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Diagnóstico por Imagem

Erupção medicamentosa fixa na face associada a dipirona: correlação dos achados clínicos, histopatológicos e dermatoscópicos

Maria Victória Quaresma1; Luciana de Abreu2; Lara Braga Oliveira3; Bárbara Poggi4; Thalyta Valle de Rezende5; Bruna Souza Felix Bravo6

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201684800

Data de recebimento: 26/03/2016
Data de aprovação: 02/12/2016
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

As reações adversas associadas aos fármacos com manifestações cutâneas não são raras, expressando-se com múltiplos aspectos clínicos, podendo gerar morbidade significativa. A erupção medicamentosa fixa é uma reação adversa comum, com envolvimento cutâneo, associada ao uso de inúmeros medicamentos. A dipirona é fármaco com efeitos analgésicos e antitérmicos amplamente utilizada no Brasil, porém, sabe-se que é uma substância potencialmente desencadeadora de reações adversas, e a erupção medicamentosa fixa entre elas. Relata-se um caso de erupção medicamentosa fixa relacionada ao uso da dipirona, com apresentação clínica singular e correlacionam-se os achados clínicos, histopatológicos e dermatoscópicos encontrados.


Keywords: DERMOSCOPIA; FACE; PATOLOGIA


INTRODUÇÃO

As reações adversas aos medicamentos podem ser definidas como qualquer resposta a determinado fármaco que seja prejudicial, não intencional e que ocorra nas doses utilizadas em indivíduos para profilaxia, diagnóstico e tratamento das doenças.1 As reações envolvendo a pele, conhecidas como farmacodermias, estão entre as mais comuns, assumindo múltiplos aspectos clínicos, desde lesões solitárias até quadros generalizados.2

A erupção medicamentosa fixa (EMF) é farmacodermia comum e pode ser associada ao uso de inúmeros medicamentos.3 Primeiramente descrita por Brocq,1 a EMF apresenta-se clinicamente como lesão maculosa, eritêmato-violácea, ovalada e com recorrência em locais previamente afetados com a reexposição do fármaco implicado. Essa erupção pode ocorrer em qualquer área corporal, acometendo principalmente as superfícies mucosas.4,5

A dipirona é anti-inflamatório não esteroidal, derivado da pirazolona, amplamente utilizada como analgésico. Inúmeras reações adversas secundárias à dipirona são conhecidas: nefrite intersticial, hepatite, pneumonite e farmacodermias graves como as síndromes de Stevens-Johnson e de Lyell.2 Apesar de reconhecida, a associação desse fármaco com EMF tem sido ocasionalmente relatada na literatura, geralmente com lesões envolvendo tronco e extremidades.5, 6

À luz desses fatos, relata-se um caso de EMF desencadeado pela dipirona, um fármaco muito utilizado no Brasil, mas com poucos relatos dessa associação. Adicionalmente, destaca-se a apresentação clínica singular do caso, com envolvimento facial (regiões periorbital e nasal), correlacionando-a com os achados histopatológicos e dermatoscópicos pertinentes.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 30 anos, natural do Rio de Janeiro, apresentando há um mês máculas hipercrômicas na face. A paciente referiu que sete horas antes do início do quadro cutâneo utilizou dipirona para tratar cefaleia. Negava sintomatologia sistêmica, comorbidades ou traumatismo local. Ao exame dermatológico observaram-se máculas hipercrômicas, castanho-acinzentadas, ovaladas, bem delimitadas e simétricas nas regiões periorbitárias bilateralmente (Figura 1). Não havia lesões em outros sítios cutâneos ou nas mucosas. A possibilidade de EMF associada à dipirona foi aventada, e a paciente foi orientada a evitar o uso desse fármaco.

Quatro meses após o evento inicial, a paciente apresentou recorrência do quadro com extensão das lesões para dorso nasal (Figura 2). Na investigação, negou o uso de dipirona, entretanto, relatou que usou outra medicação que constatadamente continha dipirona em sua formulação.

O exame dermatoscópico da lesão periorbital bilateral revelou um padrão anular granular com borrões pigmentados e múltiplos pontos azul-acinzentados ("peppering"), regularmente distribuídos em torno dos óstios foliculares, com acentuação da pseudorrede facial de coloração marrom-acinzentada. (Figura 3).

A biópsia da pele lesionada foi guiada pelo exame dermatoscópico, sendo realizada onde havia maior concentração dessa granularidade cinza-azulada conhecida como peppering.7

O exame histopatológico revelou: exocitose linfocítica, degeneração vacuolar da camada basal, infiltrado linfocitário perivascular e intersticial superficial e melanófagos na derme papilar, corroborando o diagnóstico de EMF (Figura 4). Adicionalmente, observaram-se-se melanófagos regularmente distribuídos na derme superficial entre os folículos pilosos (Figura 5).

 

DISCUSSÃO

A EMF é reação medicamentosa relacionada ao uso de inúmeros fármacos (Quadro 1),3-5,8,9 sem predileção sexual, ocorrendo predominantemente na terceira década de vida.3,4 Pacientes com história familiar de alergia medicamentosa ou atopia apresentam maior suscetibilidade para o desenvolvimento dessa farmacodermia.3

O quadro geralmente inicia-se entre 30 minutos e oito horas após uso da medicação, porém, manifestações em até 24 horas já foram descritas. Classicamente, apresenta-se como mácula única eritematosa ou eritêmato-violácea, de formato oval, bem demarcada, com até 10cm de diâmetro, podendo evoluir com hiperpigmentação residual. Raramente manifesta-se com múltiplas lesões. As regiões mais envolvidas são as mucosas, e principalmente as regiões genital e labial.4

Na literatura, a associação da dipirona com a EMF é reconhecida; observam-se, entretanto, poucos relatos descrevendo essa relação.2,6 Segundo Sharma et al.,8 a EMF desencadeada por esse fármaco apresenta-se como lesão única, acometendo principalmente o tronco e as extremidades.5,6

Na avaliação histopatológica, a EMF na fase inicial apresenta degeneração hidrópica das células da camada basal, com queratinócitos apoptóticos, infiltrado perivascular linfocítico na derme superior, podendo apresentar esparsos neutrófilos, eosinófilos e edema na derme superficial.9 Na fase tardia, é marcante a presença de melanófagos na derme papilar, que pode ser achado único em lesões de longa evolução.5,9

A dermatoscopia é método de auxílio diagnóstico que se vem destacando por sua praticidade e aplicabilidade clínica, por meio do reconhecimento de padrões e critérios específicos estabelecidos para diversas dermatoses. Na face, o exame dermatoscópico apresenta padrões peculiares, pois a epiderme apresenta atenuação e achatamento dos cones interpapilares e riqueza de anexos cutâneos, como óstios dos folículos pilosos e das glândulas écrinas. Contudo, na face de um adulto, geralmente a rede pigmentar convencional visualizada à dermatoscopia não é encontrada, pois as cristas epidérmicas são planas ou ausentes; portanto, na face, descreve-se a pigmentação como pseudorrede, caracterizada pela pigmentação marrom entremeada com espaços circulares representados pelas aberturas foliculares e orifícios glandulares.10

No presente caso, a dermatoscopia revelou padrão anular granular, com borrões e pontos cinza-azulados (peppering), predominantemente em torno dos óstios foliculares, correspondentes aos agregados de melanófagos na derme papilar observados na histopatologia. Atribui-se a coloração cinza-azulada do padrão à profundidade e extensão do depósito de melanina na derme papilar. Esses depósitos de melanina resultam da vacuolização da camada basal epidérmica associada a um processo inflamatório, com posterior "queda" do pigmento melânico para derme papilar e fagocitose pelos macrófagos (melanófagos).7,10

A característica dermatoscópica do caso sugere tratar-se de uma condição inflamatória subjacente.7 Contrariamente, pigmentação assimétrica, mais acentuada nas bordas das aberturas foliculares com progressiva obliteração dos óstios, é critério de suspeição a favor de lesões melanocíticas malignas, como melanoma, tipo lentigo maligno.10

Em conclusão, na EMF, o reconhecimento do fármaco causador permite manejo adequado do tratamento, evitando recorrências. A associação dessa afecção com dipirona é escassamente relatada, principalmente relacionada ao surgimento de lesões faciais. O uso da dermatoscopia permite reconhecimento de padrões característicos, como nesse caso, a observação do peppering granular e grosseiro como critério dermatoscópico preponderante. A distribuição simétrica e regular da pigmentação foi fundamental para a suspeição de se tratar de dermatose inflamatória, já que, na maioria das vezes, esse achado é correspondente aos melanófagos intradérmicos.7 Dessa forma, nesse caso, a dermatoscopia mostrou-se eficaz na escolha do sítio ideal para realização da biópsia cutânea, apesar de a análise histopatológica ser considerada método padrão ouro para o diagnóstico da EMF.

 

Referências

1. Brocq L. Eruption erythemato-pigmentee fixe due a l'antipyrine. Ann Dermatol Venereol. 1894;5:308-313. 2. Bentur Y, Cohen O. Dipyrone overdose. J Toxicol Clin Toxicol. 2004;42(3):261-5.

3. Mahboob A, Haroon TS. Drugs causing fixed eruptions: a study of 450 cases. Int J Dermatol. 1998;37(11):833-8.

4. Heng YK, Yew YW, Lim DS, Lim YL. An update of fixed drug eruptions in Singapore. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2015;29(8):1539-44.

5. Justiniano H, Berlingeri-Ramos AC, Sánchez JL. Pattern analysis of drug- induced skin diseases. Am J Dermatopathol. 2008;30(4):352-69.

6. Ozkaya-Bayazit E. Specific site involvement in fixed drug eruption. J Am Acad Dermatol. 2003;49(6):1003-7.

7. Bugatti L, Filosa G. Dermoscopy of lichen planus-like keratosis: a model of inflammatory regression. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2007;21(10):1392-7.

8. Sharma VK, Dhar S, Gill AN. Drug related involvement of specific sites in fixed eruptions: a statistical evaluation. J Dermatol. 1996; 23(8):530-4.

9. Joshi R. Interface dermatitis. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2013;79(3):349-59.

10. Stolz W, Schiffner R, Burgdorf WH. Dermatoscopy for facial pigmented skin lesions. Clin Dermatol. 2002;20(3):276-8.

 

Trabalho realizado no Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay - Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


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