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Relato de casos

Terapia tríplice no tratamento do queloide na face anterior do tórax

Célia Luiza Petersen Vitelo Kalil1; Stela Cignachi2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201683813

Data de recebimento: 05/05/2016
Data de aprovação: 26/08/2016
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

Queloides apresentam impacto funcional, estético e psicológico podendo influenciar a qualidade de vida desses pacientes. Além disso, diante da alta taxa de recorrência, particularmente em lesões de grandes dimensões e localizadas na face anterior do tórax, são mais difíceis de tratar. Este artigo relata tratamento de sucesso para queloide na face anterior do tórax utilizando nova técnica que combina luz intensa pulsada, toxina botulínica tipo A e tratamento convencional com infiltração de corticosteroide.


Keywords: QUELOIDE; TERAPIA DE LUZ PULSADA INTENSA; TOXINAS BOTULÍNICAS TIPO A; CORTICOSTEROIDES


INTRODUÇÃO

Queloides são lesões benignas constituídas por hiperplasia exuberante do tecido conjuntivo diferenciado da derme, que podem originar-se de alterações no processo de cicatrização da pele ou ser induzidas por traumas causados por lacerações, tatuagens, queimaduras, injeções, mordidas e vacinas, bem como por dermatoses como acne.1

Esse tipo de cicatriz pode ocorrer em diversas regiões, preferencialmente na parte superior ao abdômen, como tórax, ombros e colo. Alguns sintomas relacionados, como prurido, dor e restrição da mobilidade, colaboram para a piora da qualidade de vida dos pacientes acometidos.1

A exata fisiopatologia da formação desse tipo de cicatrizes é desconhecida,2 embora estudos tenham demonstrado níveis elevados de fator de crescimento tumoral beta (TGFb1) nos fibroblastos dos queloides, incluindo aumento da produção de colágeno, incremento na expressão de integrinas, diminuição na expressão de metaloproteinases e na expressão de inibidores de metaloproteinases.3

Muitos tratamentos estão disponíveis, mas a maioria deles tem limitações e resolução restrita.4 Alguns consagrados, tais como o corticosteroide intralesional e as placas de silicone, são utilizados para tratamento das cicatrizes inestéticas devido à facilidade de seu uso. Em pacientes com cicatrizes largas, em que a dificuldade de tratamento é ainda maior, opta-se normalmente pela remoção cirúrgica.3 Outros tipos de tratamento com associação de técnicas são relatados, como radioterapia adjuvante, infiltrações intralesionais de 5-fluourouracil ou bleomicina, aplicações de interferon ou imiquimod e betaterapia.1

Contudo, a melhora do aspecto da lesão em mais de 80% lesão é rara, dadas a necessidade da manutenção do tratamento e as dificuldades decorrentes das dimensões e localização das lesões.4 Com o intuito de diminuir tais limitações e obter melhores resultados, propomos nova modalidade de tratamento com base na terapia tríplice utilizando corticosteroide intralesional, luz intensa pulsada (LIP) e toxina botulínica tipo A (TXBA).

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, de 25 anos, fototipo II de Fitzpatrick, natural e procedente de Canoas, Rio Grande do Sul, com história familiar de queloide, apresentou-se à consulta por lesão única cicatricial tipo queloidiana com bordas irregulares, eritematosa, dolorosa à palpação, localizada na região central da face anterior do tórax, medindo 8 x 1,7cm e com crescimento progressivo há 15 anos. Relatava surgimento da lesão após doença viral e referia a realização de diversos tratamentos sem sucesso com crioterapia e corticosteroides (Figura 1).

 

MÉTODO

A paciente foi submetida à aplicação de anestésico tópico com lidocaína 10% e tetracaína 7%, oclusivo, por 40 minutos na área do queloide, seguida de assepsia local com clorexidina aquosa 2%. Foi realizado o tratamento combinado da terapia tríplice, com quatro sessões mensais, na seguinte sequência:

1- LIP 540nm, ponteira 12mm, duração de pulso 15ms, fluências de 15-17J/cm2, 1-2 passadas, cooling 5, em toda a lesão. O aparelho utilizado foi IPL ETHEREA® da INDUSTRA® Technologies, São Paulo, Brasil.

2- 28UI Onabotulinumtoxin A (Botox®) frasco de 100UI, diluição de 2,5ml de soro fisiológico 0,9% aplicadas no plano subdérmico de maneira uniforme.

3- 1ml de corticosteroide intralesional (Triancil®), 40mg/ml. A aplicação foi realizada de forma uniformemente fracionada: o medicamento foi aplicado em todo o queloide em quantidade maior na área de maior hipertrofia.

Após o procedimento, foi realizada a oclusão da área tratada com micropore, e a paciente orientada a retirar em 24 horas, mantendo a oclusão da área tratada com placa de silicone à noite e uso de fotoprotetor durante o dia.

 

RESULTADOS

Houve melhora na espessura da lesão em todas as áreas tratadas, com maior representatividade em suas áreas mais elevadas, melhora do eritema e diminuição da vascularização local. A paciente apresentou melhora clínica da dor e do desconforto, assim como redução no crescimento da lesão desde início do tratamento mostrando satisfação com os resultados (Figuras 2 e 3).

 

DISCUSSÃO

Queloides são cicatrizes patológicas conhecidas como alterações fibroproliferativas, espessas e elevadas que se estendem lateralmente em relação às margens iniciais da lesão cutânea, caracterizadas, pela hiperprodução de fibras colágenas e, secundariamente, pela hiperplasia de fibroblastos.5 Não apresentam regressão espontânea e possuem tendência a recidiva após sua ressecção. Além disso, queloides não são esteticamente aceitáveis, sobretudo se estiverem associados a sintomas. Ainda hoje, não existe terapêutica isolada ou associação de técnicas, universalmente aceita, que permita tratamento efetivo e que evite as recorrências.

No caso apresentado trata-se de lesão queloidiana em fase de atividade e sintomática, em localização anatômica de difícil controle, portanto com maior dificuldade de obtenção de resultados satisfatórios aos tratamentos convencionais. Optamos, então, pelo tratamento combinado da LIP, TXBA e infiltração com corticoide já relatado por Wu.6

Recentemente, estudos têm demonstrado a importância da associação de técnicas como cirurgia, laser e medicamentos para melhora dos resultados no tratamento das cicatrizes inestéticas,7 apresentando algorítimo de tratamento das cicatrizes baseado no tipo de lesão cicatricial.

Poucos estudos têm relatado a eficácia da LIP para tratamento de cicatrizes hipertróficas ou queloides, referindo limitações no uso desse tipo de tratamento para fototipos altos, pelo risco de complicações pigmentares.1 Alguns têm demonstrado melhora na redução da textura, tamanho e coloração do queloide tratado, outro estudo revela a necessidade de no mínimo seis sessões com intervalos de duas a quatro semanas para melhora na redução do tamanho da cicatriz hipertrófica tratada. Com o uso da LIP obtivemos melhora no aspecto vascular do queloide, com melhora do eritema e dor, e redução do tamanho por redução do componente inflamatório local em apenas quatro sessões.

Outra técnica utilizada em associação foi o uso de TXBA. Estudos recentes relatam que a TXBA, como monoterapia, auxilia na inibição do crescimento de cicatrizes hipertróficas e melhora sua aparência pela inativação da atividade dos fibroblastos, podendo inibir a expressão e a proporção do colágeno tipo I e III.8 Outros estudos observaram melhora no volume da lesão, da diminuição da tensão e da recorrência em tratamentos de dois ou três meses; concluíram, contudo, que a eficácia clínica da TXBA permanece incerta.9 Além disso, o queloide tem maior densidade de fibras nervosas na derme do que na pele normal; fibras nervosas que estão localizadas mais profundamente. Assim, podemos observar que houve diminuição do tamanho e da atividade proliferativa do queloide após a inibição da transmissão do impulso nervoso por meio de injeções subdérmicas da TXBA com redução na tensão da atividade muscular entre as fibras cicatriciais.10

A infiltração do corticoide foi utilizada em associação a LIP e a TXBA determinando a inibição da síntese proteica e a migração dos fibroblastos. Em nosso trabalho, podemos observar significativa regressão dos sintomas da paciente pela diminuição do componente volumoso da lesão.

Após o tratamento, optamos pelo uso de placa de silicone para compressão do local, mantendo a compressão mecânica e levando à reorganização das fibras de colágeno durante o tratamento. Embora o mecanismo ainda não esteja completamente esclarecido, cogita-se, em virtude de sua impermeabilidade sobre o estrato córneo, uma contínua hidratação cutânea, com redução da hiperemia e fibrose incipientes.5

 

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos demonstram eficácia no tratamento do queloide utilizando a terapia tríplice, apesar dos índices de recidiva da lesão ativa, sintomática e com fatores prognósticos desfavoráveis, como a localização. Além disso, demonstrou que há a associação, nas cicatrizes fibroproliferativas da atividade inflamatória vascular, do estímulo neurológico e da hiperproliferação do colágeno. O tratamento proposto para esse queloide, com associação de técnicas foi seguro e bem tolerado e deve ser considerado no manejo desse tipo de lesões.

 

Referências

1. De Oliveira Junior B, Lastoria JC, Pereira HR, Silveira LVA, Oliveira LP, Stolf HO. Estudo comparativo entre o tratamento radioterápico com elétrons e betaterapia, após cirurgia de queloides. Surg Cosmet Dermatol. 2009;1(2):53-7.

2. Mamalis AD, Lev-Tov H, Nguyen DH, Jagdeo JR. Laser and light-based treatment of Keloids - a review. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2014;28(6):689-99.

3. Li W, Wang Y, Wang X, Liu Z. A Keloid Edge Precut, Preradiotherapy Method in Large Keloid Skin Graft Treatment. Dermatol Surg. 2014;40(1):52-7.

4. Vrijman C, Drooge AM, Limpens J, Bos JL, Van der ven JPW, Spuls PI. Laser and intense pulsed light therapy for the treatment of hypertrophic scars: a systematic review. Br J Dermatol. 2011;165(5):934-42.

5. Berman B, Perez OA, Konda S, Khout BE, Vieira MH, Delgado S. A Review of the Biologic Effects, Clinical Efficacy, and Safety of Silicone Elastomer Sheeting for Hypertrophic and Keloid Scar Treatment and Management. Dermatol Surg. 2007;33(11):1291-302; discussion 1302-3..

6. Wu WTL. Skin resurfacing with microbotox and the treatment of keloids. In: Benedetto AV, editor. Botulinum toxins in clinical aesthetic practice. 2th. New York: Taylor & Francis, 2006. p: 109-205.

7. Waibel JS, Rudnick A. Current trends and future considerations in scar treatment. Semin Cutan Med Surg. 2015;34(1):13-6.

8. Antonio CR, Antônio JR, Trídico LA. Toxina botulínica: revisão de sua aplicabilidade em doenças ao alcance do dermatologista. Surg Cosmet Dermatol. 2014;6(3):268-76.

9. Gauglitz GG. Management of keloids and hypertrophic scars: current and emerging options. Clin Cosmet Investig Dermatol. 2013;6:103-14.

10. Haedersdal M, Moreau KE, Beyer DM. Fractional nonablative 1540 nm laser resurfacing for thermal burn scars: a randomized controlled trial. Lasers Surg Med. 2009;41(3):189-95.

 

Trabalho realizado na clínica privada das autoras – Porto Alegre (RS), Brasil.


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