7836
Views
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Peeling de ácido tricloroacético no tratamento de melanoses actínicas no dorso das mãos: estudo comparativo e randomizado entre dois veículos

Priscila Regina Orso Rebellato1; Luciana Rodrigues Lisboa Faucz2; Juliano Vilaverde Schmitt3; Camila Araújo Scharf Pinto4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201574710

Data de recebimento: 04/10/2015
Data de aprovação: 06/12/2015
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: A melanose actínica é transtorno de pigmentação originado pela ação cumulativa da luz solar na pele, e sua incidência aumenta com o avanço da idade. Objetivo: Considerando a falta de estudos que comparem agentes com igual concentração, porém em veículos diferentes, analisamos os efeitos clínicos de peelings químicos realizados com pasta ou solução de ácido tricloroacético (ATA) 20% no tratamento de melanoses actínicas do dorso das mãos. Métodos: Estudo prospectivo, controlado, randomizado, com 15 pacientes portadoras de melanoses actínicas bilaterais no dorso de mãos. Foram realizadas três sessões mensais de peelings de ATA 20% em pasta em uma das mãos e em solução na outra. Foram avaliados o grau de clareamento por 13 dermatologistas cegados e a satisfação e preferência de método pelas pacientes. Resultados: Não houve preferência por qualquer dos métodos utilizados (p = 0,41), porém, segundo avaliação médica, houve clareamento mais intenso com a pasta (p = 0,01). Apenas a pasta provocou efeitos adversos significativos, afetando quatro das 15 pacientes. Conclusões: Em relação à solução, a pasta de ATA a 20%, quando aplicada por dois minutos no tratamento das melanoses actínicas, demonstrou clareamento mais intenso, porém revelou tendência a causar mais efeitos adversos locais.


Keywords: ÁCIDO TRICLOROACÉTICO; MELANOSE; MÃOS; ABRASÃO QUÍMICA; PIGMENTAÇÃO DA PELE


INTRODUÇÃO

Em estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia os transtornos de pigmentação constituíram as causas mais frequentes de consulta ao dermatologista entre pacientes de 40 a 64 anos.1 A melanose actínica (MA), ou melanose solar, é alteração cutânea comum entre essas queixas dermatológicas, originando-se da ação cumulativa da luz solar na pele após a terceira ou quarta décadas de vida.2,3

Além da proteção solar efetiva e regular, o tratamento das melanoses solares inclui medicamentos tópicos com efeito clareador e procedimentos ablativos, tais como crioterapia, laser, luz intensa pulsada e aplicação pontual de líquidos cáusticos, como o ácido tricloroacético e o fenol. A aplicação de cáusticos na forma de peelings químicos no dorso das mãos é também relatada no tratamento das melanoses solares. A aplicação mais difusa do cáustico na região afetada possui o efeito adicional de tratar lesões incipientes ou subclínicas, assim como demais aspectos do fotoenvelhecimento frequentemente associados às melanoses solares.4,5

Apesar da disponibilidade de variadas opções no tratamento para as melanoses solares, existem poucos estudos que comparam técnicas.

O uso do ácido tricloroacético (ATA) na realização de peelings químicos tem sido relatado principalmente em dois veículos: a solução aquosa e a pasta hidrossolúvel.

De modo geral, o peeling de ATA em solução aquosa é realizado através de sucessivas aplicações, intercaladas por intervalos de tempo padronizados, após o qual se verifica o nível de dano (frosting) provocado pelas aplicações anteriores.6

A pasta de ATA foi criada com a finalidade de se obter mais uniformidade no efeito do ácido. Pastas são formas farmacêuticas de consistência semissólida, que contêm significativa proporção de partículas sólidas insolúveis (~20-50%), sendo formuladas com excipientes de características graxas ou aquosas.2

As características reológicas das formas farmacêuticas interferem na velocidade de liberação do ativo, na velocidade de evaporação do solvente e na quantidade de ativo aplicado por área de pele.

No presente estudo comparamos a eficácia e segurança no tratamento das melanoses solares do dorso das mãos com ATA nas apresentações de pasta e solução.

 

MÉTODOS

Estudo prospectivo, controlado, randomizado, tipo ensaio clínico, em que foram selecionadas 15 pacientes com no mínimo cinco lesões de MA no dorso das mãos, por ocasião de consulta no Ambulatório de Dermatologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba.

Foram excluídos indivíduos com história prévia ou atual de verrugas ou herpes recorrente no dorso das mãos; pacientes grávidas ou lactantes; bem como pacientes com infecção de pele ativa no local da aplicação do peeling; com histórico de hipersensibilidade ao ATA, queimadura solar nos últimos três dias, cirurgia, crioterapia, radioterapia ou Puva nas últimas seis semanas; pacientes em uso sistêmico de isotretinoína nos últimos seis meses; e aqueles com incapacidade de compreensão dos cuidados pós-peeling; e impossibilidade de seguir o estudo até o final.

A solução de ATA foi manipulada apenas em água desmineralizada, e a pasta base para ATA continha os seguintes componentes: glicerina, sorbitol, talco, aerosil, veegum k, blanc covasop, fenonipe e água. A concentração de ATA foi titulada em 20% de massa de soluto por massa de solução para ambas as formulações.

Foram realizadas três sessões de peeling com intervalo de 30 dias entre cada uma delas. Antes da aplicação, o dorso das mãos foi desengordurado com álcool 70%. Randomicamente, todo o dorso de uma das mãos foi tratado com ATA 20% em solução e o da outra com ATA 20% em pasta. A forma escolhida na primeira sessão, foi mantida para as sessões seguintes. A aplicação da pasta foi realizada com espátula, deixando-se o produto em contato com a pele por dois minutos, lavando-se o local a seguir abundantemente com soro fisiológico a 0,9% até a completa remoção. A solução foi aplicada em camadas com gaze umedecida até o aparecimento do nível II de frosting (cobertura branca uniforme com forte fundo rosa), sem enxague. Recomendou-se às pacientes que não lavassem as mãos nas próximas três horas que se seguiram às aplicações e que utilizassem vaselina líquida no local nos cinco dias subsequentes. Também foram orientadas a não se expor ao sol e a aplicar filtro solar diariamente. Tanto o filtro solar quanto a vaselina líquida foram fornecidos e padronizados.

O grau de clareamento das lesões foi avaliado por 13 dermatologistas por meio de fotografias obtidas antes e 30 dias após o final do tratamento, sem identificação do método utilizado. O nível de melhora foi avaliado em escala semiquantitativa de 0 a 3 (0 - Sem melhora/clareamento <25%; 1 - Leve melhora/clareamento de 25-50%; 2 - Moderada melhora/clareamento de 50-75%; 3 - Significativa melhora/clareamento >75%).

Por fim, o grau de satisfação de cada paciente com cada tratamento foi avaliado mediante o uso de escala com três opções: insatisfeita, pouco satisfeita e muito satisfeita.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética da instituição, e todos os participantes leram e assinaram previamente o termo de consentimento esclarecido.

Os dados categóricos foram representados por proporções e números absolutos e os paramétricos por médias ± desvio-padrão. Foram utilizados testes binomial, exato de Fisher e Mann-Withney, e correlação intraclasse (concordância completa). Na análise dos escores dos dermatologistas foi utilizado modelo linear generalizado misto com ajuste de curva tipo gama. Os dados foram analisados pelo aplicativo IBM SPSS 20 e foram considerados significativos valores de p < 0,05.

 

RESULTADOS

Foram incluídas 15 participantes do sexo feminino, das quais quatro tiveram efeitos adversos significativos com a pasta, e nenhuma com a solução (p = 0,10 - teste exato de Fisher). Uma paciente não concluiu o estudo devido à irritação intensa no local de aplicação da pasta de ATA, com formação de bolhas. Duas pacientes apresentaram ardor intenso durante a aplicação da pasta, sendo necessário reduzir o tempo de ação para 1,5 minuto nas sessões seguintes, com boa evolução. Uma paciente apresentou formação de pústulas após a primeira sessão na mão em que foi aplicada a pasta, sendo o quadro resolvido com antibiótico sistêmico e corticosteroide tópico de média potência durante sete dias, não recorrendo nas demais sessões. Assim, terminaram o estudo 14 mulheres, sendo nove de fototipo II e cinco de fototipo III, com idade média de 58 ± 10,7 anos.

Dessas 14 não houve nenhuma paciente insatisfeita com ambos os tratamentos, tendo 12 ficado muito satisfeitas com a pasta e 11 muito satisfeitas com a solução (p = 0,99 - teste exato de Fisher). Quanto à preferência de método, cinco preferiram a pasta, e oito a solução (p = 0,41 - teste binomial).

Com relação à avaliação dos dermatologistas, houve satisfatória correlação intraclasse (0,87) entre os 13 avaliadores, sendo que o escore médio de melhora clínica atribuída à pasta foi superior ao atribuído à solução (1,28 ± 0,98 x 1,01 ± 0,86; p = 0,01 - teste de Mann-Whitney) (Figuras 1 e 2; Gráfico 1). A superioridade da pasta foi posteriormente confirmada por modelo linear generalizado misto controlado pelas variáveis dermatologista avaliador, paciente e membro aplicado (p < 0,01; Coeficiente = 0,11 [IC 95%: 0,04 a 0,18]; Akaike = 361,5; Bayesian = 413,6).

 

DISCUSSÃO

O ATA tem sido considerado no tratamento ablativo das melanoses solares com resultados satisfatórios.7 É cauterizante químico que coagula proteínas da pele, podendo ser utilizado pontualmente ou na forma de peelings químicos.8

São determinantes da profundidade do efeito cáustico a espessura e o grau de oleosidade da pele-alvo, a concentração do fármaco, o grau de desengorduramento prévio, o atrito durante a aplicação, a oclusão e o volume aplicado.1,9,10 Além disso, existem diferentes formas farmacêuticas que, por suas propriedades físico-químicas, conduzem o princípio ativo ao seu local de ação com dinâmicas diferentes.

De acordo com revisão bibliográfica realizada, não encontramos estudos que comparem a aplicação de peelings em diferentes veículos. Por outro lado, alguns estudos comparam a crioterapia com peeling de ATA (33 a 40%) no tratamento de melanoses solares, com resultados favoráveis ao primeiro método.11-13

Na presente estudo, do ponto de vista das participantes, nenhum dos métodos se destacou quanto à preferência ou satisfação. Por outro lado, na avaliação cega do resultado estético realizada por dermatologistas, houve significativa superioridade com o uso da pasta.

Apesar da avaliação dos dermatologistas ter demonstrado maior grau de clareamento com a formulação em pasta, devemos ressaltar que os efeitos adversos com esse veículo tenderam a ser mais intensos.

A opacidade das pastas de ATA prejudica a avaliação do nível de dano, ou frosting, causado pelo ativo, dificultando assim a identificação do momento apropriado de retirada do cáustico. Por outro lado, a definição de um tempo fixo de exposição ao ácido desconsidera a variabilidade de resposta ao produto entre os indivíduos.

Em seu estudo, Goldust M e cols. encontraram como principal efeito adverso ao uso do ATA a hiperpigmentação, mas a concentração do ácido utilizada foi 40%, o veículo foi a solução, e a aplicação foi pontual sobre cada lesão solar. Diferente da presente pesquisa, em que usamos menor concentração e aplicamos a pasta de forma difusa, não houve casos de hiperpigmentação ou qualquer outro efeito a longo prazo.

 

CONCLUSÕES

Os peelings utilizando solução ou pasta de ATA a 20% para o tratamento das melanoses actínicas no dorso das mãos mostram-se eficientes. A definição do tempo fixo de dois minutos de exposição à pasta parece proporcionar clareamento efetivo e superior ao uso da solução, limitada a um frosting nível II. Por outro lado, a intensidade de ação cáustica da pasta é relativamente errática, com um quarto dos pacientes apresentando efeitos adversos importantes.

A definição de tempo padronizado de exposição à pasta de ATA pode não ser uma abordagem adequada enquanto novos estudos não identificarem fatores objetivos que possam predizer a suscetibilidade a seus efeitos danosos em cada indivíduo.

 

Referências

1. Sittart JAS, Zanardi FHT. Prevalência das dermatoses em pacientes da 4ª idade. Rev Soc Bras Clin Med. 2008;6(4):125-9.

2. Machado Filho CDS, Meski APG, Grinblat BM, Garrone MH. Discromias. In: Belda Junior W, Di Chicaccio N, Criado PR. Tratado de Dermatologia. São Paulo: Atheneu; 2010. p. 667-91.

3. Sampaio SAP, Rivitti EA. Dermatologia. São Paulo: Artes Médicas; 2007. p. 353-74.

4. Miot LDB, Miot HA, Silva MG, Marques MEA. Fisiopatologia do melasma. An Bras Dermatol. 2009;84(6):623-35.

5. Costa IMC. Peelings químicos. In: Lupi O, Belo J, Cunha PR. Rotinas de diagnóstico e tratamento da Sociedade Brasileira de Dermatologia. 2.ed. Itapevi: AC Farmacêutica; 2012. p. 496-502.

6. Zanini M. Gel de ácido tricloroacético: uma nova técnica para um antigo ácido. Med Cutan Iber Lat Am. 2007;35(1):14-7.

7. Bagatin E. Peelings químicos corporais. In: Kadunc BV, Palermo E, Addor FAS, Metsavaht LD, Mattos R, Bezerra SMC. Tratado de cirurgia dermatológica, cosmiatria e laser da Sociedade Brasileira de Dermatologia. Rio de Janeiro: Elsevier; 2012. p. 327-32.

8. Kadunc BV. Introdução aos peelings químicos. In: Kadunc BV, Palermo E, Addor FAS, Metsavaht LD, Mattos R, Bezerra SMC. Tratado de cirurgia dermatológica, cosmiatria e laser da Sociedade Brasileira de Dermatologia. Rio de Janeiro: Elsevier; 2012.p. 311.

9. Kede MPV. Peelings químicos. In: Ramos-e-Silva M, Castro MCR. Fundamentos de Dermatologia. Rio de Janeiro: Atheneu; 2009. p. 2247-68.

10. Yokomizo VMF, Benemond TMH, Chizaki C, Benemond PH. Peelings químicos: revisão e aplicação prática. Surg Cosmet Dermatol. 2013;5(1):58- 8.

11. Goldust M, Golforoushan F, Sadeghi M, Rezaee E. A comparative study in the treatment of Solar Lenigines with Trichloroacetic Acid 40% versus Cryotherapy. Cosmetic Dermatol. 2011;24(5):215-9.

12. Golforoushan F, Azimi H, Sadeghi M, Yousefi N, Goldust M. Efficacy and side effects os Trichloroacetic Acid (TCA) versus Cryotherapy in the treatment of solar lentigo. Iranian J Dermatol. 2010;13(52):47-51.

13. Raziee M, Balighi K, Shabanzadeh-Dehkordi H, Robati RM. Efficacy and safety of cryotherapy vs. trichloroacetic acid in the treatment of solar lentigo. J Eur Acad Dermatol. 2008;22(3):316-9.

 

Trabalho realizado no Hospital Universitário Evangélico de Curitiba - Curitiba (PR), Brasil.


Licença Creative Commons All content the journal, except where identified, is under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license - ISSN-e 1984-8773