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Artigo Original

Tratamento da porção inferior do músculo orbicular dos olhos com microdoses de toxina botulínica: série de 300 casos

Guilherme Bueno de Oliveira1; Natália Cristina Pires Rossi2; Bárbara Maria Tarraf Moreira3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201683874

Data de recebimento: 29/07/2016
Data de aprovação: 16/09/2016
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: A aplicação da toxina botulínica nos músculos periorbitais é utilizada para reduzir linhas de expressão na região, corrigir a altura das sobrancelhas e tratar o blefaroespasmo. Essa área de aplicação pode gerar efeitos colaterais indesejáveis como ptose palpebral, edema das pálpebras inferiores, linha de demarcação com aspecto artificial entre a área tratada do músculo orbicular e a região malar, ectrópio e hematomas.
Objetivo: Tratamento de rugas dinâmicas da porção inferior do músculo orbicular dos olhos por meio de injeções de microdoses de toxina botulínica.
Métodos: Estudo prospectivo e unicêntrico de observação longitudinal analítica de 300 pacientes submetidos ao tratamento com microdoses de toxina botulínica das rítides de pálpebras inferiores. Foram analisados dados sociodemográficos, nível de satisfação, quantificação de dose e complicações.
Resultados: 66% dos pacientes apresentaram melhora total das rugas após a primeira sessão. Os demais necessitaram de mais uma sessão. 86% preferiram o tratamento com essa modalidade terapêutica.
Conclusões: Mesmo com o grande benefício trazido pelos pontos clássicos para o tratamento das rítides periorbitais do Tipo I a III, verificamos a necessidade do tratamento das rítides do tipo B (presença de rugas na pálpebra inferior). Devido ao grande índice de complicações na região, microdoses de toxina botulínica mostraram-se eficazes e seguras.


Keywords: TOXINAS BOTULÍNICAS TIPO A; ESTÉTICA; DERMATOLOGIA


INTRODUÇÃO

Toxina botulínica (TB) é neurotoxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum, normalmente encontrada em plantas, no solo, na água e no trato intestinal de animais.1 Trata-se de toxina usada no combate às linhas de expressão, no tratamento de desordens de espasticidade, estrabismo, nistagmo e blefaroespasmo.1,2

A TB interfere na transmissão neural, bloqueando a liberação extracelular da acetilcolina, que é o principal neurotransmissor da junção neuromuscular que estimula os músculos à contração.1,3,4

A TB tipo A é a mais potente e foi a primeira a ser utilizada e disponibilizada nos Estados Unidos para uso clínico. É considerada a toxina biológica mais potente para os seres humanos.2,5

A aplicação da TB nos músculos periorbitais é utilizada para reduzir as linhas de expressão na região, corrigir a altura das sobrancelhas e tratar blefaroespasmo.4 Essa área de aplicação pode gerar efeitos colaterais indesejáveis como ptose palpebral, edema das pálpebras inferiores, linha de demarcação artificial entre a área tratada do músculo orbicular e região malar, xeroftalmia, ectrópio, estrabismo e hematomas.4

Esse trabalho possui o objetivo de demonstrar o tratamento da porção inferior do músculo orbicular dos olhos com microdoses de TB.

 

MÉTODOS

Foi realizado estudo prospectivo e unicêntrico de observação longitudinal analítica de 300 pacientes submetidos ao tratamento com microdoses de toxina botulínica – (Onabotulinumtoxina A – BoNT/A, Botox®, Allergan Inc., EUA) das rítides periorbitais situadas no terço inferior do músculo orbicular dos olhos, ou seja, abaixo do arco zigomático, atendidos em clínica privada. Os pacientes tratados no período acima foram submetidos a fotografias digitais padronizadas e acompanhados no sistema da própria clínica.

a) Seleção dos pacientes – Critérios de inclusão

Os pacientes selecionados para o estudo deveriam apresentar, obrigatoriamente, como queixa principal rugas dinâmicas periorbitais. Incluímos os casos em que existissem rítides situadas no terço inferior do músculo orbicular dos olhos.

Todos os pacientes do estudo deveriam já ter realizado o tratamento das rítides dinâmicas periorbitais com TB pela aplicação convencional há mais de seis meses. Este critério foi importante para a comparação do grau de satisfação do paciente entre os dois métodos de tratamento (convencional x microdoses). Pacientes que nunca trataram a região com TB previamente não foram incluídos no estudo.

b) Critérios de exclusão

Os pacientes excluídos do trabalho apresentavam contraindicações para o uso da TB, como a presença de doenças neuromusculares, dentre elas a miastenia gravis, doenças autoimunes em atividade, gravidez, amamentação, reação alérgica ao produto e infecção local.

Também não foram selecionados pacientes que nunca haviam realizado tratamento com TB, que tivessem sido tratados com TB num período inferior a seis meses ou que já tivessem realizado o tratamento da região estudada com microdoses de TB. Esse critério de exclusão foi importante para compararmos o grau de satisfação do paciente entre os dois métodos.

c) Técnica

Diluição

A diluição da TB para microdoses se inicia com a diluição de um frasco de 100U de toxina botulínica (Botox®) com 2ml de soro fisiológico 0,9%. Dessa solução, retira-se 0,04ml (duas unidades) acrescentando-se 0,40ml (volume correspondente a 10 "unidades") de soro fisiológico 0,9% em seringa BD Ultra Fine II® curta de 1ml e agulha 8mm, completando volume total de 0,48ml (12 "unidades"). Essa é a diluição final, sendo cada 0,04ml uma unidade que pode ser denominada uma unidade de microdose de TB (UnMDTB).

Área de estudo

Definiu-se como terço inferior do músculo orbicular dos olhos a região abaixo de uma linha imaginária a partir do canto lateral dos olhos (Figura 1). A região acima dessa linha e o restante do terço superior do rosto foram tratados com pontos clássicos.

Usou-se a seguinte classificação das rugas periorbitárias6 para o estudo:

TIPO I – rugas laterais ao canto externo do olho, estendendo-se da sobrancelha até o arco zigomático.

TIPO II – rugas laterais ao canto externo do olho, estendendo-se da linha do canto externo do olho até o arco zigomático (ausência de rugas na região lateral superior).

TIPO III – presença de rugas exclusivamente na linha do canto externo.

Esses três tipos de rugas podem apresentar-se com:

A – ausência de rugas na pálpebra inferior;

B – existência de rugas na pálpebra inferior, obedecendo à seguinte subclassificação (Figura 1):

B1 – rugas laterais,

B2 – rugas mediais,

B3 – rugas no canto medial.

Todos os pacientes selecionados para o estudo possuíam a classificação B, sendo as rugas subclassificadas para o cálculo do número de UnMDTBs para o tratamento da região.

Método de aplicação e dose escolhida

O número de microdoses utilizado em cada paciente foi calculado em função da força muscular da região e da formação das rítides dinâmicas. Após a classificação dos pacientes em tipos B1, B2, B3 e B1+B2+B3 (pacientes que possuíam rítides em todos os locais), determinou-se a área de extensão das rítides dinâmicas, ou seja, a área a ser tratada, que abrangeria toda a região em que se formassem rítides ao movimento. Para este estudo não houve restrição anatômica, portanto, os pontos iniciais foram as rítides mais próximas à margem orbital e os pontos inferiores respeitaram a última rítide inferior. Os pontos foram marcados a cada 0,5cm, em linhas horizontais paralelas, com marcação no sentido craniocaudal.

A marcação inicial foi de seis a 24 pontos no caso dos pacientes tipo B1, seis a 12 pontos no caso do tipo B2 e entre três e seis pontos no caso do tipo B3 (Figura 2). Na segunda visita, 15 dias após a aplicação inicial, sendo ainda identificadas rugas na região, foram aplicadas microdoses adicionais de TB, seguindo o mesmo padrão de distribuição de pontos descritos acima. Em cada ponto foi aplicada uma UnMDTB com seringa BD Ultra Fine II® curta de 1ml e agulha 8mm. A aplicação foi realizada por via intradérmica.

d) Análise estatística

As variáveis sociodemográficas incluídas foram sexo, idade, raça, classificação de rítides periorbitárias, microdoses de TB utilizadas na aplicação inicial e na segunda, tempo de duração, nível de satisfação comparado a tratamento anterior (M: melhor / I: semelhante / P: pior, a tratamento prévio) e complicações. O estudo transcorreu de acordo com os parâmetros éticos da declaração de Helsinki.

 

RESULTADOS

Trezentos pacientes foram selecionados para o estudo, com média de idade de 45 anos, tendo o mais jovem 18 anos, e o mais velho 72 anos. Oitenta e cinco por cento dos pacientes do estudo eram do sexo feminino. Quanto à raça, 96% eram brancos, 0,5% afro-brasileiros, e 3,5% asiáticos. A distribuição das rítides periorbitais do terço inferior do músculo orbicular dos olhos quantificou 82% dos casos para B1, 10% para total (B1+B2+B3), 5% para B2 e 3% para B3.

A média do número de microdoses de TB utilizadas por sessão para cada tipo de rítide pode ser observada na tabela 1 para a primeira e a segunda sessões. Trinta e quatro por cento dos pacientes necessitaram da segunda sessão. O tempo médio de duração do tratamento foi de 125 dias.

O nível de satisfação dos pacientes pode ser observado no gráfico 1. O resultado final foi registado em fotografias digitais (Figura 3). Entre as complicações correlacionadas com a aplicação de TB na região, foram relatadas dor local e equimose em 14% e 4% dos casos respectivamente.

 

DISCUSSÃO

O estudo contou com a seleção de 300 pacientes, o mais jovem com 18 anos, e o mais velho com 72 anos, sendo a média de idade dos pacientes de 45 anos. Oitenta e cinco por cento dos pacientes eram do sexo feminino, 96% brancos, 0,5% afro-brasileiros, e 3,5% asiáticos.

Visto que os procedimentos estéticos são mais procurados por pacientes do sexo feminino, explica-se a predominância das mulheres neste trabalho. Há outros estudos na literatura apresentando tal predominância do sexo feminino na procura de procedimentos semelhantes.7,8 No Brasil, a população caucasiana apresenta maior poder aquisitivo, o que pode estar correlacionado com maior procura desses pacientes para o tratamento das rítides da região periorbital.7,8

Os pontos clássicos de injeção de TB são na porção lateral do músculo orbicular e foram descritos por Carruthers em 1998, porém, ocasionalmente, tornam-se insuficientes, levando à procura de melhores resultados.9 Há várias publicações de classificações para rugas dinâmicas de diferentes regiões faciais, mostrando a busca constante de evolução dos resultados com aplicações de TB.TB10-12

Este trabalho demonstrou alto índice de eficácia segundo o grau de satisfação do paciente, com 86% dos casos relatando que o resultado foi melhor com a aplicação de microdoses de TB em relação a tratamento prévio somente com pontos clássicos. Quanto à análise das complicações, 14% referiram dor local, e 4% equimose, convergindo com resultados da literatura.11 Ressaltamos que em nenhum dos 300 casos ocorreu a linha de demarcação esteticamente inaceitável entre a pálpebra inferior e a região malar.

O tempo médio de duração do tratamento foi de 125 dias, estando dentro dos valores encontrados na literatura. Costa apresentou em seu trabalho, duração média de 84,5± 38,8 dias para os indivíduos que receberam Toxina 1 (Botox®) e de 89,9 ± 41,1 dias para os pacientes que receberam Toxina 2 (Prosigne®, Cristália, SP, Brasil), sem diferença estatisticamente significativa e, para os investigadores, de 76,8 ± 46,6 e 88,1 ± 43,6 dias respectivamente nos grupos de Toxina 1 e 2, também sem diferença entre os grupos.13

 

CONCLUSÃO

O terço inferior do músculo orbicular dos olhos é área delicada para tratamento com TB, pois há inúmeros efeitos colaterais indesejáveis como edema palpebral, ectrópio, xeroftalmia e, principalmente, a formação de uma linha de demarcação com aspecto artificial entre a área tratada do músculo orbicular e região malar com resultado cosmético pouco atraente. Mesmo com o grande benefício trazido pelos pontos clássicos para o tratamento das rítides periorbitais tipos I a III, verificamos a necessidade do tratamento das rítides do tipo B. Devido ao grande índice de complicações na região, as microdoses de TB mostraram-se eficazes e seguras para o tratamento da região.

 

Referências

1. Nigam PK, Nigam A. Botulinum Toxin. Indian J Dermatol. 2010;55(1):8-14.

2. Baumann L, Elsai M L, GRUNEBAUM L. Botulinum Toxin. In: Baumann L. Cosmetic Dermatology: principles and practice. Mcgraw-Hill Profession-al: New York, 2009. p.169-80.

3. Dressler D, Saberi FA, Barbosa ER. Botulinum toxin: mechanisms of action. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63(1):180-5.

4. El-Minawi H, Elshazly MI, Zayed AA. The effect of Periorbital Botox Injection on the Eye. Kasr El Aini J Surg (Cairo). 2010;11(3):61-6.

5. Hsu YC, Wang HJ, Chuang YC. Intraprostatic Botulinum Neurotoxin Type A Injection for Benign Prostatic Hyperplasia. Open Access Toxinol J. 2016;8(5):126.

6. Tamura BM, Odo M Y. Classification of periorbital wrinkles and treatment with Botulinum Toxin Type A. Surg Cosmet Dermato. 2011;3(2):129-34.

7. Webster RC, Hamdan US, Gaunt JM, Fuleihan NS, Smith RC. Rhinoplastic revi-sions with injectable silicone. Arch Otolar- yngol Head Neck Surg.1986;112(3):269-76.

8. Villarejo Kede MP, Sabatovich O. Ácido Hialurônico: Preenchimento de contor-no nasal. 3ª ed. Rio de Janeiro: Atheneus, 2015.

9. Carruthers A, Carruthers J. Clinical indications and injection technique for the cosmetic use of botulinum A exotoxin. Dermatol Surg. 1998;24(11):1189-94.

10. Almeida ART,Marques ER, Kadunc BV.Glabelar wrinkles:a pilot study of con-traction patterns. Surg Cosmet Dermatol. 2010;2(1):23-8.

11. Tamura BM, Odo MY, Chang B, Cucé LC, Flynn TC. Treatment of nasal wrin-kles with botulinum toxin.Dermatol Surg. 2005:31(3)271-5.

12. Braz AV,Sakuma TH.Patterns of contraction of the frontalis muscle. Surg Cosmet Dermatol. 2010:2(3):191-4.

13. Costa A, Talarico Filho S, Arruda LH, Pecora CS, Ortolan DG, Monteiro EO, et al. Multicenter, prospective, comparative, randomized, double-blind clinical study comparing two botulinum toxin type A formulations registered in Brazil for the treatment of glabellar wrinkles. Surg Cosmet Dermatol 2016;8(1):33-40.

 

Trabalho realizado na clínica privada dos autores – São José do Rio Preto (SP), Brasil.


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