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Artigo Original

Estudo retrospectivo clinicoepidemiológico dos tumores glômicos diagnosticados ao longo de 16 anos em unidade de referência

Agnes Mayumi Nakano Oliveira1; Ivander Bastazini Júnior2; Tatiana Cristina Pedro Cordeiro de Andrade3; Cleverson Teixeira Soares4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201682804

Data de recebimento: 05/04/2016
Data de aprovação: 27/05/2016
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: O tumor glômico é neoplasia benigna e rara que se apresenta como nódulo solitário e doloroso de localização principalmente subungueal. Apresenta manifestações clínicas características como dor paroxística e sensibilidade à pressão local e ao frio.
Objetivo: Realizar levantamento clinicoepidemiológico dos tumores glômicos diagnosticados em unidade de referência em 16 anos.
Métodos: Estudo retrospectivo analisando dados clínicos e epidemiológicos de 15 pacientes com diagnóstico de tumor glômico confirmado pelo laudo histopatológico no período de 2000 a 2016. Foram avaliados dados como idade, sexo, localização do tumor, sintomas associados, duração dos sintomas até o diagnóstico, apresentação clínica, tipo histológico e recidiva após a cirurgia.
Resultados: Foram diagnosticados 15 casos, em 11 mulheres (73,3%) e quatro homens (26,7%). A média de idade foi 63 anos. A localização mais frequente foi a região subungueal. O tempo médio da duração dos sintomas até o diagnóstico foi de oito anos.
Conclusões: Neste estudo, o número de casos de tumor glômico oscilou ao longo desses 16 anos, com média de 0,9 caso/ano. Observou-se maior prevalência em mulheres com mais de 60 anos, na região subungueal e do subtipo histológico glômico sólido.


Keywords: TUMOR GLÔMICO; DOENÇAS DA UNHA; NEOPLASIAS


INTRODUÇÃO

O corpo glômico é anastomose arteriovenosa altamente especializada responsável pela termorregulação.1 Está localizado na derme reticular em todo o tegumento e apresenta-se em altas concentrações nas extremidades digitais, especialmente sob a unha.2 Por isso, a localização mais comum do tumor é nas mãos (75% dos casos), com predileção pelas pontas dos dedos e espaço subungueal.1 Outros locais foram citados na literatura, como sistema nervoso central, estômago, fígado, mediastino, traqueia, pulmões, ossos, articulações e genitais. O tumor glômico é hamartoma benigno do corpo glômico.1 Representa percentual que varia de um a 4,5% dos tumores das mãos.3,4 Foi descrito pela primeira vez em 1812, por Wood, como tumor subcutâneo muito doloroso, com crescimento lento e sensível à variação de temperatura.2,4 Apresenta-se como nódulo intensamente doloroso, pequeno, de coloração roxa ou azulada, com sensibilidade ao frio e doloroso ao toque.1,4 As localizações múltiplas são incomuns e ocorrem principalmente em crianças de até 16 anos.2 Os tumores solitários são encontrados normalmente em adultos, em geral entre 30 e 50 anos de idade, na localização subungueal, predominando no gênero feminino.1-4 Tumores solitários ou múltiplos têm sido descritos associados a neurofibromatose tipo 1.1 As formas congênitas e hereditárias apresentam herança autossômica dominante.3 O tumor ocorre pela hiperplasia de uma ou mais partes normais do corpo glômico.2 A dor se desenvolve a partir da contração das células glômicas.2 Clinicamente ocorre hiperestesia e/ou dor localizada, paroxística, que se acentua com exposição ao frio.2 A hipersensibilidade ao frio é observada em percentual que varia de 63 a 100% dos casos localizados nas mãos, mas raramente é encontrada nos tumores extradigitais. A combinação da ressonância magnética, testes clínicos e exame histopatológico possibilita o diagnóstico.2 Existem três testes clínicos principais para o diagnóstico desse tumor.2,4 O primeiro é o teste de Love (Love's pin test), em que se pressiona suavemente com a ponta de um alfinete ou clipe a área em que se localiza a dor; nos tumores subungueais a pressão é dirigida para a lâmina ungueal em diferentes localizações até que a área exata da sensibilidade seja encontrada.2,4 Para um teste positivo, o paciente deve sentir dor intensa, às vezes com a retirada da mão.2 O teste de Hildreth envolve a colocação de um torniquete na base do dígito em que se localiza o tumor, com repetição do teste de Love.2,4 Para um resultado positivo, o paciente não deve sentir dor.2,4 O terceiro é teste da sensibilidade ao frio, que deverá produzir aumento da dor com exposição ao frio.2

Associados aos testes clínicos, os exames de imagem de alta resolução, como a ressonância magnética, têm constituído método valioso para o diagnóstico do tumor glômico. A maioria desses tumores apresenta alta intensidade do sinal em T2 e realce intenso após injeção de gadolíneo.2 A radiografia simples pode evidenciar erosão óssea sugerindo o diagnóstico, porém é achado raro, presente em apenas 22% dos casos.3,4 Outros exames têm sido citados, mas pouco contribuem para o diagnóstico.4

Ao exame histopatológico o tumor glômico caracteriza-se por pequenos vasos com endotélio normal, circunscritos por ninhos compactos de células poligonais com núcleos arredondados, centrais e citoplasma eosinofílico.5 São descritas sete formas histológicas distintas. O glomangioma, que é a variante mais comum, tem componente vascular proeminente, podendo a luz dos vasos estar dilatada ou cavernosa. Alguns casos podem exibir hialinização das paredes dos vasos e mostrar trombos no seu interior. O glomangiomioma é tipo raro, caracterizado por células musculares maiores e em maior número circundando os espaços vasculares. Outros tipos são citados, como os tumores glômicos sólido, simplástico, glomangiomatose, infiltrado e maligno.5 O tratamento cirúrgico leva à completa resolução dos sintomas na maioria dos casos.1,3 A recidiva após a cirurgia ocorre em percentual que varia de quatro a 15%, dependendo da série.1 A transformação maligna é rara - menos de 1% dos casos de tumores glômicos - e se manifesta mais comumente em localizações não acrais.6

O objetivo deste trabalho foi realizar um levantamento clinicoepidemiológico dos tumores glômicos diagnosticados em uma unidade de referência no período de 16 anos.

 

MÉTODOS

Estudo retrospectivo, de revisão dos prontuários de pacientes diagnosticados com tumor glômico na Divisão de Dermatologia do Instituto Lauro de Sousa Lima, Bauru, São Paulo, Brasil, no período de 16 anos (de 01/01/2000 a 01/01/2016). Foram analisadas as seguintes variáveis: idade, sexo, localização do tumor, sintomas associados, duração dos sintomas até o diagnóstico, apresentação clínica, tipo histológico e recidiva após a cirurgia.

 

RESULTADOS

Entre 2000 e 2016 foram diagnosticados 15 casos de tumor glômico, correspondentes a 11 mulheres (73,3%) e quatro homens (26,7%), todos caucasianos (Gráfico 1). A média etária no momento do diagnóstico foi de 63 anos (36-85 anos), com predomínio da faixa etária dos 61 aos 70 anos (40%). A média de idades no sexo feminino foi ligeiramente superior à do sexo masculino, 66 e 54 anos, respectivamente. Em relação à localização das lesões, a topografia mais comum foi subungueal nos quirodáctilos (60%), seguida por hálux (20%), dorso (6,8%), membros inferiores (6,7%) e braços (6,7%). Em ambos os sexos, o tumor glômico ocorreu, preferencialmente, na região subungueal, 50% (masculino) e 73% (feminino)(Gráfico 2). O tempo médio do início dos sintomas ao diagnóstico foi de oito anos (de um a 30 anos)(Gráfico 3). As alterações clínicas mais frequentemente encontradas foram: área pontuada eritêmato-violácea visualizada através da lâmina ungueal (40%); onicodistrofia (26,7%); fissura medial na lâmina ungueal (20%); e nódulo azulado e doloroso na pele (13,3%)(Gráfico 4). A dor esteve presente em 100% dos pacientes. O tipo histológico mais frequente foi o tumor glômico sólido (86,7%), seguido pelo glomangioma (13,3%). No que concerne ao tratamento, todos os doentes foram submetidos a exérese cirúrgica, tendo 13,3% apresentado recidiva.

 

DISCUSSÃO

Neste estudo, o número de casos de tumor glômico oscilou ao longo do período estudado, com média de 0,9 caso/ano. Em relação à topografia, a localização mais comum foi a região subungueal dos membros superiores (60%), seguido pelo hálux (20%), dorso (6,8%), perna (6,7%) e braço (6,7%). O tempo médio para o diagnóstico foi de oito anos. Em uma revisão da Clínica Mayo, com 56 casos extradigitais, a prevalência ocorreu nos antebraços (20%) e joelhos (18%), diferindo do nosso estudo.7

Observou-se maior prevalência do tumor glômico em mulheres com mais de 60 anos e na região subungueal dos membros superiores. Esses dados corroboram o que se encontra na literatura, porém diferem em relação à idade, tendo nosso estudo se apresentado em faixa etária mais tardia.3,4

O subtipo histológico mais encontrado foi o tumor glômico sólido (86,7%), discordante de estudos prévios, que citam o glomangioma como o mais frequente.5 A apresentação clínica mais constatada do tumor glômico subungueal foi de área eritêmato-violácea (40%). Os testes clínicos, úteis pela facilidade de execução e baixo custo, só foram realizados em dois dos 15 casos (13,3%), tendo sido positivos em ambos.

Os exames de imagem foram realizados em seis casos (40%), sendo a radiografia simples em quatro deles. Em apenas um caso foi observada osteólise focal na falange distal (25%). A ressonância magnética foi realizada em um caso e evidenciou o tumor e sua topografia, não deixando dúvidas quanto ao diagnóstico. A ultrassonografia foi solicitada em um caso, mas não acusou a lesão.

A taxa de recorrência encontrada foi de 13,3%, coincidindo com a constante na literatura.3,4

 

CONCLUSÕES

Demonstrou-se com este estudo que o tumor glômico apresenta atraso em seu diagnóstico, levando o paciente a conviver com dor crônica, que na maioria das vezes apresenta excelente resposta ao tratamento cirúrgico. Apesar de essa entidade ser mais encontrada na região subungueal, pode manifestar-se em outros locais, e os testes clínicos são excelentes ferramentas, com baixo custo para a suspeita diagnóstica.

 

Referências

1. Willard KJ, Cappel MA, Kozin SH, Abzug JM. Benign Subungual Tumors. J Hand Surg Am. 2012;37(6):1276-86; quiz 1286.

2. McDermott EM, Weiss APC. Glomus Tumors. J Hand Surg. 2006; 31(8):1397-400.

3. Cernea SS, Di Chiacchio N, Vanti A. Tumores glômicos subungueais tratados pela cirurgia micrográfica de Mohs: índices de recidiva e revisão de literatura. Surg Cosmet Dermatol. 2009;1(2):70-3.

4. Vanti AA, Cucé LC, Di Chiacchio N. Tumor glômico subungueal: estudo epidemiológico e retrospectivo, no período de 1991 a 2003. An Bras Dermatol. 2007;82(5):425-31.

5. Calonje E, Brenn T, Lazar A. Mckee, PH. McKee's Pathology of the skin. 4th. ed. British Library: Connective tissue tumors. 2011. p. 1746-49.

6. Lancerotto, L.; Salmaso, R.; Sartore, L.; Bassetto, F. Malignant Glomus Tumor of the leg Developed in the Context of a Superficial Typical Glomus Tumor. Int J Surg Pathol. 2012; 20(4): 420-24.

7. Schiefer TK, Parker WL, Anankwenze AO, Amadio PC, Inwards CY, Spinner RJ. Extradigital glomus tumors: a 20 years experience. Mayo Cli Proc, 2006; 81(10): 1337-44.

 

Trabalho realizado no Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL) - Bauru (SP), Brasil.


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