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Artigo Original

Ensaio clínico randomizado sobre a análise comparativa entre excisão de nevos melanocítos intradérmicos por shaving versus excisão em elipse e sutura

Andréa Santos Soares1; Ana Paula Dornelles Manzoni2; Carla Daniele Amorim de Souza3; Magda Blessmann Weber4; Tatiane Watanabe1; Leandra Camini5

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201684902

Data de recebimento: 30/05/2016
Data de aprovação: 26/08/2016
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: apesar de os nevos melanocíticos intradérmicos serem lesões benignas, muitos pacientes recorrem ao dermatologista para sua exérese. Entretanto, não existem estudos sobre o melhor método para esse procedimento.
Objetivo: comparar em ensaio clínico randomizado a exérese de nevos melanocíticos intradérmicos na face, por shaving e excisão em elipse com sutura
Métodos: foram selecionados pacientes com nevos melanocíticos intradérmicos na face para os dois métodos, randomicamente. Os resultados foram descritos quanto à satisfação do paciente e aos registros fotográficos avaliados por médico cegado.
Resultados: 18 pacientes foram submetidos à exérese de nevos melanocíticos intradérmicos. A média de tamanho da cicatriz após seis meses foi de 8,11mm para as lesões excisadas por fuso e de 2,92mm para as por shaving (p < 0,05). A média da nota dos pacientes após seis meses foi 9,67 (fuso) e 9,57 (shaving) (p = 0,8). A média pelo médico cegado foi 7,78 (fuso) e 7,86 (shaving) (p = 0,91). Ocorreu recidiva da lesão em 28,6% dos pacientes submetidos ao shaving.
Conclusões: As duas formas de excisão se equivalem quanto à satisfação do paciente e nota dada pela equipe médica quanto aos resultados estéticos da cicatriz. Contudo, a exérese por fuso tem a vantagem de apresentar menor índice de recidiva.


Keywords: NEVO INTRADÉRMICO; PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS AMBULATORIAIS; PELE; TERAPÊUTICA


INTRODUÇÃO

Nevos melanocíticos adquiridos são lesões benignas originadas dos melanócitos, podendo ser classificados como nevos melanocíticos juncionais, compostos ou intradérmicos.1,2 A diminuição progressiva da velocidade de crescimento e o aparecimento da diferenciação das células nos nevos melanocíticos dão a característica benigna às lesões, que em geral, são sólidas e podem variar de tamanho.1

Os nevos melanocíticos intradérmicos (NMI) são nevos com pouca ou nenhuma presença de proliferação melanocítica na epiderme, sendo sua principal característica a presença de células névicas dispostas em grupos na porção dérmica.1 As células que se dispõem mais profundamente na derme tendem a assumir morfologia neuroide ou fibroblástica e perdem a capacidade de sintetizar melanina, fazendo com que a maioria dos NMI seja clinicamente não pigmentada.1 O diagnóstico de NMI é habitualmente clínico, e seu risco de malignização é baixo.1 Ao exame, as lesões se apresentam papulosas, normocrômicas ou pouco pigmentadas,1,2 sendo mais comumente encontradas na face. Podem estar presentes telangectasias e pelos terminais.1 O diagnóstico diferencial dos NMI inclui dermatofibromas, neurofibromas, pólipos fibroepiteliais, e carcinomas basocelulares, entre outros registros.2

A exérese dos NMI é indicada quando há alterações clínicas ou dermatoscópicas comprovadas e aparência atípica da lesão, mas são mais frequentemente excisados por razões cosméticas ou traumas locais repetidos.2

Atualmente não há consenso sobre a melhor forma de exérese do NMI, ficando sob decisão do dermatologista utilizar shaving ou excisão em elipse seguida de sutura.

Shaving ou saucerização é a retirada da lesão cortando sua base paralelamente à pele, utilizando-se lâmina de bisturi ou tesoura. A excisão elíptica é o procedimento que consiste na exérese da pele em forma de elipse em torno da lesão. Permite a retirada da totalidade das camadas da pele até a hipoderme e necessita sutura. O objetivo deste estudo foi comparar os dois procedimentos em relação à satisfação dos pacientes e dos dermatologistas quanto aos resultados estéticos, e ao risco de recidiva da lesão.

 

MÉTODOS

Foi realizado ensaio clínico randomizado comparativo, cego para um observador, no Serviço de Dermatologia da Universidade Federal de Ciências de Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), incluindo 18 pacientes com diagnóstico clínico de NMI na face, entre agosto de 2014 e junho de 2015. O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética e Pesquisa da UFCSPA e do Centro de Saúde Santa Marta.

Foram selecionados pacientes de ambos os sexos, portadores de nevos intradérmicos diagnosticados pelas manifestações clínicas clássicas (lesão melanocítica normocrômica e papulosa) e dermatoscópicas (glóbulos focalmente localizados ou estruturas semelhantes a glóbulos; áreas esbranquiçadas sem estrutura e vasos lineares finos ou em forma de vírgula), localizados na face, que corresponde à área de maior prevalência dos NMI. Os pacientes tinham entre 18 e 80 anos, fototipo I a IV pela classificação de Fitzpatrick (Quadro 1) e aceitaram participar do estudo mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídos os pacientes cujos nevos haviam sido submetidos a procedimentos prévios, pacientes com doenças clínicas sem diagnóstico ou mal controladas (por exemplo, diabetes, tireoidites, hipertensão), história prévia de queloide, uso de medicações que alterassem a cicatrização (por exemplo, isotretinoína e imunossupressores). Foram excluídos, também, pacientes que após a realização da exérese da lesão não seguiram o cronograma de avaliações ou que a histologia não confirmou o diagnóstico clínico.

Os pacientes, por ordem de inclusão no estudo, foram alternadamente selecionados para realização do shaving ou da exérese seguida por sutura. As lesões randomizadas para exérese por elipse, seguindo as linhas de melhor incisão, e sutura foram demarcadas com o objetivo de manter ângulo de 30º nas bordas das elipses, delimitando a medida para o comprimento equivalente a três vezes a medida para a largura e mantendo margem de um a 3mm do nevo intradérmico. Foi realizada sutura com pontos simples separados, sendo utilizado o fio de náilon 6/0. Foram feitas aplicação de micropore no local da sutura e orientação para retirada após 24 horas e higienização delicada uma vez ao dia com água até a retirada dos pontos, no próprio serviço, em sete dias de pós-operatório. As lesões randomizadas para exérese por shaving foram excisadas por meio de incisão na base da lesão paralelamente à pele, com uso de lâmina de bisturi número 15. A hemostasia foi realizada somente com compressão local. Foram feitas aplicação de micropore no local e orientação para retirada após 24 horas e higienização delicada uma vez ao dia com água. Todos os procedimentos cirúrgicos e as orientações aos pacientes foram realizados pelo mesmo cirurgião dermatológico em todas as visitas.

Em relação ao acompanhamento dos pacientes, os mesmos foram contatados após 48 horas da realização dos procedimentos para a classificação do desconforto após a exérese. A classificação foi baseada em uma escala analógica de dor graduada de "0" (sem desconforto) até "10" (desconforto insuportável), sendo que os pacientes foram orientados quanto ao fato de que "desconforto" inclui a presença de dor, sangramento, restrição de movimentos, dificuldade para dormir.

Os pacientes retornaram ao Ambulatório de Dermatologia da UFCSPA após três e seis meses do procedimento para avaliação do pós-operatório e realização de fotografias da cicatriz cirúrgica. As fotografias antes e após o procedimento foram realizadas de modo padronizado em relação ao ambiente, incidência das luzes, câmara fotográfica e fotógrafo, sendo a lesão medida em milímetros antes do procedimento e em todas as visitas subsequentes. Todos os pacientes foram orientados a utilizar fotoprotetor com fator de proteção solar igual ou maior que 30, repassado a cada quatro horas, além de proteção física durante pelo menos seis meses.

Em relação à análise estatística, os dados qualitativos foram apresentados por frequência e percentual, e os dados quantitativos, por média e desvio-padrão, quando normalmente distribuídos e, mediana e amplitude interquartil, quando não. A normalidade foi verificada pelo teste de Shapiro-Wilk. As comparações dos diferentes tipos de tratamento, com as variáveis qualitativas, foram realizadas pelo teste exato de Fisher, e com as variáveis quantitativas normalmente distribuídas, pelo teste t de Student e teste de Mann-Whitney, quando a normalidade não foi atendida. As comparações entre as avaliações do paciente e do médico foram analisadas pelo teste t de Student, de acordo com o momento e o tratamento. Os dados foram armazenados em planilha eletrônica e analisados com auxílio do software SPSS v.21. A significância estatística foi de 5% (p -valor < 0,05).

 

RESULTADOS

Foram submetidos à exérese de NMI 18 pacientes com lesões na face. A análise histopatológica revelou os seguintes diagnósticos: nevos melanocíticos intradérmicos (16 casos – 88,9% da amostra); nevo melanocítico composto (um caso) e hemangioma (um caso). Assim, 11,5% das lesões faciais tiveram diagnóstico histológico discordante do diagnóstico clínico. Esses pacientes foram excluídos do estudo.

A amostra analisada foi de 16 pacientes (dois homens e 14 mulheres). O perfil dos pacientes incluídos no estudo está descrito na tabela 1, demonstrando a homogeneidade da amostra quanto a idade, sexo e fototipo. O seguimento dos pacientes foi de até seis meses.

O tamanho médio dos NMI estudados foi de 3,94mm para os excisados por fuso e de 3,92mm para os excisados por shaving, sendo a amostra homogênea dentro de todos os grupos descritos (Tabela 1).

A média de tamanho da cicatriz após seis meses foi de 8,11mm para as lesões excisadas por fuso e de 2,92mm para as lesões excisadas por shaving (p < 0,05), conforme tabela 2. Na avaliação realizada seis meses após o procedimento, a média da nota referida pelos pacientes em relação ao resultado final do procedimento foi de 9,67 para os pacientes submetidos à exérese por fuso e de 9,57 para os pacientes submetidos à exérese por shaving (p = 0,8). Em relação à avaliação realizada pelo médico cegado para os procedimentos, a média da nota em relação ao resultado final do procedimento foi de 7,78 para os pacientes submetidos à exérese por fuso e de 7,86 para os pacientes submetidos à exérese por shaving (p = 0,91) (Tabela 3).

Apenas dois pacientes referiram desconforto depois do procedimento (nota 1 na escala de 0 a 10), sendo um deles do grupo submetido à exérese por fuso e o outro do grupo submetido ao shaving (Tabela 2).

Nenhum paciente desenvolveu cicatriz hipertrófica ou queloide durante o tempo avaliado após a realização do procedimento. Em relação à recidiva da lesão após a realização do procedimento, nenhum paciente submetido à exérese por fuso teve recidiva da lesão, entretanto 28,6% dos submetidos à exérese de lesão por shaving no mesmo grupo tiveram recidiva (Tabela 2).

 

DISCUSSÃO

Não existe literatura científica que compare efetivamente qual a melhor opção de tratamento para nevos melanocíticos intradérmicos. Alguns estudos avaliam o tempo de cicatrização, sangramento e infecção, porém não existem estudos comparativos quanto às técnicas de shaving e exérese por fuso e sutura.

A análise histopatológica no estudo revelou que 88,9% das lesões excisadas eram NMI como diagnosticado clinicamente. Os casos discordantes foram um nevo melanocítico composto e um hemangioma. Esse fato mostra alto nível de concordância entre a histopatologia e as manifestações clínicas de NMI, entretanto deixa o alerta para que todas as lesões excisadas sejam submetidas ao exame histológico. No presente estudo todas as lesões discordantes eram benignas, mas não podemos esquecer de diagnósticos diferenciais como melanoma amelanótico e o carcinoma basocelular.2,4

No presente estudo, as cicatrizes das lesões excisadas por shaving foram significativamente menores do que as excisadas por fuso (Figuras 1 e 2) e até menores do que a lesão previamente ao procedimento(Figuras 3 e 4) (p < 0,05). Os resultados encontrados corroboram os achados da literatura, que afirmam que aproximadamente 45% dos nevos excisados pela técnica de shaving na face ficam com cicatrizes menores do que o nevo original.1 Possivelmente, a diminuição da cicatriz em relação à lesão névica inicial, após shaving, se dá pela retração cicatricial dos tecidos. Já a técnica por fuso exige que o comprimento da peça cirúrgica seja cerca de três vezes maior do que o nevo, o que condiciona aumento da cicatriz relativo a essa técnica.1

Todos os pacientes incluídos no estudo (dos dois grupos) ficaram muito satisfeitos com o resultado dos procedimentos. A nota média de satisfação dos pacientes entre a retirada por shaving ou exérese e sutura teve pequena diferença, com maior satisfação com a exérese por fuso em relação ao shaving, mas sem diferença estatisticamente significativa (p = 0,8). Lee et al. também demonstraram em seu estudo significativo índice de satisfação dos pacientes com NMI retirados por shaving.5

Neste estudo, nenhum paciente desenvolveu cicatriz hipertrófica ou queloide durante o período do acompanhamento. Esse fato pode ser decorrente da seleção de pacientes de fototipos mais baixos (II e III) e do pequeno tamanho da amostra estudada.6

Foi observado baixo índice de recorrência nas lesões excisadas na face por shaving. Sabidamente a excisão mais superficial do shaving aumenta o risco de recidiva do nevo quando comparada com a exicisão até a hipoderme seguida de sutura. Porém, o motivo real da ocorrência da recidiva e sua correlação com a técnica utilizada necessitam ser melhor estudados.

 

CONCLUSÃO

Concluímos que as duas formas de excisão se equivalem quanto à satisfação do paciente e à nota dada pela equipe médica quanto aos resultados estéticos da cicatriz. Contudo, a exérese por fuso tem a vantagem de apresentar menor índice de recidiva. Apesar dos resultados obtidos, ainda são necessários mais estudos, para consolidar as informações encontradas.

 

Referências

1. Burns T, Breathnach S, Cox N, Griffiths C. Rook's Textbook of Dermatology. 8th ed. Oxford: Wiley-Blackwell; 2010.

2. Bolognia JL, Jorizzo JL, Schaffer JV. Dermatology. Rio de Janeiro: Elsevier; 2015.

3. Schalka S, Steiner D, Ravelli FN, Steiner T, Terena AC, Marçon CR, et al. Consenso Brasileiro de Fotoproteção. An Bras Dermatol. 2014;89(6 Suppl 1):S6-75.

4. Arjona-Aguilera C, Gil-Jassogne C, Jiménez-Gallo D, Albarrán-Planelles C. Intradermal Melanoma Associated With an Intradermal Melanocytic Nevus. Actas Dermosifiliogr. 2015;106(9):776-7.

5. Lee JM, Lee H, Lee TE, Park M, Baek S. Second intention healing after shave excision of benign tumors on the lid margin. Ann Dermatol 2011;23(4):463-7.

 

Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia da Universidade Federal de Ciências de Saúde de Porto Alegre – Porto Alegre (RS), Brasil.


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