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Abordagem de tumor cutâneo no conduto auditivo externo

Natalia Caballero Uribe1; Luiz Roberto Terzian2; Caroline Martins Brandão3; Thales Costa Bastos4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201681610

Data de recebimento: 23/02/2015
Data de aprovação: 20/03/2016
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesse: Nenhum

Abstract

Lesões de difícil localização no pavilhão auricular têm-se mostrado um grande desafio para os cirurgiões dermatológicos, pois o acesso para sua abordagem cirúrgica tende a ser complicado. Neste artigo relata-se um caso de carcinoma basocelular acometendo a parte inferior da concha auricular esquerda, submetido à ressecção por cirurgia micrográfica de Mohs cuja abordagem mostrou-se desafiadora. Descrevemos uma tática para obter melhor acesso e visibilidade do campo cirúrgico e facilitar a execução do procedimento.


Keywords: PAVILHÃO AURICULAR; CIRURGIA DE MOHS; CARCINOMA BASOCELULAR


INTRODUÇÃO

O conhecimento da anatomia do pavilhão auricular é muito importante para o cirurgião. A orelha é uma das estruturas da cabeça com forma mais complexa, pois apresenta convexidades e concavidades que dificultam a abordagem cirúrgica e a reconstrução.

A orelha não é apenas um apêndice cartilaginoso cutâneo pendente da porção lateral do segmento cefálico, mas uma estrutura geometricamente complexa, composta pelo pavilhão auricular, meato auditivo externo e membrana timpânica exterior.1,2 Está localizada anteriormente ao processo mastoide e posteriormente à articulação temporomandibular, e possui estrutura fibrocartilaginosa, tridimensional, delgada, recoberta por fina camada de pele, com concavidades e convexidades. Com exceção do lóbulo, toda a particularidade do relevo é reflexo direto do arcabouço cartilaginoso.3 Essa cartilagem forma um círculo quase completo ao redor do meato auditivo. A parte média da cartilagem da concha aproxima-se ao osso mastóideo e atua como o principal suporte da orelha. 1

A concha auricular é uma depressão côncava e se conecta ao meato auditivo externo, circundando-o posterior, superior e inferiormente. Ela é dividida em cimba, porção mais superior e de menor tamanho; e cavidade, porção inferior e de maior tamanho. Estas duas estruturas são dividas pelo ramo da hélice, e tem sua porção mais inferior delimitada pelo tragus, incisura intertragal e antítragos (Figura 1).2,3

Vários tumores cutâneos podem ser encontrados na orelha, tanto melanoma quanto não melanoma. Os cânceres de pele não melanoma são os tumores de maior incidência no mundo. A cabeça é o lugar mais comum para esses tipos de tumores, predominantemente orelha, nariz, periocular, mento e mandíbula. Tumores nessas áreas apresentam maior risco de recidivas e metástases.4

Embora os cânceres de pele não melanoma na orelha representem apenas 6% de todas as neoplasias cutâneas,5 são conhecidos por ter altas taxas de recidivas, mesmo quando tratados com cirurgia micrográfica de Mohs (CMM). Os carcinomas espinocelulares localizados na orelha têm maiores índices de metástases, além da maior chance de recidivas. Por sua anatomia complexa e visualização limitada, as lesões tumorais da orelha são de difícil detecção pelo paciente e podem passar despercebidas,5 tendo diagnóstico tardio.

O maior fator de risco para o desenvolvimento de carcinomas basocelulares (CBC) e espinocelulares (CEC) é a exposição à radiação ultravioleta, porém há diferenças no padrão da exposição solar relativa a esses dois subtipos. O desenvolvimento do CEC é associado à exposição solar acumulada ao longo da vida, ao tipo de pele e à sensibilidade ao sol. Já o desenvolvimento do CBC varia dependendo de seu subtipo histológico.4

Apesar de CECs no pavilhão auricular e no lábio serem mais agressivos do que em outros locais da cabeça e do pescoço, estudos recentes demonstraram que alguns subtipos de CBC são ainda mais invasivos quando localizados na orelha.6 Sabe-se que subtipos mais agressivos de CBC, quando localizados na orelha, são mais propensos a ter mais estágios de cirurgia de Mohs, quando comparados aos de outras localizações.7 Uma das hipóteses para esse fato seria a dificuldade de delimitar margens clínicas na superfície da orelha em decorrência de suas curvaturas e acesso mínimo ao tecido. A anatomia da orelha dificulta a abordagem cirúrgica em muitas de suas áreas. Neste artigo, demonstra-se manobra cirúrgica para obter mais visibilidade e melhor acesso cirúrgico à região da concha e do meato externo, facilitando o procedimento.

 

MÉTODOS

Foi abordada uma lesão tumoral com diagnóstico anatomopatológico prévio de CBC esclerodermiforme, localizado na parte anterior da concha, próxima ao meato acústico externo, no pavilhão auricular esquerdo.

Relata-se caso de paciente de 80 anos de idade com história de múltiplos CBCs na face que apresentou nova lesão tumoral, com seis meses de evolução. A lesão caracterizou-se clinicamente por placa infiltrada com bordas peroladas e centro ulcerado, acometendo a concha do pavilhão auricular esquerdo e parte do meato auditivo externo, com aproximadamente 2cm de diâmetro. O exame físico da porção do tumor que acometia o meato auditivo externo era dificultado devido a essa porção estar encoberta pelo trago.

 

ETAPAS DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO

1. Marcação da lesão com auxílio da dermatoscopia (Figura 2).

2. Bloqueio do pavilhão auricular e anestesia tumescente da região.

3. Duas incisões paralelas, a primeira entre o sulco supratragal e o ápice superior do trago e a segunda entre o ápice inferior do trago e a incisura intertragal de aproximadamente 1cm de comprimento, na pele e na cartilagem (Figura 3).

4. Confecção de dois pontos com náilon 4,0 do ápice superior do trago até a região pré-auricular superior e um segundo ponto desde o ápice inferior do trago até a região pré-auricular inferior, com a finalidade de deslocar o trago medialmente, denominados pontos de reparo, melhorando o acesso e visualização do meato acústico (Figura 4).

5. Medida do tamanho da lesão 10 x 13mm, retirada do tumor sem margens (debulking).

6. Exérese do tecido peritumoral com margens laterais de 2mm e profundidade até o pericôndrio, seguido por hemostasia.

7. A peça cirúrgica foi preparada para análise da totalidade de suas margens, por congelação intraoperatória, conforme a técnica da CMM.

8. Análise microscópica mostrou margens livres na primeira fase da CMM.

9. Medida final do defeito que foi de 17 x 12mm.

10. Retirada dos pontos de reparo do trago.

11. Fechamento borda a borda das incisões supratragal e infratragal com monocryl 5,0, próximo ao meato auditivo e pontos com náilon 5,0 na região distal ao meato auditivo (Figura 4).

12. Cicatrização por segunda intenção da ferida operatória do tumor (Figura 5).

13. Curativo com vaselina.

 

DISCUSÃO

As lesões localizadas no pavilhão auricular, especialmente as localizadas na região inferoanterior da concha e no meato auditivo externo representam um desafio para os cirurgiões dermatológicos. O maior desafio está na abordagem dessas lesões posto que sua visualização e acesso são limitados pelo trago, que está localizado anteriormente a elas. A técnica demonstrada neste artigo é simples e pode ser muito útil para cirurgias nessas áreas, pois permite melhor visualização e acesso do cirurgião a essas regiões anatômicas.

 

CONCLUSÃO

As lesões de localização complicada no pavilhão auricular são de difícil abordagem pelos cirurgiões dermatológicos devido à estrutura anatômica complexa dessa região. Demonstramos uma nova técnica para facilitar a abordagem cirúrgica e melhorar a visibilidade e o acesso a lesões do meato e concha auricular, que poderá ser muito útil na prática da cirurgia dermatológica.

 

Referências

1. Larrabee WF, Makielski KH, Henderson J. Surgical anatomy of the face. Philadelphia,PA: Lippincott William & Wilkins; 2004.

2. Salasche S, Bernstein G, Senkarik M, surgical anatomy of the skin, Appleton & Lange, 1988

3. 3. Brent B. Reconstruction of the auricle. In: McCarthy JG, editor. Plastic surgery. Philadelphia: WB Saunders; 1990. p. 2094-152.

4. Ragi JM, Patel D, Masud A, Rao BK. Nonmelanoma skin cancer of the ear: frequency, patients, knowledge and photoprotection practices. Dermatol Surg. 2010;36(8):1232-1239.

5. Duffy K1, McKenna JK, Hadley ML, Tristani-Firouzi P. Nonmelanoma skin cancer of the ear. Correlation between subanatomic location and post-mohs defect size. Dermatol Surg; 2009;35(1):30-3.

6. Jarell AD, Mully TW. Basal cell carcinoma on the ear is more likely to be of an aggressive phenotype in both men and women. J Am Acad Dermatol 2012;66(5):780-4.

7. Mulvaney PM, Higgins HW 2nd, Dufresne RG Jr, Cruz AP, Lee KC. Basal cell carcinomas of the ear are more aggressive than on other head and neck locations. J Am Acad Dermatol, 2014;70(5):924-6.

 

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) - Santo André (SP), Brasil.


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