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Relato de casos

A importância da formação do cirurgião dermatológico na condução de complicações cirúrgicas

Thiara Cristina Rocha Lenzi1; Tainah A. Silva2; Eduardo H.K.Oliveira2; Carmélia Matos Santiago Reis3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201681739

Data de recebimento:22/11/2015
Data de aprovação: 20/03/2016
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

O domínio das técnicas cirúrgicas, a aptidão de lidar com complicações e a habilidade de replicá-las aos residentes são peças fundamentais à boa prática do cirurgião dermatológico. Além disso, a transmissão de orientações claras e objetivas ao paciente tem impacto direto no desfecho de uma cirurgia de pele. Apresenta-se caso de exérese de carcinoma basoescamoso no couro cabeludo com proposta de fechamento por segunda intenção que evoluiu com infecção e necrose exigindo conhecimento e habilidade da equipe para contornar a situação. O resultado da associação de técnicas foi satisfatório demonstrando que o treinamento adequado é essencial à boa prática cirúrgica.


Keywords: NEOPLASIAS CUTÂNEAS; PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS RECONSTRUTIVOS; PROCEDIMENTOS MÉDICOS E CIRÚRGICOS DE SANGUE; INTERNATO E RESIDÊNCIA


O cirurgião dermatológico é peça-chave na prática clínica dermatológica. É vital que esse profissional receba bom treinamento e formação sólida, de forma a estar apto a conduzir complicações cirúrgicas, inerentes à prática da cirurgia dermatológica. É importante ainda, para o sucesso da cirurgia dermatológica, ressaltar que o médico deva certificar-se de que o paciente compreendeu todos os cuidados prescritos no pós-operatório, mesmo as orientações mais básicas. O objetivo desta comunicação é expor caso com proposta cirúrgica inicial simples que evoluiu com complicação, obrigando a equipe de cirurgião e residentes a dominar técnicas avançadas para adequada condução e obtenção de resultado satisfatório.

 

APRESENTAÇÃO

O caso a ser relatado é de paciente do sexo masculino, de 76 anos, natural do estado de Goiás, casado, trabalhador rural, sem comorbidades ou uso regular de medicações, referenciado ao ambulatório de cirurgia dermatológica para tratamento de dois tumores no couro cabeludo (região frontoparietal), diagnosticados como carcinoma basoescamoso e carcinoma epidermoide moderadamente diferenciado, por exame histopatológico prévio (Figura 1).Por se tratar de paciente hígido, orientado, acompanhado pelos familiares e pela impossibilidade de se executar cirurgia dermatológica com controle de margens intraoperatório (cirurgia micrográfica de Mohs), optou-se por exérese primária das lesões com margem de segurança e cicatrização por segunda intenção. No pós-operatório, foi prescrito antibioticoprofilaxia sistêmica e orientado o uso de curativo oclusivo domiciliar diário, após higienização das feridas com soro fisiológico e aplicação de creme de sulfadiazina de prata 1%. Contudo, o paciente optou por procurar posto de saúde para realizar seus curativos. No posto de saúde, o profissional não médico que o assistiu realizou desbridamento intempestivo de todo o tecido de granulação da ferida cirúrgica, que provocou a necrose do periósteo subjacente. O paciente evoluiu ainda com infecção da ferida cirúrgica e impossibilidade de cicatrização por segunda intenção devido à perda de tecido. A tábua óssea do crânio ficou exposta (Figura 2). Preocupado com o aspecto da ferida e sentindo dor, retornou a nosso serviço. Optou-se pela internação hospitalar para controle da infecção local com antibioticoterapia parenteral. Os cuidados com a ferida operatória passaram a ser realizados apenas pelo médico cirurgião dermatológico e pelos residentes do serviço. Após controle da infecção, apresentava ainda exposição da tábua óssea, que precisava ser corrigida por técnicas de retalhos cirúrgicos. Após resolução da infecção, executou-se retalho de rotação sobre a tábua óssea que ocupava a região parieto-occipital, em combinação com enxerto de pele do tórax para a região temporal do couro cabeludo (Figuras 3 e 4). Evoluiu com perda parcial do retalho e pega total do enxerto. A região com exposição de tábua óssea pôde, assim, ser fechada.O paciente evoluiu satisfatoriamente após a combinação de técnicas cirúrgicas, sem novas complicações, atingindo a cura oncológica. Permanece em acompanhamento e seguimento ambulatorial (Figura 5).

 

DISCUSSÃO

A reconstrução de defeitos no couro cabeludo, mesmo dos pequenos, ainda é um desafio para o cirurgião dermatológico, pois trata-se de área inelástica, convexa e aderente à gálea aponeurótica.1-3 Recomenda-se que a reconstrução mais simples possível seja realizada, para um bom resultado funcional e cosmético.1,4 Essa comunicação tratou de caso de defeitos no couro cabeludo após remoção de neoplasias cutâneas, com proposta cirúrgica inicial simples, tratado com excisão e cicatrização por segunda intenção. Entretanto, evoluiu com complicação e necrose de periósteo por tratamento inadequado da ferida, obrigando o cirurgião a dominar técnicas avançadas para adequada condução. A cicatrização por segunda intenção é útil em feridas pós-cirúrgicas após excisão de neoplasias cutâneas, por diminuir a morbidade intraoperatória e os custos do procedimento.5 O tecido de granulação raramente se infecta, dor e sangramentos são mínimos, e os cuidados necessários com ferida são simples. Além disso, a lenta cicatrização que ocorre e o próprio processo de reparo da ferida possuem ação protetora contra possíveis recidivas tumorais. Ainda, a ausência de enxertos ou retalhos facilita o reconhecimento precoce de sinais de recidivas.6 A localização do defeito cirúrgico é o que define o resultado cosmético da cicatrização por segunda intenção.7 Complicações dessa técnica são incomuns e incluem exuberante tecido de granulação, cicatrizes hipocrômicas e telangectásicas e com distorção das bordas livres. No caso em questão, a falta do periósteo após a necrose comprometeu a viabilidade da técnica. A comunicação reforça que a boa formação do cirurgião dermatológico é determinante para o sucesso da cirurgia, pois lhe permite conduzir e solucionar intercorrências que podem surgir mesmo com o uso de técnicas simples, como a cicatrização de feridas por segunda intenção. Além disso, mostra que o cirurgião dermatológico deve estar apto a realizar novas técnicas como enxertos ou retalhos quando sua primeira escolha para o fechamento do defeito cirúrgico não se mostrar satisfatória.

 

CONCLUSÃO

O bom dermatologista está apto a tratar intercorrências por meio de intervenções clínicas enérgicas, como reconhecer a infecção e tratá-la prontamente, evitando assim repercussões sistêmicas. Cabe ainda uma reflexão a respeito da relação médico/ paciente: será que as orientações dadas no pós-operatório não foram suficientemente claras, levando o paciente a procurar auxílio de profissional da Unidade Básica de Saúde? Como fazer o paciente entender que ele é capaz de realizar seus curativos em casa contando apenas com a ajuda dos familiares? Reforçar que em caso de dúvidas procure o profissional que realizou o procedimento, e não outro de outra área? Essas questões precisam estar em mente quando se realiza um procedimento de cirurgia dermatológica, mesmo os considerados de baixa complexidade, pois sempre há risco potencial de complicações.

 

Referências

1. Desai, SC, Sand JP, Sharon JD, Branham G, Nussenbaum B. Scalp Reconstruction: An Algorithmic Approach and Systematic Review. JAMA Facial Plast Surg. 2015;17(1):56-66.

2. Lee DB, Seong JY, Suh HS, Choi YS. Comet flap for the repair of large surgical defects of the face and scalp. Clin Exp Dermatol. 2015;40(6):708-10.

3. Fowler NM, Futran ND. Achievements in scalp reconstruction. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2014;22(2):127-30.

4. García del Campo JA, García de Marcos JA, del Castillo Pardo de Vera JL, García de Marcos MJ. Local flap reconstruction of large scalp defects. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2008;13(10):E666-70.

5. Donaldson MR, Coldiron BM. Scars after second intention healing. Facial Plast Surg. 2012;28(5):497-503.

6. Bastazini Júnior I, Contin LA, Alves CJM, Nascimento CMSA. Cicatrização por segunda intenção de asa nasal: revisando antigos conceitos. Surg Cosmet Dermatol. 2009;1(4):196-7.

7. Mott KJ, Clark DP, Stelljes LS. Regional variation in wound contraction of mohs surgery defects allowed to heal by second intention. Dermatol Surg. 2003;29(7):712-22.

 

Trabalho realizado no Hospital Regional da Asa Norte da Secretaria de Estado da Saude do Distrito Federal (HRAN/SES/DF) - Brasília (DF), Brasil.


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