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Relato de casos

Reação granulomatosa tardia por ácido hialurônico associada à artrite reumatoide em uso de leflunomide

Fabiane Mulinari-Brenner1; Donelle Cummings2; Betina Werner3; Marina Riedi Guilherme4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201682742

Data de recebimento: 26/11/2015
Data de aprovação: 27/05/2016
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

O ácido hialurônico é o preenchedor atualmente mais utilizado na dermatologia devido ao baixo risco de efeitos colaterais. O objetivo deste trabalho é relatar um caso de reação granulomatosa após preenchimento com dois tipos de ácido hialurônico, na região perioral e no sulco nasogeniano. A paciente, portadora de artrite reumatoide em tratamento com leflunomide, apresentou início dos sintomas 30 meses após o preenchimento. Doenças autoimunes podem facilitar a ocorrência de complicações e devem ser observadas com cuidado antes do preenchimento com ácido hialurônico. Como já relatado com uso de interferon e omalizumab, a reação granulomatosa por preenchedores pode ocorrer após o uso de leflunomide.


Keywords: ÁCIDO HIALURÔNICO; GRANULOMA; ARTRITE REUMATOIDE; REAÇÃO A CORPO ESTRANHO


INTRODUÇÃO

Os preenchedores ideais apresentam baixa incidência de complicações, baixo potencial de alergenicidade e reações inflamatórias, efeito duradouro, ausência de migração, fácil aplicação e boa relação custo/benefício. Os produtos que mais se aproximam desse perfil são os derivados do ácido hialurônico (AH). Apesar da segurança habitual, casos de granulomas e outras complicações têm sido descritos. Relatamos uma ocorrência de reação granulomatosa após o preenchimento, associada ao início do uso de leflunomide.

 

RELATO DE CASO

Paciente MRS, de 59 anos, com queixa de rugas periorais. Apresentava histórico de artrite reumatoide e síndrome de Sjögren bem controladas. Em maio de 2007, após consentimento informado assinado, foi realizado preenchimento cutâneo dérmico profundo com gel de AH de alta viscoelasticidade no sulco nasogeniano e dérmico superficial com gel de menor viscosidade na região perioral superior. Duas semanas após o procedimento, a paciente estava satisfeita com o resultado, mas uma discreta hipercorreção em um sulco transversal do lábio superior à esquerda foi percebida. Uma pápula palpável de 0,3cm de diâmetro revelou-se persistente em reavaliação três meses após o procedimento. Como era pouco perceptível, optou-se pela observação da evolução. O retorno para avaliação 19 meses depois demonstrou persistência da lesão na região supralabial esquerda.

Trinta meses após o preenchimento, a paciente retornou por surgimento de múltiplos nódulos na região supralabial bilateralmente, com evolução de duas semanas e aumento progressivo. Negava outros procedimentos estéticos na área desde o preenchimento inicial. Referia piora do quadro da artrite reumatoide há quatro meses, com aumento da prednisona para 20mg/dia por duas semanas e início de leflunomide 20mg/dia. Uma biópsia da lesão nodular demonstrou dermatite crônica granulomatosa de corpo estranho ocupando derme superficial e profunda. No centro da reação um material amorfo compatível com AH foi observado (Figura 1). Foi proposto o tratamento com infiltração intralesional de hialuronidase, porém a paciente rejeitou, tendo sido prescrita corticoterapia sistêmica, com prednisona via oral 1mg/kg durante duas semanas e 0,5mg/kg por mais duas semanas, e suspensão do leflunomide, com melhora do quadro.

 

DISCUSSÃO

O AH é considerado o preenchedor cutâneo mais seguro, com boa resposta cosmética. É polissacarídeo natural, importante elemento estrutural da pele, subcutâneo, tecido conjuntivo e líquido sinovial. Pertence a um grupo de poucas substâncias que são idênticas em todos os seres vivos. Age adicionando volume aos tecidos e restaurando o contorno. Ainda assim, existem alguns casos de efeitos colaterais apresentados pelo produto.1

Interferon e imunomoduladores novos podem produzir reação granulomatosa em pacientes com preenchedores dérmicos, tanto com AH como com hidroxiapatita de cálcio. Apesar de essa complicação ser pouco relatada e muitas vezes o preenchedor utilizado ser de difícil identificação, esse parece ser o primeiro caso descrito com o leflunomide. E, tendo a paciente sido acompanhada desde o procedimento, foi fácil evidenciar.

O leflunomide interfere no ácido hialurônico sintase, suprimindo a produção de AH nos sinoviócitos tipo fibroblastos, num efeito dose-dependente, beneficiando o tratamento da artrite reumatoide. Pouco se sabe sobre sua interferência no AH da pele. O uso de leflunomide, assim como do metotrexate, em pacientes com artrite reumatoide favorece o desenvolvimento de resposta granulomatosa com aumento da frequência de nódulos reumatoides.2

No caso em questão, não é possível excluir a hipótese de que o uso frequente de corticosteroides sistêmicos possa ter mascarado um granuloma preexistente, mas a evolução rápida depois do início do leflunomide e a melhora após sua suspensão sugerem o envolvimento da droga no processo. Um desvio da imunidade T helper 2 (Th2) para Th1 pode explicar a reação granulomatosa como descrita no granuloma induzido por interferon.3 Outra possibilidade é que um aumento de dose de corticosteroides seguido de rápida redução pode colaborar para esse processo, apesar de a paciente negar doses superiores a 20mg/dia de prednisona.

Considerando a associação com artrite reumatoide, alguns relatos sugerem a contraindicação relativa de preenchimentos com AH em pacientes com lúpus eritematoso e doenças do colágeno, mas nenhum relato cita a artrite reumatoide.

Comparando propriedades físicas dos preenchedores cutâneos à base de AH, como taxa de gel fluido, grau de modificação do AH, porcentagem de cross-linking, tamanho da partícula e módulo, definem-se o comportamento do produto e a profundidade em que deve ser aplicado para melhor resposta clínica.4 Por esse motivo, dois tipos diferentes de AH foram utilizados na paciente, e aparentemente ambos apresentaram reação, pois todas as áreas preenchidas foram afetadas.

Comparando os diversos preenchedores cutâneos, o AH é excelente escolha para aumento do volume labial e perilabial devido a suas propriedades hidrofílicas nos tecidos.3 Os preenchedores com AH de origem não animal podem causar mais frequentemente hematomas, edemas e eritemas. Essas complicações são mais comuns na região labial, devido à maior vascularização e tendência ao edema na área. Ambos os utilizados não eram derivados de animais. Os produtos Restylane® (QMed AB, Suécia, Uppsala) são produzidos pela fermentação de culturas de Streptococcus, parcialmente reticulados pela tecnologia Nasha (non-animal stabilized hyaluronic acid). O Restylane Fine Lines® possui 20mg/ml de AH e é indicado no tratamento de rugas finas e superficiais, como as da região perioral. O Perfectha Deep® é gel de AH de alta viscoelasticidade, utilizado para rugas mais profundas, como as do sulco nasogeniano. Possui 24mg/ml de AH, estabilizado mediante pontes de hidrogênio, que permitem a formação de um gel estável. Os produtos foram utilizados nos níveis de injeção adequados. Ambos apresentam baixas quantidades de proteínas e endotoxinas (<0,25 Iu/g) com raras reações de hipersensibilidade.

Os efeitos colaterais dos preenchedores são divididos em intermediários (de um a 12 meses após o preenchimento) e longo prazo (12 meses depois do preenchimento).3 Os intermediários envolvem efeitos locais (edema, angioedema, endurecimento da pele, nódulos) ou sistêmicos (febre, artralgias, artrite, lesões de pele, olho e boca secos). Dor, eritema, edema e equimoses podem ser esperados nas primeiras duas semanas; edema persistente, entretanto, já foi relatado.5 Nos casos de granuloma ao AH nas primeiras semanas após o preenchimento, especulase a indução por uma contaminação proteica no momento do procedimento, possivelmente pelo biofilme criado ao redor do local de implantação.6 Entre os efeitos colaterais de longo prazo, as reações granulomatosas são as mais temidas. Trauma e injeção de outras substâncias preenchedoras no mesmo local do AH são possíveis causas para o início do processo. No caso descrito, entretanto, além de o aparecimento ser tardio, a paciente negou qualquer outro procedimento ou agressão no local nos últimos 30 meses, afastando esses fatores desencadeantes. Reações granulomatosas ou inflamatórias tardias, sem fatores associados, foram relatadas em alguns casos após múltiplas infiltrações com AH.3,7 Na maioria dos casos descritos as reações não passam de 18 meses após o preenchimento, embora possam ocorrer em até 36 meses, durante o período de degradação enzimática.7 No caso em discussão, 30 meses foram necessários para o início do quadro.

Apesar de as reações tardias ao AH se apresentarem de forma persistente ou recidivante em mais de 20% dos casos, nesse caso houve melhora dos sintomas com corticoterapia sistêmica, sem recidivas.3

 

CONCLUSÃO

O preenchedor ideal ainda é utópico, e é preciso avaliar riscos e benefícios caso a caso. Antes do procedimento é necessário informar o paciente dos potenciais riscos. A artrite reumatoide, assim como o uso de medicações como o leflunomide, pode facilitar a ocorrência de complicações e deve ser contraindicação relativa ao preenchimento com AH. Embora infreqüentes, as complicações aos implantes com AH podem ocorrer tardiamente, após o período médio de degradação (18 meses depois do preenchimento).

 

Referências

1. Park HJ, Jung KH, Kim SY, Lee J-H, Jeong JY, Kim JH. Hyaluronic acid pulmonary embolism: a critical consequence of an illegal cosmetic vaginal procedure. Thorax. 2010;65(4):360-1.

2. Stuhlmeier KM. Effects of leflunomide on hyaluronan synthases (HAS): NF-kappa B-independent suppression of IL-1-induced HAS1 transcription by leflunomide. J Immunol. 2005;174(11):7376-82.

3. Bitterman-Deutsch O, Kogan L, Nasser F. Delayed immune mediated adverse effects to hyaluronic acid fillers: report of five cases and review of the literature. Dermatology Reports [Internet]. 2015;7(1):12-4.

4. Kablik J, Monheit GD, Yu L, Chang G, Gershkovich J. Comparative physical properties of hyaluronic acid dermal fillers. Dermatol Surg. 2009;35(Suppl. 1):302-12.

5. Arron ST, Neuhaus IM. Persistent delayed-type hypersensitivity reaction to injectable non-animal-stabilized hyaluronic acid. J Cosmet Dermatol. 2007;6(3):167-71.

6. Mamelak AJ, Katz TM, Goldberg LH, Graves JJ, Kaye VN, Friedman PM. Foreign body reaction to hyaluronic acid filler injection: In search of an etiology. Dermatol Surg. 2009;35(Suppl. 2):1701-3.

7. Sage RJ, Chaffins ML, Kouba DJ. Granulomatous foreign body reaction to hyaluronic acid: Report of a case after melolabial fold augmentation and review of management. Dermatol Surg. 2009;35(Suppl. 2):1696-700.

 

Trabalho realizado no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) - Curitiba (PR), Brasil.


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