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Relato de casos

Enxerto por raspagem epidérmica no vitiligo estável: uma opção terapêutica

Beatriz Lopes Ferraz Elias1; Flávia Regina Ferreira2; Elisângela Manfredini Andraus de Lima3; Carolina Forte Amarante4; Samuel Henrique Mandelbaum5

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201682760

Data de recebimento: 24/01/2016
Data de aprovação: 01/06/2016
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse:Nenhum

Abstract

O vitiligo é despigmentação adquirida caracterizada pela perda parcial ou total dos melanócitos da epiderme. Inúmeras modalidades terapêuticas foram propostas para seu tratamento. Nos casos de vitiligo estável os tratamentos cirúrgicos são a preferência. O enxerto por raspagem epidérmica é uma variante da técnica de microenxertos por punch. Constitui técnica nova, simples e de baixo custo, com altas taxas de repigmentação. O objetivo deste relato é demonstrar a experiência dos autores com essa técnica e discutir os resultados obtidos numa série inicial de dois casos (três lesões).


Keywords: FOTOTERAPIA; VITILIGO; TRANSTORNOS DA PIGMENTAÇÃO; DERMABRASÃO; MELANÓCITOS


INTRODUÇÃO

O vitiligo é desordem que consiste em despigmentação adquirida, esteticamente desfigurante, caracterizada pela perda parcial ou total dos melanócitos da epiderme. Acomete percentual que varia de 0,5 a 1% da população mundial.1 Apresenta-se como máculas hipo ou acrômicas, geralmente bilaterais e simétricas. É classificado em diversas formas clínicas: vulgar, acrofacial/acral, focal, mucosa, segmentar e universal.2 Inúmeras modalidades terapêuticas foram propostas para seu tratamento. Nos casos de vitiligo estável, definido pela ausência tanto de novas lesões como de progressão das já existentes, bem como do fenômeno de Koebner por pelo menos um ano, os tratamentos cirúrgicos são a preferência.3 Os tratamentos cirúrgicos têm sido reportados desde 1964, e inúmeras técnicas foram desenvolvidas.4 A escolha do método depende da localização das lesões, da extensão do quadro, do fototipo do paciente e da experiência do cirurgião. O quadro 1 descreve as principais técnicas cirúrgicas e suas indicações. O enxerto por raspagem epidérmica é uma variante da técnica de microenxertos por punch. Constitui técnica nova, simples e de baixo custo, com altas taxas de repigmentação. Seu resultado é comparado ao das técnicas de transplante com cultura de melanócitos.3 Apesar de se tratar de técnica mais recente, já se encontra bastante difundida em alguns países, como, por exemplo, a Índia. O objetivo deste relato é demonstrar a experiência dos autores com essa técnica e discutir os resultados obtidos numa série inicial de dois casos (três lesões).

 

RELATO DE CASOS

1 - Descrição dos casos: Informações epidemiológicas (gênero, idade, cor da pele) e clínicas (tempo de estabilidade, classificação e localização do vitiligo), e tratamentos prévios dos pacientes envolvidos neste estudo encontram-se no quadro 2.

2 - Descrição da técnica:

Área doadora (região lombossacral)

Realizada antissepsia com clorexidine aquosa e anestesia local infiltrativa com lidocaína 2%.

Com a pele estirada, finas lâminas de tecido são obtidas utilizando lâmina de barbear estéril (movimentos firmes e suaves para cima e para baixo). O tecido ideal obtido deve ser fino o suficiente para lermos a inscrição impressa na lâmina por transparência. Esse tecido é colocado em recipiente estéril, com soro fisiológico e fragmentado com tesoura delicada por cerca de 20 minutos, até obter-se consistência homogênea do material (Figura 1).

O curativo da área doadora é não aderente, com gaze vaselinada, e os pacientes são orientados quanto à higiene local e troca diária do curativo.

Área receptora

Antissepsia e anestesia local como realizada na área doadora.

A região receptora é dermoabrasada manualmente com lixa d'água até atingir o ponto de orvalho sangrante. O exsudato obtido não deve ser retirado. O material obtido da área doadora é disposto sobre a área abrasada, respeitando os limites da lesão (Figura 2A). Cobre-se com curativo não aderente de malha aberta de algodão embebido em parafina e clorexidina, antes da finalização com filme transparente de poliuretano (Figuras 2B e 2C).

Os pacientes são orientados a não molhar o curativo e imobilizar a área tratada durante sete dias. Após esse período, procede-se à higiene local diária cuidadosa.

3 - Evolução: Passados 15 dias do procedimento inicia-se fototerapia com ultravioleta B de banda estreita (UVB-NB) na área tratada, duas vezes por semana.

O seguimento foi realizado nas semanas 0, 2, 8 e 18 com registro fotográfico.

A partir da segunda semana já foi possível observar epitelização uniforme da área tratada. Nos dois casos obtivemos bons resultados (pigmentação uniforme disposta em praticamente toda a área tratada e pigmento homogêneo, de coloração semelhante à da área adjacente) e alta taxa de repigmentação (Figuras 3 a 5).

Observamos também completa epitelização da área doadora (Figura 6). Ambos os pacientes seguem em acompanhamento no Serviço de Dermatologia realizando sessões de fototerapia e mantendo os resultados obtidos.

 

DISCUSSÃO

A técnica do enxerto por raspagem epidérmica é bastante simples, de fácil execução, não requer materiais ou equipamentos de alto custo e apresenta altas taxas de repigmentação. A principal vantagem desse método, quando comparado à técnica original de microenxertos por punch, é que não apresenta aspecto em paralelepípedo ou pedra de calçamento na área tratada, discromias das áreas doadora e receptora, elevação da área enxertada, cicatrização insatisfatória da área doadora e, principalmente, limitação da extensão da área doadora.3,5

A técnica do enxerto por raspagem epidérmica pode ser realizada em áreas extensas, devido à consistência homogênea do material disposto na área a ser tratada. Estudos mostram que a área doadora pode ser até 1/10 da área receptora.3 Em relação à área doadora, as localizações mais utilizadas são as coxas, as nádegas e a região lombossacral, pelo fato de elas serem áreas de fácil obtenção de tecido e fotoprotegidas. Em geral, a área doadora apresenta epitelização rápida e satisfatória. Podem, porém, ocorrer hiperpigmentação pós-inflamatória, cicatrizes hipertróficas e cicatrizes inestéticas, relacionadas à cicatrização individual e à habilidade do cirurgião.3

A área receptora pode ser preparada utilizando-se diversas técnicas, como dermoabrasão, abrasão a laser, indução de bolha por sucção ou nitrogênio líquido.5 Neste estudo, optamos pela técnica da dermoabrasão manual com lixa d'água. Áreas acrais e sobre articulações, assim como em pacientes muito jovens, devem ser evitadas devido às dificuldades de execução e ao risco de insucesso terapêutico. Também a área receptora deve ser dermoabrasada somente até atingir o orvalho sangrante, a fim de evitar cicatrizes inestéticas. Das complicações relatadas na área receptora, as principais são discromias, infecções e dor local.3

Nenhuma complicação foi observada nesta casuística. Os pacientes devem ser devidamente orientados quanto aos cuidados pós-operatórios. Devem manter a área imobilizada e o curativo seco durante uma semana. Após esse período, na retirada do curativo é importante orientar sobre o aspecto clínico esperado e a limpeza diária cuidadosa, para que as crostas se desprendam espontaneamente. A alta taxa de repigmentação com essa técnica é consenso na literatura,1,3,6,7 apesar da escassez de trabalhos. Krishnan et al.3 em estudo com grupo de 26 pacientes obtiveram taxas de repigmentação de 90% cinco meses após o tratamento.

A razão do sucesso da técnica com altas taxas de pigmentação ainda é desconhecida.7

Alguns autores questionam se a pigmentação obtida é resultado da transferência de melanócitos ou de hipercromia pós-inflamatória, sem difusão da melanina.5

Outros estudos demonstram que a área abrasada seria de extrema importância para o sucesso do procedimento pelo fato de produzir fatores de crescimento, como o fator de crescimento endotelial vascular, importante para epitelização e repigmentação.3,8 Acredita-se ainda, que não exista ausência de melanócitos no vitiligo; os melanócitos estariam inativos, e um estímulo, como curetagem ou, neste estudo, abrasão, estimularia a transcrição do gene da tirosinase, por meio da ativação do receptor c-kit pelas citocinas induzidas por esse estímulo.9,10

Por fim, a associação do estímulo com a transferência de melanócitos e queratinócitos parece ser superior ao estímulo isolado. Quezada et al.6 evidenciaram resposta mais rápida e pigmentação mais uniforme da área tratada com abrasão associada à transferência de melanócitos e queratinócitos quando comparada à abrasão isolada, apesar de não mostrar diferença estatisticamente significativa.

 

CONCLUSÃO

O vitiligo é doença de grande impacto psicossocial, e os tratamentos cirúrgicos têm-se demonstrado promissores auxiliando na resposta terapêutica dos casos recalcitrantes. A técnica do enxerto por raspagem epidérmica mostra altas taxas de repigmentação e não requer tecnologia de alto custo, o que nos motivou neste estudo, corroborando a literatura e auxiliando a divulgação dessa técnica.

 

Referências

1. Sahni K, Parsad D, Kanwar AJ, Mehta SD. Autologous noncultured melanocyte transplantation for stable vitiligo: Can suspending autologous melanocytes in the patients' own serum improve repigmentation and patient satisfaction?. Dermatol Surg. 2011;37(2):176-82.

2. Nakamura RC, Azulay-Abulafia L, Azulay RD. Discromias. In: Azulay RD, Azulay DR, Azulay-Abulafia L. Dermatologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p. 97-114.

3. Krishnan A, Kar S. Smashed skin grafting or smash grafting - a novel method of vitiligo surgery. Int J Dermatol. 2012;51(10):1242-7.

4. Gawande V, Kar S, Gupta D. Surgeries in vitiligo - A review article. J MGIMS. 2011;16(2):20-4.

5. Issa CMBM. Transplante de melanócitos no tratamento do vitiligo: Um progresso terapêutico?. [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2003.

6. Quezada N, Machado Filho CA, De La Sotta P, Uribe P. Melanocytes and keratinocytes transfer using sandpaper technique combined with dermabrasion for stable vitiligo. Dermatol Surg. 2011;37(2):192-8.

7. Van Geel N, Ongenae K, Naeyaert JM. Surgical Techniques for Vitiligo: A Review. Dermatology. 2001;202(2):162-6.

8. Howdieshell TR, Riegner C, Gupta V, Callaway D, Grembowicz K, Sathyanarayana, et al. Normoxic wound fluid contains high levels of vascular endotelial growth factor. Ann Surg. 1998; 228(5):707-15.

9. Zanini M, Wulkan C, Machado Filho CA. Vitiligo: há ou não melanócitos? Med Cutan Iber Lat Am. 2002;30(4):152-3.

10. Machado Filho CA, Almeida FA, Proto R. Vitiligo: analysis versus curettage alone, using melanocytes morphology and reverse transcriptase polymerase reaction for tyrosinase mRNA. Sao Paulo Med J. 2005;123(4):187-91.

 

Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário de Taubaté - Taubaté (SP), Brasil.


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