Maria Lopes Lamenha Lins Cavalcante1; Ana Cecília Versiani Duarte Pinto1; Fernanda Freitas de Brito1; Gardênia Viana da Silva2; Gabriela Itimura1; Antônio Carlos Ceribelli Martelli3
Introdução: O vitiligo é forma adquirida autoimune de hipopigmentação ou despigmentação, iniciando-se na infância metade de seus casos. Objetivos: Traçar o perfil clínico e epidemiológico do vitiligo infantil em um centro de referência em dermatologia. Métodos: Estudo transversal e descritivo com análise dos prontuários de pacientes com menos de 13 anos diagnosticados como portadores de vitiligo entre 2004 e 2014. Resultados: Dos 113 casos identificados, 54% eram do sexo feminino e 46% do sexo masculino; a idade variou de zero a 12 anos com a maioria dos pacientes (54,8%) no subgrupo de quatro a oito anos. Em 59% dos prontuários não havia registro sobre fatores desencadeantes do vitiligo; 31% dos pacientes associaram o início da doença a estresse emocional, 3% a trauma físico, e 7% não associaram a fator desencadeante. Conclusões: A discreta prevalência no sexo feminino também foi descrita em outros estudos. O comportamento do vitiligo na criança é diferente daquele observado nos adultos. A influência dos fatores psicológicos como desencadeantes e os potenciais efeitos duradouros na autoestima devem ser levados em consideração na abordagem do paciente. Os resultados deste trabalho foram semelhantes aos relatos existentes sobre o vitiligo nessa faixa etária, que são, aliás, poucos na literatura.
Keywords: CRIANÇA; EPIDEMIOLOGIA; VITILIGO
O vitiligo é forma autoimune adquirida de perda do pigmento caracterizada por hipopigmentação ou despigmentação.1 Afeta de 0,5% a 2% da população mundial, e metade dos casos começa na infância.1-3 Para alguns autores, o potencial desfigurante e inestético do vitiligo se correlaciona com a depressão e outras desordens psicossociais em diferentes fases da vida, incluindo infância e pré-adolescência.4-6 Estudos têm apoiado a teoria de que as doenças de pele, em particular o vitiligo, têm interferência no desenvolvimento psicossocial.1,4,5,7,8 Este trabalho tem como objetivo traçar o perfil clínico e epidemiológico de pacientes com menos de 13 anos de idade diagnosticados com vitiligo em um centro de referência em dermatologia no interior de São Paulo - Brasil. Dessa forma, pretende-se alertar os dermatologistas para essa dermatose que pode ocasionar nocivas repercussões à saúde da criança.
Trata-se de estudo transversal e descritivo com análise retrospectiva de todos os prontuários de pacientes com menos de 13 anos que foram diagnosticados com vitiligo no período de julho de 2004 a julho de 2014, configurando amostragem do tipo não probabilístico por conveniência, na qual 113 casos foram identificados.
Procedeu-se pesquisa de dados clínicos e epidemiológicos que incluíram: sexo, grupo etário, topografia da lesão, tempo decorrido do primeiro sintoma ao diagnóstico, presença de fator desencadeante e tratamento utilizado. De acordo com apresentação clínica, o vitiligo dos pacientes foi classificado em seis tipos: focal (uma ou mais máculas despigmentadas em alguma área sem distribuição por dermátomo), segmentar (uma ou mais máculas em um dermátomo ou segmento unilateral do corpo), vulgar (máculas amplamente distribuídas), acrofacial (face e região acral, simétrica), universal (80% ou mais de área afetada), mucoso (uma ou mais mucosas).
Ressalta-se que pelo desenho do estudo vieses de aferição e informação devem ser considerados.
Os dados obtidos foram processados em Microsoft® Excel, com análise de frequência e porcentagem, e esse programa foi utilizado para a elaboração dos gráficos. Os princípios da Declaração de Helsinki foram respeitados durante a realização do estudo.
Foram identificados 113 casos de vitiligo infantil. Desses, 54% eram do sexo feminino e 46%, do sexo masculino (Gráfico 1). A idade variou de 0 a 12 anos, tendo sido agrupados pacientes entre zero e quatro anos (25,6%), >4-8 anos (54,8%) e >8-12 anos (19,6%) (Gráfico 2). O local mais prevalente da primeira manifestação clínica foi a face, acometida isoladamente em 27% dos casos e associada a outros segmentos corporais em 36%. Outras topografias afetadas foram: região genital (12%), membros inferiores (12%), tronco (8%) e membros superiores (5%) (Gráfico 3). O tempo decorrido entre o primeiro sintoma e o diagnóstico foi inferior a um ano em 55,7%. A maioria (82,3%) negava história familiar de vitiligo. Em 59% dos prontuários não havia registro de fatores desencadeantes da doença; 31% dos pacientes associaram seu início a estresse emocional, 3% a trauma físico e 7% não associaram a fator desencadeante (Gráfico 4). De acordo com a classificação adotada, vitiligo vulgar correspondeu a 58,4% dos casos; focal a 23%, segmentar a 8,8%, mucoso a 6,3%, universal a 2,6% e acrofacial a 0,9% (Gráfico 5). O tratamento tópico foi utilizado como monoterapia em 72% dos pacientes. A associação da medicação tópica com helioterapia foi feita em 5%, e a associação com tratamento sistêmico (corticoide, vitaminas C e E, ácido fólico) em 9% dos casos. A fototerapia foi utilizada em 11% dos pacientes, e 3% deles não realizaram tratamento no serviço. Foram encaminhados para psicoterapia 20,3% dos identificados.
A discreta prevalência no sexo feminino também foi descrita em estudos nacionais e estrangeiros.1-3,9,10 Esse fato pode estar associado a possível maior preocupação estética dos pais com as meninas.3,10 A faixa etária mais acometida foi a dos quatro aos oito anos (54,8%), porém há estudos que apontam idade mais tardia.1,3,10 Na maioria dos pacientes o diagnóstico ocorreu em menos de um ano, o que pode ser considerado precoce quando comparado a recente estudo indiano, cuja média foi de 18,6 meses1 e que observou ser o acrofacial o tipo mais comum na infância (38,1%), enquanto o estudo aqui apresentado apontou o tipo vulgar (58,4%), corroborando os resultados da maioria dos trabalhos.1 A face foi o local mais acometido (27,4%), e isso é consistente com outros autores.1,2 A história familiar de vitiligo foi positiva em 17,7% dos pacientes, porcentagem inferior à encontrada em outro trabalho (28,7%).1 As consequências psicológicas do vitiligo na infância são muito descritas na literatura atual.3-5,9 Pouco se sabe, porém, sobre a influência de possíveis fatores desencadeantes (traumas psicológicos e físicos), frequentemente observados na prática clínica. Os pais de 34% das crianças associaram algum evento ao início das lesões, e o estresse emocional foi o mais relatado. Um estudo nacional mostrou que em 60% dos casos foi referida alguma situação relevante (separação ou morte de um dos pais, abuso sexual ou morte de um animal de estimação).3 Apenas 20,3% dos nossos pacientes foram encaminhados à psicoterapia, evidenciando a necessidade de atribuir mais destaque a essa modalidade terapêutica. A monoterapia tópica foi a mais utilizada em função dos menores riscos de efeitos colaterais e do caráter benigno das lesões.
O comportamento do vitiligo na criança é diferente daquele observado nos adultos. A influência dos fatores psicológicos como desencadeantes, assim como os efeitos duradouros na autoestima dos pacientes devem ser levados em consideração no momento da escolha do tratamento. Os resultados obtidos neste trabalho foram semelhantes aos poucos relatos sobre o perfil clínico e epidemiológico do vitiligo nessa faixa etária existentes na literatura.
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Trabalho realizado no Instituto Lauro de Souza Lima - Bauru (SP), Brasil.