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Preenchimento de tecidos moles: nem tão minimamente invasivo

Samer Habre1; Marwan William Nasr2; Maya Habre3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201682762

Data de recebimento: 27/01/2016
Data de aprovação: 27/05/2016
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse:Nenhum

Abstract

O preenchimento cutâneo de tecidos moles é uma prática frequente. No entanto há potenciais sérias complicações associadas. A opiniao dos autores é de que os profissionais que realizam procedimentos de preenchimento cutâneo devem possuir sólido conhecimento de anatomia e completo domínio da técnica de injeção de preenchedores. A conduta em potenciais casos de complicações deve ser iniciada precocemente e conduzida de maneira eficiente.


Keywords: CEGUEIRA; ÁCIDO HIALURÔNICO; INJEÇÕES


A injeção de preenchedores cutâneos em tecidos moles é prática frequente. Em 2014 foram realizadas 2,3 milhões de injeções nos Estados Unidos, correspondendo a um aumento de 253% em relação ao ano de 2000. 1

Tal procedimento vem se tornando uma rotina na prática dermatológica e da cirurgia plástica, e as injeções são descritas como sendo minimamente invasivas. No entanto, complicações sérias e irreversíveis e potencialmente fatais podem ocorrer. Por outro lado, não há treinamento formal ou bem estabelecido durante os anos de residência médica e os médicos dependem de workshops e auto-aprendizado baseado em vídeos para começarem a realizar o procedimento. Adicionalmente, as injeções de preenchedores cutâneos são algumas vezes realizada por clínicos gerais, geralmente desprovidos de qualquer conhecimento sobre anatomia. O número crescente de relatos de complicações sérias na literatura é um fato alarmante.

A técnica de injeção de preenchedores cutâneos deve ser implementada com base em sólido conhecimento anatômico da região corporal em questão. Não somente pequenas complicações, mas danos severos e irreversíveis já foram descritos.

Em recente artigo de revisão da literatura, foram encontrados 10 casos de cegueira após injeções de preenchedores na face. 2 Dois pacientes desenvolveram cegueira transitória e 8 cegueira permanente no olho afetado. As substâncias injetadas foram: colágeno bovino, polimetil-metacrilato, ácido hialurônico e hidroxiapatita de cálcio. O nariz foi a área mais frequentemente injetada: raiz (1 paciente), dorso (2 pacientes), ponta (2 pacientes). Os 5 casos restantes incluem as seguintes áreas: frontal (1 paciente), glabela (2 pacientes) e glabela e região malar (2 pacientes).

Em outro importante estudo realizado pela The Korean Retina Society, 3 uma pesquisa em âmbito nacional, verificou que 22 pacientes desenvolveram complicações graves após serem submetidos a injeções de preenchedores em tecidos moles. Considerando as injeções de ácido hialurônico, 5 pacientes apresentaram oclusões difusas e 7 apresentaram oclusões localizadas. A perda de visão de longo prazo ocorreu em 43% dos pacientes e 1 paciente sofreu lesão cerebral. A isquemia do segmento anterior se manifestou como edema da córnea em 5 pacientes (39%), enquanto a inflamação da câmara anterior ocorreu em 7 pacientes (54%). As regiões injetadas foram as seguintes: glabela, sulcos nasolabiais e nariz - rinoplastia para aumento nasal.

Essas graves complicações neurológicas e oculares resultam da configuração específica da vasculatura da face, em que ramos arteriais internos e externos se conectam. A embolização está relacionada ao deslocamento arterial retrógrado do produto injetado (originando-se nos vasos periféricos e adentrando o sistema arterial oftálmico, próximo à origem da artéria da retina). Após a injeção, a pressão sistólica impulsiona a coluna do material preenchedor para dentro da artéria oftálmica e seus ramos. Os mesmos êmbolos podem se deslocar mais distalmente, atingindo a artéria carótida interna, causando embolia cerebrovascular e acidente vascular cerebral.

Tais incidentes podem ser evitados utilizando-se uma técnica adequada para a injeção do preenchedor cutâneo. 4 Aspirar antes de injetar, injetar vagarosamente com um mínimo de pressão, realizar injeções suplementares, utilizar microcânulas de ponta romba são algumas das técnicas que auxiliam a evitar injeções intravasculares. Em caso de desenvolvimento de sintomas oculares recomenda-se: encaminhar com urgência ao oftalmologista, injetar de 300 a 600UI (2 a 4ml) de hialuronidase na região retrobulbar e injetar hialuronidase na área de aplicação do preenchedor cutâneo. Tal manejo de emergência deve ser realizado num prazo de 90 minutos após a aplicação do preenchedor. 5

Da mesma forma, necrose cutânea também pode ocorrer como resultado da injeção de preenchedores cutâneos, com uma maior frequência de descrição de casos na literatura.

Infelizmente, casos de cegueira e necrose cutânea resultando da injeção de preenchedores cutâneos nem sempre são publicados e quando isso ocorre, há ausência de explicação sobre a técnica de injeção utilizada. No contexto da falta de um banco de dados formal para o registro de complicações graves, conclui-se que tais eventos são na realidade mais frequentes do que os profissionais aplicadores imaginam. Dessa forma, profissionais que aplicam preenchedores cutâneos devem ser extremamente cautelosos e utilizar as técnicas minimamente invasivas, valendo-se de um robusto conhecimento da anatomia vascular e de técnicas seguras de injeção.

As Sociedades de Cirurgia Plástica e de Dermatologia devem trabalhar no sentido de alertar sobre o alarmante e crescente número de complicações graves resultantes de injeções de preenchedores cutâneos em tecidos moles.

 

Referências

1. American Society of Plastic Surgeons (2015) Report of the 2014 Statistics: ASPS National Clearinghouse of Plastic Surgery Procedural Statistics. Available at: http://www.plasticsurgery.org/Documents/news-resources/statistics/2014-statistics/plastic-surgery-statsitics-full-report.pdf

2. Lazzeri D, Agostini T, Figus M, Nardi M, Pantaloni M, Lazzeri S. Blindness following cosmetic injections of the face. Plast Reconstr Surg. 2012; 129(4): 994-1012.

3. Park KH, Kim YK, Woo SJ, Kang SW, Lee WK, Choi KS, et al. Iatrogenic occlusion of the ophthalmic artery after cosmetic facial filler injections. A National survey by the Korean Retina Society. JAMA Ophthalmol. 2014; 132(6): 714-23.

4. Carruthers JD, Fagien S, Rohrich RJ, Weinkle S, Carruthers A. Blindness caused by cosmetic filler injection: a review of cause and therapy. Plast Reconstr Surg. 2014; 134(6): 1197-201.

5. Beleznay K, Carruthers JD, Humphrey S, Jones D. Avoiding and Treating Blindness From Fillers: A Review of the World Literature. Dermatol Surg. 2015; 41(10): 1097-117.

 

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva, Hospital Hôtel-Dieu de France, Faculdade de Medicina da Universidade Saint Joseph - Beirute, Líbano.


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