísticas não paramétricas, porque as condições (suposições) para a utilização de técnicas e testes paramétricos, como a normalidade (Teste de Anderson- Darling) e homocedasticidade (homogeneidade das variâncias;Teste de Levene), não foram encontradas nesse conjunto de dados.

Após a aplicação do protocolo, todas as voluntárias relataram ardor suportável quase imediato e que se intensificava ao longo da permanência do ácido tioglicólico 10% em contato com a pele. Em todas as pacientes, conseguiu-se concluir o protocolo nos prazos preestabelecidos.

Alguns segundos após a aplicação do produto observavamse eritema e edema discretos, a que, ao longo das sessões, somava- se frosting grau II. Em todas as pacientes, visualizou-se frosting grau II, que durava em média 5 minutos, coincidindo com a segunda aplicação. Essas pacientes evoluíram com discreto edema, restrito à região aplicada, e eritema de duração média de cinco dias. No segundo dia, inicia-se formação de crosta fina, discretamente acastanhada, que começa a descamar, no máximo, até o sétimo dia após o procedimento.

Finalizados os cinco peelings seriados na pálpebra inferior, tanto o médico aplicador quanto as pacientes atribuíram notas de 0 (ausência de melhora) a 10 (melhora total) correspondendo ao grau de satisfação com a resposta clínica obtida.Além disso, um dermatologista da equipe (médico avaliador-cego), que não participou da pesquisa, avaliou as fotografias dos períodos pré e pós-peeling, sem saber qual era a pré e qual era a pós-peeling, pontuando o resultado da foto que julgava ser a posterior entre 0 (ausência de melhora) e 10 (melhora total). Esses resultados, assim, como os dados demográficos das pacientes, encontram-se na Tabela 1.

Em média, as notas clínicas dadas pelo médico aplicador, pelas pacientes e pelo médico avaliador-cego à resposta clínica obtida pelo tratamento foram 7,6,7,8 e 6,8,respectivamente (Gráfico 1, Tabela 2) sem diferenças estatisticamente significantes entre elas (p=0,065; pelo Teste de Friedman, que avalia dados pareados).

Ao final do tratamento, o médico avaliador-cego conseguiu perceber melhora clínica em todas as pacientes, ou seja, detectar as fotografias pré e pós-tratamento.

DISCUSSÃO

As “olheiras” representam queixa comum e muito estigmatizante. 1 Várias são os fatores que a determinam, porém a hipercromia, secundária ao depósito de ferro, talvez seja uma das mais importantes. Acredita-se que ocorra hipercromia cutânea em decorrência do depósito de hemossiderina, posto que é resultado de transformação biogênica do grupamento heme da hemoglobina, quando há extravasamento sanguíneo dérmico; nesse momento, há liberação do íon ferro desse grupamento, acarretando formação de radicais livres que, por conseguinte, estimulam o melanócito, gerando pigmentação melânica associada.7 Insônia e cansaço persistentes atuam, sem dúvida alguma, na piora desse processo, através da estase dos vasos sanguíneos, levando à mudança de cor na região.1-6

O ácido tioglicólico é um dos representantes da classe dos tioglicolatos, cujas substâncias são, há muito tempo, utilizadas na indústria cosmética, como, por exemplo, depilatórios corporais, alisantes e colorantes capilares.8 As substâncias da classe dos tioglicolatos podem manifestar capacidade de irritação e sensibilização cutâneas.7 Em ratos, provou-se que, seguramente, essas substâncias não apresentam perfil mutagênico, carcinogênico, embriogênico e tóxico até a dose 100mg/kg/dia.8 Seguramente, o uso tópico cosmético ocasional do ácido tioglicólico pode chegar à concentração máxima de 15,4%.8

O tioglicólico é um ácido orgânico.8 Na prática clínica habitual dos autores, na abordagem da hipercromia constitucional periocular, é empregado como agente de peeling químico, a 10%, em gel, mostrando-se excelente adjuvante terapêutico para a abordagem dessa dermatose. Como visto neste artigo e coincidente com dados da literatura, sua aplicação cutânea causa leve desconforto, associado a discreto eritema, com leve ou transitória descamação e rara sensibilização. Se, porventura, cair na conjuntiva ocular, ela deve ser lavada vigorosamente, conforme orientação já estabelecida para os produtos cosméticos que o incluem em suas fórmulas, pois ele é considerado composto de baixa toxicidade ocular.7,8

Neste estudo, a média de idade das voluntários foi de 35,3 anos. Evidenciou-se que 100% das pacientes tiveram algum grau de satisfação clínica com a aplicação seriada (peeling químico) de ácido tioglicólico 10% para a abordagem de tal hipercromia.A nota média aritmética de satisfação pessoal foi de 7,8 (escala de 0-10), estatisticamente igual às atribuídas pelo médico aplicador (7,6) e pelo médico avaliador-cego (6,8) (Gráfico 1).

Os resultados clínicos são evidentes e importantes (Figura 1).Tais benefícios cutâneos são possíveis graças à grande capacidade quelante de ferro que seu grupo tiólico possui, o qual, mesmo em uso sistêmico, mostra, em animais, capacidade de impedir depósito esplênico de ferro, bem como importante capacidade antioxidante.9-11

A análise das fotos pelo médico avaliador-cego confirmou a eficácia da série de peelings de ácido tioglicólico 10%, posto que evidenciou a melhora mesmo para profissional que não participara das sessões.

Na literatura científica, não existem relatos de casos do benefício clínico do uso de peelings seriados de ácido tioglicólico 10% na abordagem da hipercromia residual peri-orbicluar. Este artigo científico é o primeiro nesse sentido, mostrando que essa proposta terapêutica pode ser útil no tratamento dessa discromia,além de o ácido tioglicólio ser produto seguro e eficiente, de ação rápida e baixo custo, recomendável, portanto, na abordagem das discromias hemossideróticas.7,11

Pela resposta clínica estética obtida de pacientes que fazem uso do programa seriado de peelings de ácido tioglicólico a 10%, supõese que essa substância causa injúria na epiderme, removendo o excesso de pigmento aí depositado.Além disso, por se tratar de pele extremamente fina, o dano causado é controlado e seguido de liberação de citocinas e mediadores inflamatórios capazes de proporcionar espessamento da epiderme, depósito de colágeno, reorganização dos elementos estruturais e aumento do volume dérmico. Como consequências prováveis incluem-se a atenuação do sombreamento decorrente de flacidez e excesso cutâneos e a diminuição da atrofia da pele que torna o plexo vascular superficial visível.

A soma desses resultados clínicos observados não só diminui a hipercromia, mas, também, como visto na Figura 1, determina melhora significativa no aspecto cosmético da região, com redução de linhas finas e da atrofia cutânea (aspecto de papel de cigarro).

CONCLUSÃO

Os peelings seriados e progressivos de ácido tioglicólico 10% apresentam-se como ferramenta terapêutica segura, eficiente e de baixo custo no tratamento da hipercromia periorbicular constitucional. Não há a pretensão de ser tratamento único e milagroso para essa dermatose, pois outras terapêuticas, sem dúvida alguma, são de suma importância e talvez se possam aliar visando a melhora clínica ainda mais interessante. Cabe lembrar, também, que mudanças de hábitos de vida dos pacientes, tais como boa alimentação, evitar o tabagismo, praticar atividades físicas e dormir o suficiente, ainda têm seu papel nas orientações do dermatologista no momento da proposição de qualquer plano terapêutico para esses pacientes.

Referências

1 . Malakar S, Lahiri K, Banerjee U, Mondal S, Sarangi S. Periorbital melanosis is an extension of pigmentary demarcation line-F on face. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2007;73(5):323-5.

2 . Sampaio S,Rivitti E.Dermatologia.3 ed.Artes Médicas: São Paulo; 2007.

3 . Lowe NJ, Wieder JM, Shorr N, Boxrud C, Saucer D, Chalet M. Infraorbital pigmented skin. Preliminary observations of laser therapy.Dermatol Surg. 1995; 21(9):767-70.

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9 . Joo MS, Tourillon G, Sayers DE, Theil EC. Rapid reduction in horse spleen ferritin by thyoglicolic acid. Bio Met. 1990;3(3-4):171-5.

10 . Hoffman U, Eichelbaum M, Seefried S, Meese CO. Identification of thyoglicolic acid, thiodiglycolic acid sulfoxide, and (3-carboxymethylthio) lactic acid as major human biotransformation products of S-carboxymethyl-L-cysteine. Drug Metabol Dispos. 1991;19(1):22-6.

11 . Goldman N, Neto B, Goldman K. Tratamento das Hiperpigmentações de Membros Inferiores Desencadeadas pela Insuficiência Venosa com o Uso de Ácido Tioglicólico. [acesso 05 jun 2009]. Disponível em: www.sbme.org.br/portal/download/revista/14/04_Tratamento_das_ Hiperpigmentacoes.pdf


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