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Tratamento cirúrgico do vitiligo

Gerson Dellatorre1; Fernando Eibs Cafrune2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20168401

Data de recebimento: 28/07/2016
Data de aprovação: 26/08/2016
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

A evolução nas técnicas cirúrgicas do tratamento do vitiligo tem proporcionado resultados extremamente satisfatórios em pacientes com vitiligo estável, sem fenômeno de Köebner e refratários a outros métodos terapêuticos. Diversas técnicas são conhecidas e devem ser adequadas de acordo com o paciente e a experiência do dermatologista para otimizar os resultados obtidos.


Keywords: VITILIGO, CIRURGIA, TRANSPLANTE, PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS DERMATOLÓGICOS


INTRODUÇÃO

Os procedimentos de transplante de melanócitos são opções terapêuticas indicadas para pacientes com vitiligo que apresentem doença estável e que não responderam a tratamentos clínicos prévios.1 As técnicas têm o potencial de produzir excelentes resultados mesmo em áreas anatômicas tradicionalmente refratárias, como extremidades distais, cotovelos, joelhos, aréolas, pálpebras e lábios.2 Nas últimas décadas, as pesquisas em tratamento cirúrgico do vitiligo têm aumentado substancialmente, e os procedimentos de transplante autólogo de melanócitos têm-se tornado cada vez mais acessíveis aos dermatologistas.

A estabilidade da doença é o pré-requisito mais importante para um procedimento cirúrgico bem-sucedido.1,3 A maioria dos autores define o critério de estabilidade como a ausência de novas lesões ou aumento das preexistentes no período de um ano.1,3,4 Em casos de estabilidade duvidosa, um teste pode ser realizado com o transplante de quatro a cinco minienxertos por meio de punchs de um ou 1,2mm na área a ser tratada, avaliando-se se após período de três a quatro meses algum halo de repigmentação foi formado naquela região.5 A ausência de fenômeno de Köebner nos candidatos à cirurgia também é de extrema importância, uma vez que a manipulação cirúrgica das áreas doadoras e receptoras pode induzir novas lesões acrômicas.1 Embora todos os tipos de vitiligo sejam passíveis de tratamento por esse método com boa eficácia, o vitiligo segmentar tende a ter melhor resposta.6 Portanto, a correta classificação da doença é crucial, uma vez que pode influenciar no prognóstico do paciente.

As modalidades cirúrgicas podem ser classificadas em técnicas teciduais e celulares, de acordo com o tipo de enxerto a ser transplantado.1,4 A maioria das técnicas requer a desepitelização da área receptora a fim de receber o enxerto celular ou tecidual. Geralmente esse preparo é realizado por dermoabrasão superficial, técnica simples, amplamente utilizada e de excelente custo/benefício (Figura 1). Outras opções incluem o uso de laser de dióxido de carbono e Er:YAG, bolhas de sucção, curetagem e também crioterapia.7,8

Normalmente são realizados curativos imediatamente após os procedimentos cirúrgicos de transplante autólogo, permanecendo intactos na área de tratamento durante período que varia de sete a 14 dias. Sua função é acelerar a cicatrização das áreas dermoabrasadas, prevenir a contaminação bacteriana e, ainda, manter os tecidos ou células transplantadas na área receptora.8 Para esse fim, é comum utilizar curativos à base de colágeno e/ou não aderentes.

De forma complementar ao tratamento cirúrgico, a fototerapia pode ser realizada com o objetivo de incrementar os resultados de repigmentação. Recentemente foi demonstrado que a utilização de fototerapia UVB de banda estreita no período pré e pós-operatório está relacionada a melhores taxas de repigmentação.9

 

TÉCNICAS TECIDUAIS

Enxertos com punchs

Enxertos com punchs (EP) constituem técnica simples, de baixo custo e amplamante utilizada para o tratameto cirúrgico do vitiligo. Consiste na obtenção de múltiplos enxertos circulares da área doadora, obtidos com punchs de um a 3mm, e seu posterior transplante para a área receptora, que por sua vez é preparada com punchs de mesmo tamanho ou ligeiramente menores, espaçados à distância de cerca de 2,5x o tamanho do enxerto (Figuras 2 e 3).10-12 Como efeito adverso, a técnica pode produzir efeito cosmético indesejável, conhecido como aspecto de pedra de calçamento, quando o enxerto fica ligeiramente mais elevado que a área receptora vizinha. Observa-se principalmente quando são utilizados enxertos de maiores diâmetros. Tal efeito pode resolver-se espontâneamente ou ainda ser tratado por meio de eletrofulguração.13 Em virtude do tempo necessário para obtenção dos enxertos, a EP é normalmente reservada ao tratamento de pequenas áreas. Entretanto, o uso de equipamentos com punch motorizado pode reduzir esse tempo, permitindo o tratamento de áreas maiores.10

Quanto à eficácia, um estudo que incluiu 880 pacientes demonstrou que 90-100% de repigmentação pode ser alcançada em 74,55% dos pacientes num período de seguimento de dois anos.11

 

ENXERTIA EPIDÉRMICA POR BOLHAS DE SUCÇÃO

Esse procedimento envolve a indução de bolhas de sucção subepidérmicas na área doadora (usualmente coxas ou braços) mediante aplicação prolongada de vácuo, com posterior transplante de seu teto para a área receptora.1 O vácuo normalmente é aplicado com a ajuda de seringa ou equipamento específico para esse propósito (Figura 4). A técnica possui algumas vantagens sobre a PE, uma vez que a área doadora cicatriza deixando apenas mínima hiperpigmentação pós-inflamatória.14 Além do mais, por se tratar de enxerto puramente epidérmico, não ocorre o efeito em pedra de calçamento descrito na técnica anterior.15

De acordo com estudo recente, a enxertia epidérmica por bolhas de sucção (EEBS) pode produzir resultados que variam de bons a excelentes (65 a 100% de repigmentação) em 80% dos pacientes. Embora apresente bom custo/benefício, esse método é considerado demorado, uma vez que são necessárias aproximadamente duas horas para se obter uma bolha utilizando-se seringa de 10ml. Esse tempo pode ser encurtado por meio da infiltração anestésica da derme previamente à obtenção da bolha, ou ainda da aplicação de calor sobre a área doadora.15,16

 

ENXERTO DE PELE PARCIAL

Os enxertos de pele parcial (EPP) possuem a vantagem de tratar grandes áreas com boa resposta (90-100% de repigmentação) num único procedimento. O enxerto é obtido com a ajuda de um dermátomo, o que requer técnica e experiência por parte do cirurgião.17 Além do mais, a incompatibilidade de cores na área receptora e o potencial de cicatrização inestética na área doadora são possíveis efeitos colaterais dessa técnica.4

 

TÉCNICAS DE FRAGMENTAÇÃO TECIDUAL: CURETAGEM EPIDÉRMICA E MACERADO TECIDUAL

Foram descritas diferentes técnicas de transplantes de melanócitos mediante fragmentação tecidual. A semelhança entre elas é que, após a coleta do tecido da área doadora, a pele apresenta-se macerada em pequenos fragmentos a ser enxertados na área receptora. São geralmente métodos rápidos e de fácil execução técnica, podendo ser realizados em ambientes cirúrgicos simples e com baixo custo. Podem repigmentar áreas quatro a dez vezes maiores do que a extensão da área doadora.18,19

A técnica de curetagem epidérmica (CE) é executada após assepsia e demarcação da área doadora (geralmente coxa ou região sacral), onde se realiza anestesia tópica ou infiltrativa. Com cureta estéril, procede-se à remoção tecidual até a visualização do pontilhado hemorrágico. O material removido é colocado em cuba com solução salina, podendo sofrer maceração adicional até a obtenção de consistência pastosa. Após a dermoabrasão da área receptora, coloca-se o tecido macerado, com distribuição homogênea e recobre-se a área com curativo não aderente. O curativo deve ser mantido com restrição de movimentos durante uma semana.18 Apresenta rápida reepitelização, geralmente sem cicatrizes residuais da área doadora.

Na técnica de macerado tecidual (MT), a pele da área doadora é removida com auxílio de lâmina flexível, observando-se que a espessura seja fina (com pouca derme). O tecido é colocado em solução salina e triturado com auxílio de uma tesoura delicada até que os fragmentos estejam com tamanho bem reduzido. Após a preparação, coloca-se o material preparado sobre a área dermoabrasada e então o curativo, como no processo anterior.19,20 Ausência de cicatrizes na área doadora e elevada repigmentação (mais de 90%) foi observada em um estudo.19

 

TÉCNICAS CELULARES

Suspensão de Células Epidérmicas Não Cultivadas

Na suspensão de células epidérmicas não cultivadas (Scen), um fino enxerto de espessura parcial é obtido da área doadora com a ajuda de lâmina de barbear ou dermátomo (Figuras 5A e 5B). Após essa etapa, o fragmento tecidual é incubado a 37°C em solução de tripsina com ácido etilenodinitrilotetracético (Edta), que separa a epiderme da derme e desagrupa as células epidérmicas. Após a centrifugação da solução, uma suspensão concentrada de melanócitos e queratinócitos é obtida, ressuspendida em pequeno volume e transferida para a área receptora dermoabrasada (Figuras 5C, 5D e 6).

Esse método possui a vantagem de poder expandir a proporção entre as áreas doadora e receptora de cinco a dez vezes, sendo capaz de tratar grandes áreas com resultados satisfatórios.1,4 Bons a excelentes resultados (75-100% de repigmentação) podem ser alcançados em 89% dos pacientes.21 Entre as desvantagens, essa técnica requer técnica e experiência na obtenção do fragmento tecidual doador, além de demandar equipamento laboratorial específico para a fase de tripsinização.1

Suspensão de células não cultivadas da bainha externa folicular

Nesse procedimento, uma suspensão celular é obtida a partir de folículos pilosos utilizando a técnica de extração de unidade folicular com o auxílio de pequenos punchs, de forma semelhante à técnica de obtenção para transplante capilar (Figura 7). Dependendo da área a ser transplantada, aproximadamente 15 a 25 folículos são extraídos por paciente. Uma vez extraídos, são submetidos ao processo de tripsinização semelhante ao da Scen, com o objetivo de obter a suspensão celular.22,23

A obtenção de células oriundas de folículos pilosos possui algumas vantagens. Além de ser considerada importante região de reservatório de melanócitos e seus precursores, as cicatrizes resultantes da extração folicular são praticamente invisíveis.22

Em estudo comparativo e randomizado entre Scen e suspensão de células não cultivadas da bainha externa folicular (SCNCBEF) com 30 pacientes, foi obtida repigmentação de 92% e 78% das lesões respectivamente, diferença, contudo, que não foi estatisticamente significativa.24

Suspensão de células cultivadas

O cultivo in vitro de melanócitos (Figura 8) associados ou não a queratinócitos pode elevar dramaticamente o número de células transplantadas. Sendo assim, a partir de um pequeno fragmento de pele, pode ser obtida uma quantidade de células suficiente para tratar grandes áreas, sendo essa uma das maiores vantagens dessa técnica.25 Esse método pode produzir taxas de repigmentação ainda maiores, quando comparado a técnicas sem cultivo.25,26 Em estudo recente, a suspensão de células cultivadas (SCC) foi capaz de produzir mais de 90% de repimentação em até 81,3% dos pacientes.9

Apesar dessas vantagens, o fator do custo, a necessidade de equipe especializada e de equipamentos laboratorias de cultivo celular são desvantagens importantes do método.1 Além disso, uma vez que os meios de cultivo contêm fatores mitogênicos, o seguimento prolongado dos pacientes é recomendado devido ao potencial teórico de transformação maligna pós-transplante.26 Apesar de esse risco ainda ser considerado barreira ética no emprego da técnica para fins terapêuticos em alguns países, a literatura médica apresenta cada vez mais estudos com ausência de eventos adversos.9,25

 

Referências

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Trabalho realizado no Hospital Santa Casa de Curitiba – Curitiba (PR), Brasil.


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