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Relato de casos

Aplicação de toxina botulínica na cicatrização por segunda intenção

Aracele Silva Cardoso1; Danilo Augusto Teixeira2; Bruna Vicente de Oliveira3; Priscila Prais Carneiro3; Rafael Ferreira Junqueira4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201682785

Data de recebimento: 09/03/2016
Data de aprovação: 02/06/2016
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

O uso da toxina botulínica tipo A em feridas de primeira intenção tem sido bastante adotado com a finalidade de inibir a formação de cicatrizes hipertróficas. Neste relato demonstramos o uso da toxina em uma ferida operatória deixada cicatrizar por segunda intenção, após a remoção de um carcinoma espinocelular in situ por cirurgia micrográfica de Mohs, na região supralabial, com bom resultado estético. A toxina botulínica age inibindo a proliferação de fibroblastos, na diferenciação em miofibroblastos e na produção de colágeno tipo I, que são os principais fatores responsáveis para a boa qualidade do processo de cicatrização.


Keywords: TOXINAS BOTULÍNICAS TIPO A; CICATRIZ; CICATRIZAÇÃO; CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS


INTRODUÇÃO

As cicatrizes constituem um grande motivo de preocupação para os pacientes, principalmente se localizadas na face.1 São consequências inevitáveis dos tratamentos cirúrgicos em geral.1 Um fator importante que pode impedir a boa evolução do processo de cicatrização é a presença de tensão nas bordas da ferida. A musculatura facial e suas conexões com a pele promovem tensão contínua sobre a ferida operatória, prejudicando o resultado cosmético final.2

A toxina botulínica do tipo A tem-se mostrado boa opção para otimizar o processo da cicatrização.3 Trata-se de potente neurotoxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum, um bastonete anaeróbio que promove a inibição da liberação de acetilcolina na junção neuromuscular. Na década de 1970, Scott foi o primeiro a propor o uso da toxina como terapia médica para o tratamento do estrabismo.2

A toxina, após sofrer endocitose pelo nervo terminal, promove a inibição da liberação de acetilcolina na junção neuromuscular, suprimindo a contração muscular pelo período de dois a seis meses.3,4 Quando aplicada em feridas cutâneas, reduz a tensão nas bordas da ferida, proporcionando ganho estético.5

Existem muitos relatos do uso de toxina para suturas primárias, porém poucos registros do seu uso na cicatrização por segunda intenção. Neste relato, apresentamos o caso de um paciente em que a aplicação da toxina botulínica ocorreu no intraoperatório seguido pela cicatrização por segunda intenção, com excelente resultado cosmético.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, com 36 anos, apresentava placa eritematosa e infiltrada na região supralabial central há dois anos. A biópsia da lesão diagnosticou doença de Bowen. Foi submetido à terapia fotodinâmica com aminolevulinato de metila, duas sessões com intervalo de uma semana entre elas, sem resolução do quadro. Foi então encaminhado para a realização de cirurgia micrográfica de Mohs.

No momento da cirurgia, a lesão media 1,5 x 0,9cm (Figura 1). Foram necessárias cinco fases para a retirada total do tumor, com histologia compatível com doença de Bowen. O defeito final mediu 3 x 1,6cm (Figura 2). Foram então aplicadas oito unidades de toxina botulínica do tipo A na própria ferida operatória, deixando-se cicatrizar por segunda intenção.

Dezoito dias após a cirurgia houve completa cicatrização da ferida, formando um tecido cicatricial levemente eritematoso no lábio superior, com discreta extensão para a região supralabial (Figura 3). O aspecto se manteve no pós-operatório tardio de três meses, com excelente resultado estético e funcional (Figura 4 A e B).

 

DISCUSSÃO

A toxina botulínica tem sido utilizada para favorecer a evolução das cicatrizes, devido a seu efeito imobilizador.6

Hei Sun et al. apresentaram dados em seu estudo nos quais a proliferação de fibroblastos foi significativamente reduzida após tratamento com a toxina botulínica do tipo A, fato esse devido à sua ação inibitória na proliferação de colágeno tipo I pelos fibroblastos, o principal componente da matriz extracelular.3

Outra ação apresentada nesse mesmo estudo foi a supressão da diferenciação dos fibroblastos em miofibroblastos, os quais são os responsáveis pelo processo de aceleração da contração de feridas, mediante a inibição da expressão do fator de crescimento TGF-β1. Os miofibroblastos expressam a alfa-actina do músculo liso, presente na cicatriz hipertrófica.3 A expressão de TGF-β1 fica aumentada durante a formação anormal de cicatrizes. Suprimindo-se sua expressão, espera-se que ocorra a diminuição da formação de cicatrizes patológicas.3

Em análises de reação de transcrição reversa em cadeia da polimerase ficou demonstrada diminuição dos níveis de RNAm de alfa-actina do músculo liso em células tratadas com TGF-β1 associado à toxina botulínica do tipo A, em comparação com células tratadas somente com TGF-β1.3

Outro estudo com análise histológica observou que quando se reduz a expressão de alfa-actina no músculo liso e miosina II pode acontecer a atenuação do efeito de contração, nos processos cicatriciais. Os resultados também mostraram que quanto maior a concentração de toxina botulínica tipo A, mais evidente fica o efeito de inibição, explicando, assim, em parte, o mecanismo molecular para o tratamento com o uso da toxina. Dessa forma, inibir a proliferação de fibroblastos e reduzir a expressão de alfa-actina do músculo liso e miosina II podem determinar o grau de fibrose em uma cicatriz.4

As propriedades moleculares da toxina botulínica tipo A, sugerem que sua ação é melhor no início da cicatrização, quando os fibroblastos ainda estão na fase proliferativa e em intensa atividade apoptótica.1 Por essa razão, muitos questionamentos surgem sobre os possíveis benefícios da injeção da toxina botulínica em feridas cirúrgicas, principalmente se aplicada no intraoperatório, como foi feito no paciente aqui apresentado.

Apesar das evidências da contribuição significativa da toxina na promoção de uma boa cicatrização, ainda não foram avaliados os possíveis benefícios no processo de cicatrização por segunda intenção. O bom resultado de nosso caso abre precedentes para mais estudos em úlceras crônicas, além de servir como mais uma opção para reconstrução de feridas operatórias.

 

Referências

1. Kim YS, Lee HJ, Cho SH, Lee JD, Kim HS. Early postoperative treatment of thyroidectomy scars using botulinum toxin: A split-scar, double-blind randomized controlled trial. Wound Rep Reg. 2014; 22(5): 605-12.

2. Mohammad M AQ, Bisher NAS, Feras A . Botulinum toxin type A: implications in wound healing, facial cutaneous scarring, and cleft lip repair. Ann Saudi Med. 2013; 33(5): 482-8.

3. Hii SJ, Byeong HL, Ha MS, Sook YP, Duk KA, Min SJ, et al. Effect of Botulinum Toxin Type A on Differentiation of Fibroblasts Derived from Scar Tissue. Plast Reconstr Surg. 2015; 136(2): 171e-78e.

4. Minliang C, Tongtong Y, Kui M, Linying L, Chang L, Liming L, et al. Botulinum Toxin Type A Inhibits - Smooth Muscle Actin and Myosin II Expression in Fibroblasts Derived From Scar Contracture. Ann Plast Surg. 2014 Aug 20. [Epub ahead of print]

5. Liu A, Moy RL,Ozog DM. Current Methods Employed in the Prevention and Minimization of Surgical Scars. Dermatol Surg. 2011;37(12):1740-6.

6. Freshwater MF. Botulinum toxin for scars: Can it work, does it work, is it worth it?. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2013; 66(3): e92-3.

 

Trabalho realizado no Centro de Dermatologia, Cirurgia e Laser- Goiânia (GO), Brasil.


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