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Artigo Original

Fração vascular estromal, uma nova terapêutica no fotoenvelhecimento: estudo comparativo e controlado

Kelly Cristina Signor1; Denise Steiner2; Dirlene Roth3; Miguel Luiz Batista Júnior4; Luciana Gasques de Souza5; Kaltinaitis Benetton Nunes Hypolito dos Santos6

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201682824

Data de recebimento: 14/05/2016
Data de aprovação: 01/06/2016
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: A fração vascular estromal derivada do tecido adiposo é fonte rica de diferentes células, contendo grande população de células-tronco, que tem capacidade de diferenciação para diversas linhagens. Em dermatologia, há diversos estudos sobre a eficácia das células-tronco, que apresentam ação antioxidante e efeitos no rejuvenescimento. No entanto, ainda são poucos os relatos sobre os efeitos antienvelhecimento da fração vascular estromal.
Objetivo: Avaliar a efetividade da fração vascular estromal no rejuvenescimento facial.
Métodos: Estudo prospectivo, comparativo e controlado, com 10 pacientes divididos em dois grupos e submetidos a tratamento do sulco nasogeniano com: Grupo 1: fração vascular estromal e Grupo 2: preenchedor convencional: hidroxiapatita de cálcio. Foram realizadas avaliações clínica, fotográfica e histológica com análise estatística dos dados.
Resultado: Ambas as técnicas produziram resultados satisfatórios e semelhantes.
Conclusões: A aplicação da fração vascular estromal é técnica relativamente nova que apresenta bons resultados clínicos, sendo opção promissora para o rejuvenescimento.


Keywords: CÉLULAS-TRONCO ADULTAS; ENVELHECIMENTO DA PELE; REJUVENESCIMENTO


INTRODUÇÃO

As células-tronco adultas têm sido o foco de muitos estudos, devido à ausência dos problemas éticos que as células-tronco embrionárias apresentam, assim como de potencial carcinogênico. Entre as células-tronco adultas, as células estaminais derivadas de tecido adiposo (adipose-derivatedstemcells - ADSCs) têm essencialmente as mesmas propriedades das células-tronco derivadas da medula óssea.1 Além disso, apresentam vantagens em maior acessibilidade e abundância relativa em comparação com outros tipos de células estaminais adultas. Experimentos usando ADSCs têm sido explorados com mais frequência nos últimos anos. Em dermatologia, há diversos estudos sobre a aplicação eficaz das células-tronco, tais como ação antioxidante e efeitos no rejuvenescimento.2-4 Dentre as últimas publicações, destacam-se os efeitos das ADSC na cicatrizarão de feridas; também seu papel na pele com fotodano e envelhecida tem sido tema de grande atenção.5

A fração vascular estromal (FVE) do tecido adiposo é fonte rica de pré-adipócitos, células-tronco mesenquimais, células progenitoras endoteliais, células T e B, monócitos, macrófagos e fibroblastos. Pelo fato de conter grande população de células-tronco derivadas do tecido adiposo, tem capacidade de diferenciação em diversas linhagens.6,7

O envelhecimento da pele envolve uma série de diferentes processos degenerativos, bem como significativa diminuição do colágeno produzidos pelos fibroblastos. Várias citocinas e fatores de crescimento estão também envolvidos, estimulando a síntese de colágeno pelos fibroblastos para o rejuvenescimento da pele.6

A medicina regenerativa que usa células-tronco e fatores de crescimento do próprio corpo é estratégia terapêutica alternativa para reparação de tecidos danificados. No entanto, ainda existem poucos relatos sobre os efeitos antienvelhecimentos da FVE derivada do tecido adiposo.

Sendo assim, o objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos de FVE no estímulo à neocolagênese e comparar seus efeitos com os de um preenchedor sintético (hidroxiapatita de cálcio) de uso convencional.

 

MÉTODOS

Estudo prospectivo, comparativo e controlado, realizado no Departamento de Dermatologia da Universidade de Mogi das Cruzes, incluindo dez pacientes do sexo feminino, entre 30 e 45 anos com fototipos de I a V, segundo a classificação de Fitzpatrick, que apresentavam sulcos nasogenianos acentuados.

Elas concordaram em participar do estudo e assinaram o termo de consentimento. O trabalho foi aprovado pelo Comitê da Ética e Pesquisa da instituição.

Os critérios de exclusão foram: gestantes e lactantes, história de imunossupressão, distúrbios de deficiência imunológica ou uso de medicamentos imunossupressores, comorbidade descompensada, história de queloide ou cicatriz hipertrófica, tratamento da pele com laser ou outros dispositivos, nos seis meses prévios ao início ou durante o curso do estudo e uso prévio de toxina botulínica, injecções de gordura ou preenchedores na área a ser tratada.

A amostra foi dividida em dois grupos, o Grupo 1 com cinco pacientes submetidos à aplicação da FVE na região do sulco nasogeniano bilateralmente, e o Grupo 2 com cinco pacientes submetidos à aplicação de preenchedor sintético de hidroxiapatita de cálcio na mesma região.

Métodos de avaliação: incluíram análise clínica e fotográfica antes e após o tratamento, bem como avaliação histológica com coloração convencional para análise dos tecidos com hematoxilina eosina (HE) e coloração específica para fibras colágenas (picrosirius).

Obtenção do tecido adiposo: realização de minilipoaspiração na face posterior da coxa para obtenção do tecido adiposo no subcutâneo. O procedimento foi realizado em centro cirúrgico com medidas adequadas de assepssia e antissepssia. Aproximadamente 50ml de gordura foram aspirados mediante técnica manual atraumática sob baixa pressão.

Obtenção da fração vascular estromal - FVE: a- lavagem do material obtido pela lipoaspiração com solução PBS (phosphate-buffered saline solution) para remoção de debris e células vermelhas; b- separação em três tubos contendo 1g de material adiposo e 1ml de colagenase (tipo Sigma); c- imersão dos tubos em água a 37 graus com agitação constante durante 45 minutos; d- centrifugação durante 10 minutos seguida de separação das partes com a retirada da matriz, permanecendo apenas a fração vascular estromal e o adipócito.6

Injeção: nas áreas destinadas ao tratamento foi realizada assepsia com agente não alcoólico suave e não abrasivo. O procedimento consistiu em injetar 1ml de FVE na derme profunda com agulha de calibre 26 na região do sulco nasogeniano nos pacientes do Grupo 1. Nos do Grupo 2, foi injetado 1ml de preenchedor sintético - hidroxiapatita de cálcio - na derme profunda, com agulha semelhante, na mesma região.

Após assepsia adequada e anestesia local com lidocaína com vasoconstritor, foi realizada biópsia de controle pré-tratamento com punch número 3, na região retroauricular direita, e em seguida foram injetados 1ml de FVE e hidroxiapatita de cálcio na região retroauricular visando coletar material para biópsias de controle, procedimentos realizados 30 e 90 dias após.

 

RESULTADOS

No decorrer do trabalho, tivemos a desistência de dois pacientes do grupo do preenchedor (Grupo 2), mantendo-se, portanto, três pacientes até o término da pesquisa. O número de pacientes no Grupo 1 permaneceu inalterado.

Quanto à análise histológica, foram feitas avaliações com hematoxilina eosina (HE) e picrossirius, coloração específica para quantificação de colágeno nos tecidos cujas fibras colágenas encontram-se coradas em vermelho (Figura 1). A análise estatística para quantificação de colágeno total foi realizada de forma generalizada, inicialmente, não havendo separação de grupos. Observou-se média inicial de 76% de colágeno no tecido analisado e de 84,7% após a intervenção. Pelo teste t de Student não houve diferença estatisticamente significante entre os pacientes nos períodos pré e pós-tratamento (p = 0,067), porém os resultados mostraram certa tendência à significância estatística (provavelmente devido ao número reduzido de pacientes).

A avaliação individual dos grupos, quanto ao percentual de colágeno, mostrou no grupo da FVE pré de 78% e pós de 85%; o grupo do preenchedor de hidroxiapatita de cálcio apresentou pré de 71% e pós de 82,9% (Gráfico 1). Com esses dados, observou-se que individualmente obtivemos melhora discretamente superior no grupo da FVE. Como avaliação global e fidedigna conclui-se, então, que realmente não houve significância estatística entre os dois grupos.

A análise do colágeno no período pré-intervenção, comparando-se os dois grupos pelo teste Mann Witney, mostrou que também não houve significância estatística (p = 0,29). Essa análise comparativa pré-intervenção do colágeno evidencia que a comparação foi realizada entre grupos semelhantes sem grandes discrepâncias individuais que pudessem gerar viés nos resultados finais. Com base nesse mesmo teste, foi avaliada a quantificação do colágeno no período pós-intervenção, comparando-se os grupos 1 e 2, que apontou ausência de significância estatística entres eles (p = 0,54).

Quanto à espessura da derme, avaliada em milímetros (mm), foram realizadas as mesmas análises. Na avaliação global dos pacientes a espessura média no período prévio foi de 2,22mm e no pós-procedimento, de1,26mm. Pelo teste t de Student não houve diferença estatisticamente significante entre as avaliações de espessura dos pacientes no pré e no pós-procedimento (p = 0,21).

Na avaliação individual, no Grupo 1 obtivemos média da espessura no pré-procedimento de 2,44mm e de 1,72mm no pós-procedimento. No Grupo 2, por sua vez, a média da espessura da derme no pré foi 1,86mm e no pós-procedimento, 1,83mm. Obtivemos resultados de espessura diminuída após a aplicação da FVE e do preenchedor, resultados que não conferem com o aumento da quantificação do colágeno referenciada pela coloração de picrossirius. Uma explicação para essa discrepância nos valores de espessura, seria o fato de que as biópsias não foram realizadas pelo mesmo examinador nos períodos pré e pós; a avaliação histológica também não foi realizada pelo mesmo profissional.

Quando se compara a espessura no pré-intervenção entre os grupos 1 e 2, observa-se que não houve diferença estatística (p = 0,549). O mesmo foi feito no pós-procedimento, não sendo também observada diferença estatisticamente significante entres os dois grupos (p = 0,64).

Na avaliação clínica e fotográfica, realizada por meio de questionário respondido pelo paciente e com avaliação de observador médico, foi evidenciada melhora moderada, classificada como resultado final satisfatório por ambos os observadores (Figura 2).

 

DISCUSSÃO

Com a evolução do envelhecimento, a pele sofre alterações tais como pigmentação irregular, afinamento e perda de elasticidade. Os fatores que desencadeiam o envelhecimento da pele podem ser intrínsecos ou cronológicos, compondo um processo natural, relacionado a fatores genéticos, encurtamento dos telômeros e ação dos radicais livres; e extrínsecos, constituindo o fotoenvelhecimento, que é a ação da radiação solar sobre os fatores intrínsecos.

A medicina regenerativa que usa células-tronco do próprio corpo e fatores de crescimento é uma estratégia terapêutica alternativa para reparação de tecidos danificados, e está se tornando terapia baseada em células predominante. Células-tronco derivadas de tecido adiposo (ADSCs) secretam fatores de crescimento tais como o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), fator de crescimento semelhante à insulina (IGF), fator de crescimento de hepatócitos (HGF) e fator transformador de crescimento-beta1 (TGF-β1). Essas proteínas controlam o dano das células vizinhas. Recentemente, a produção e secreção de fatores de crescimento tem-se identificado como essencial função de ADSCs, e muitos efeitos de rejuvenescimento na pele foram demonstrados.8-10 Por exemplo, demonstrou-se que ADSCs estimularam a síntese de colágeno e migração dérmica de fibroblastos durante o processo de cicatrização de feridas.11 Além disso, os fatores secretados das ADSCs protegem os fibroblastos dérmicos contra o estresse oxidativo induzido por radiação UVB e produtos químicos.11

Evidências reforçam o papel crítico dos fatores de crescimento derivados das ADSCs na cicatrização de feridas, no efeito antioxidante e na melhora da textura e do aspecto das rugas da pele, evidenciando que podem ser bons candidatos ao tratamento do fotoenvelhecimento.9,10

A FVE do tecido adiposo é fonte rica em pré-adipócitos, células-tronco mesenquimais e células progenitoras endoteliais, que têm grande capacidade de diferenciação em diversas linhagens. Por esse motivo, vem sendo amplamente estudada em procedimentos estéticos, correção de cicatrizes e tratamento de ritídes e sulcos profundos no fotoenvelhecimento.

Em outros estudos recentes também foi evidenciado que a associação de células-tronco derivadas do tecido adiposo com enxertos de gordura mostrou resultados satisfatórios e mais duradouros, sendo a sobrevivência do adipócito um dos principais fatores que interferem diretamente no sucesso dos enxertos.

Em nosso estudo, visamos avaliar o efeito da FVE no tratamento de sulcos profundos e constatamos que houve melhora clínica percebida pelas pacientes e pelo médico observador, comprovada pelo aumento do percentual das fibras colágenas com a coloração de picrossirius. Quanto à espessura da derme, na maioria dos pacientes não houve aumento significativo em relação ao controle, conforme esperávamos. Uma explicação para o fato pode estar relacionada a erro de técnica no momento da realização da biópsia, talvez realizada em áreas contendo toda a espessura da derme e subcutâneo e áreas sem a presença de todas as camadas da derme, justificando, assim, a manutenção da espessura ou até mesmo sua diminuição após o procedimento. Esse fato poderia ter sido evitado pela medição individualizada das espessuras da derme superior, média e profunda do controle e do pós-procedimento.

Quando se compara a aplicação da FVE com a do preenchedor sintético hidroxiapatita de cálcio, quanto à melhora clínica observa-se que ela foi discretamente maior com o preenchedor, o que foi evidenciado no pós-procedimento pelo efeito do edema local e, nos primeiros meses, comprovado também pelo aumento das fibras colágenas. Quanto à espessura, ocorreu mais uma vez o provável viés de erro técnico, não tendo sido visualizado aumento da espessura com o uso do preenchedor conforme o esperado.

Na avaliação e comparação dos dois grupos não foi possível observar superioridade de um ou outro. Observamos que os resultados em percentuais foram semelhantes, e não houve significância estatística que pudesse beneficiar um ou outro grupo. Vale ressaltar que nosso projeto foi realizado com número pequeno de pacientes e que melhores análises são feitas em grupos maiores, com preditores de maior fidedignidade.

No presente estudo nenhum grupo apresentou complicações sérias; citamos apenas hematoma local no grupo 1 e hematoma e edema no grupo 2, resolvidos em sete dias após o procedimento. As pacientes queixaram-se de dor tolerável no momento da aplicação nos dois grupos.

Nesse projeto podemos observar que ambas as técnicas para tratamento de sulcos faciais aplicação da FVE ou com preenchedor com hidroxiapatita de cálcio obtiveram resultados satisfatórios e semelhantes entre si, não sendo possível afirmar superioridade de uma delas.

A aplicação da FVE é técnica relativamente nova, que apresenta bons resultados clínicos, com comprovação histológica, mas que necessita de mais estudos para padronização da obtenção do material, bem como para o desenvolvimento das técnicas de aplicação.

 

CONCLUSÃO

O uso da FVE é nova opção de tratamento no fotoenvelhecimento, conforme a observação dos resultados obtidos neste estudo. Esse procedimento deverá ser aprimorado e vem sendo amplamente discutido, principalmente pela possibilidade de ser realizado com material autólogo.

 

Referências

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Trabalho realizado na Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) - São Paulo (SP), Brasil.


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