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Relato de casos

Reação de corpo estranho com infecção grave decorrente de preenchimento facial realizado por profissional não médico

Priscila Wolf Nassif1; Soraia Martos2; Neide Saturnino2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201573525

Data de recebimento: 04/08/2015
Data de aprovação: 22/09/2015
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

Reconstrução de defeitos cirúrgicos nasais, especialmente quando há comprometimento simultâneo, de espessura total de asa nasal bilateral, ponta e dorso nasal, é complexa. Várias opções cirúrgicas são descritas, e a maioria dos autores recomenda enxerto de cartilagem de orelha ou retalho condromucoso de septo nasal, em associação ao retalho médio frontal, para conferir rigidez estrutural à asa nasal e impedir que se colapse durante a inspiração. Os autores descrevem uma alternativa de reconstrução, livre de cartilagem, por meio da combinação de retalhos em dobradiça a partir do sulco nasogeniano, associado ao retalho paramediano frontal.


Keywords: CIRURGIA DE MOHS; CARCINOMA BASOCELULAR; NEOPLASIAS NASAIS; RETALHOS CIRÚRGICOS; CARTILAGENS NASAIS


INTRODUÇÃO

O uso das técnicas de preenchimento cutâneo vem crescendo, e o sucesso do procedimento está intimamente relacionado com a substância escolhida e o método de aplicação.1 A técnica de preenchimento cutâneo inclui-se entre os procedimentos não cirúrgicos mais comumente utilizados. Atualmente não há disponível no mercado substância ideal, pura e livre de efeitos colaterais.2 Existem vários relatos de complicações com uso de preenchedores, como reações inflamatórias, edema, hematomas, nódulos por distribuição desigual do produto ou por hipersensibilidade e infecção.3 No âmbito da estética, tanto a capacitação do profissional quanto a procedência do produto devem ser cuidadosamente observados. Os estabelecimentos em que serão realizados os procedimentos devem possuir condições hígidas e ser adequadamente equipados.4 O profissional responsável pelo procedimento deve ter experiência na seleção do produto adequado e no uso das técnicas de aplicação para cada sítio anatômico específico, fato esse que também exige extenso conhecimento da anatomia facial.5 O presente trabalho objetiva relatar um caso de preenchimento facial realizado por profissional não médico, que resultou em grave reação de corpo estranho e infecção cutânea, levando a deformidades permanentes no paciente.

 

RELATO DE CASO

Paciente de 47 anos, do sexo masculino, deu entrada no hospital relatando reação alérgica à picada de abelha ocorrida 20 dias antes da apresentação dos sintomas. Ao exame apresentava-se febril, taquicárdico, com edema palpebral superior e inferior bilateral, além de nódulos eritêmato-violáceos de aspecto flutuante no sulco nasogeniano e na região frontal (Figura 1). Nos exames iniciais observou-se leucocitose (24.900mil/mm3) com desvio à esquerda e introduziu-se antibioticoterapia com clindamicina e oxacilina. No segundo dia de internação, substitui-se a oxacilina por ciprofloxacino conforme orientação da Clínica de Moléstias Infecciosas. Também foi realizada aspiração com agulha das lesões faciais, obtendo-se secreção purulenta, então enviada para culturas. A cultura para fungos e bactérias e teste Anti-HIV resultaram negativos. No sexto dia de internação hospitalar, sem melhora do quadro e após insistente questionamento, o paciente afirmou ter realizado um procedimento com injeção de polimetilmetacrilato (PMMA) na face há 20 dias, por profissional não médico. O exame anatomopatológico da biópsia do nódulo na face evidenciou infiltrado granulomatoso em toda a derme, observando-se microcistos em meio ao infiltrado, além de acantose pseudoepiteliomatosa associada a microabscessos, corroborando a proposição clínica de granuloma de corpo estranho. O paciente foi então encaminhado para o serviço de cirurgia plástica, onde foram realizadas retiradas cirúrgicas do produto, além de tratamento mensal com corticosteroides injetáveis durante um ano. Houve melhora parcial do quadro, mas o paciente permaneceu com sequelas decorrentes do procedimento (Figura 2).

 

DISCUSSÃO

Atualmente existem diferentes tipos de preenchedores que são classificados em temporários; semipermanentes que devem permanecer pelo menos 18 meses no tecido; e permanentes. Entre estes últimos, podemos citar o PMMA e o silicone.6,2 O PMMA é composto de microesferas suspensas em solução de colágeno bovino, carboximetilcelulose ou hidroxietilcelulose.7,8 O silicone é formado por polímeros derivados do silício, e pode apresentar-se como gel, espuma ou líquido, dependendo do grau de polimerização.9 A utilização de preenchedores permanentes implica responsabilidade médica de injeções precisas. O domínio de eventuais complicações e o planejamento cuidadoso dos planos de injeção e áreas mais indicadas são imperativos. A aplicação dessas substâncias pode causar alguns efeitos colaterais indesejáveis, incluindo, edema local, processos inflamatórios, telangiectasias, cicatrizes hipertróficas, reações alérgicas e formação de granulomas. Estes últimos aparecem geralmente entre seis e 24 meses após o tratamento, com taxa de ocorrência de 0,6%, mas podem também surgir vários anos após a injeção.10

Destaca-se ainda a possibilidade da formação de biofilmes, com a utilização de materiais estranhos ao hospedeiro para implante em tecidos moles. Os biofilmes são constituídos por comunidades bacterianas gram-positivas e gram-negativas, porém podem conter fungos, algas e protozoários. Vale ressaltar que o biofilme torna mais difícil a ação dos antimicrobianos, uma vez que promove mecanismos de proteção das bactérias a esses agentes. Isso pode justificar a infecção no local do procedimento realizado nesse paciente, o que dificultou a resposta terapêutica. Rosa e Macedo1 trazem algumas recomendações importantes e prudentes no uso de substâncias de preenchimento: a) evitar a realização desses procedimentos em menores de idade; b) realizar inicialmente preenchimentos com substâncias absorvíveis antes de substâncias permanentes; c) selecionar individualmente os pacientes e a indicação correta do procedimento, uma vez que as substâncias são de difícil remoção; d) ser criterioso com relação às recomendações do fabricante do produto; e) utilizar condições estéreis e limitar o número de penetrações da agulha, minimizando o risco de contaminação bacteriana; f) acompanhar os pacientes com retorno programado para a semana seguinte, visto que a maioria das infecções bacterianas ocorre de oito a dez dias após o preenchimento; g) realizar profilaxia antiviral em pacientes com antecedentes de herpes labial; h) atentar para a quantidade injetada nas comissuras labiais, pois as substâncias migram com facilidade; i) evitar o procedimento próximo à emergência das artérias supratrocleares durante a correção das rugas supratrocleares. No caso em questão o paciente foi submetido à aplicação de preenchimento facial por profissional que não era da área da saúde, utilizando o preenchedor permanente PMMA. Estudos de análises de reações histopatológicas provocadas pelo PMMA revelaram a presença de infiltrados inflamatórios, e redução da quantidade do produto conforme o tempo de evolução do tempo do procedimento. Inversamente à quantidade de PMMA, a fibrose e reação inflamatória mostravam-se aumentadas com a evolução do tempo, garantindo a formação do granuloma de corpo estranho, conforme encontrado no anatomopatológico do paciente em questão. Contrariando a literatura, que cita os granulomas como uma reação mais tardia,3,10 o paciente referiu os sintomas 20 dias após o procedimento, decorrente da infecção secundária das lesões provocadas por técnicas inadequadas de assepsia nos locais da aplicação do produto.

 

CONCLUSÃO

De acordo com a literatura pesquisada, a substância então utilizada por si só já poderia causar reações adversas;3 no caso em questão, em que o procedimento foi realizado por um profissional não médico, houve sinais de exacerbação das reações resultando em sequelas decorrentes de falhas na técnica empregada e da falta de conhecimento da anatomia da face, além de condições mínimas de higiene. O uso indiscriminado de determinadas substâncias por profissional não habilitado pode culminar com sequelas importantes, acarretando ao indivíduo prejuízo social e estético.

 

Referências

1. Rosa SC, Macedo JLS. Reações Adversas a Substâncias de Preenchimento Subcutâneo. Rev Soc Bras Cir Plást. 2005;20(4):248-52.

2. Crocco EI, Alves RO, Alessi C. Adverse events in injectable hyaluronic acid. Surg Cosmet Dermatol. 2012;4(3):259-63.

3. Lowe NJ, Maxwell CA, Patnaik R. Adverse Reactions to Dermal Fillers: Review. Dematol Surg. 2005;31(11 PT 2):1616-25.

4. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. [Internet]. Alertas de Tecnovigilância. [Acesso em 2014 Fev 15]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/sistec/alerta/RelatorioAlerta.asp?NomeColuna=CO_SEQ_ALERTA&Parametro=1136

5. Funt D, Pavicic T. Dermal fillers in aesthetics: an overview of adverse events and treatment approaches. Clinical, Cosmetic and Investigatinal Dermatology. 2013:6.

6. Farahani SS, Sexton J, Stone JD, Quinn K, Woo SB. Lip Nodules Caused by Hyaluronic Acid Filler Injection: Report of Three Cases. Head and Neck Pathol. 2012;6(1):16-20.

7. Castro ACB, Collares MVM, Portinho CP, Dias PC, Pinto RA. Necrose facial extensa após infiltração com polimetilmetacrilato. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73(6):850.

8. Silva MTT, Curi AL. Blindness and total ophthalmoplegia after aesthetic polymethyl-methacrylate injection: case report. Arq Neur Psiquiatria. 2004;62(3b):873-4.

9. 9 Sukhjit S, Burgett RA. Dermal filler agents: a pratical review. Curr Opin Ophthalmol. 2006;17(5):471-9.

10. Requena C, Requena L, Sanmart_ın O, Botella R. Histopathologic findings of granuloma caused by polymethylmethacrylate microspheres. Arch Dermatol. 2003;139(11):1505.

 

Trabalho realizado na Faculdade Ingá - Maringá (PR), Brasil.


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