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Relato de casos

Tratamento do líquen plano pigmentoso com luz intensa pulsada

Meire Brasil Parada1, Samira Yarak1, Nilceo S. Michalany1

Recebido em: 13/07/2009
Aprovado em: 25/10/2009
Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

Abstract

Trata-se do relato de um caso de líquen plano pigmentoso,associado ao líquen plano clássico, tratado com luz intensa pulsada. A tecnologia da luz intensa pulsada tem sido utilizada com êxito na remoção de várias lesões cutâneas pigmentadas benignas e, no caso raro aqui abordado, provou sua efetividade.

Keywords: LÍQUEN PLANO, TRATAMENTO FÍSICO-QUÍMICO, HIPERPIGMENTAÇÃO


INTRODUÇÃO

Líquen plano pigmentoso (LPP) é uma variante rara do líquen plano e se caracteriza por máculas e/ou pápulas hiperpigmentadas, com prurido ocasional, que ocorrem na face, pescoço e fl exuras.1 A etiologia é desconhecida, embora se tenha observado o contato com algumas substâncias químicas.1,2

Na literatura científi ca, as desordens pigmentares com características similares ao líquen plano pigmentoso (LPP) foram descritas com diversos sinônimos.1-3

Entretanto, foi Gougerot1 o primeiro autor que relatou a ocorrência de máculas pigmentadas com achados histopatológicos de reação infl amatória do tipo liquenoide.

A associação de LPP com LP é rara e apenas poucos casos foram relatados na literatura.1

O LPP é um distúrbio da pigmentação frequente em indianos, mas pode apresentar-se em outros grupos raciais.1 O líquen plano (LP) é uma desordem imunológica, mediada por linfócitos, em que os queratinócitos da camada basal parecem ser o alvo dos linfócitos T.

Acredita-se que os linfócitos T são mediadores da morte dos queratinócitos basais, resultando na formação de corpos coloides ou de Civatte, na porção mais inferior da epiderme e derme papilar. Essas reações são denominadas “reações teciduais liquenoides”.1-3

A emissão de luz intensa pulsada (LIP) produz um feixe de luz não coerente, cujo espectro de radiação abrange simultaneamente vários comprimentos de onda.4,5 Hoje, a LIP tem sido muito utilizada para o tratamento de algumas lesões pigmentadas com resultados promissores. As lesões pigmentadas superfi ciais respondem melhor do que as mais profundas e são necessárias múltiplas sessões.4,5

Apresentamos um caso de LPP associado ao clássico LP e tratado com LIP nas lesões pigmentadas de face e pescoço.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 41 anos, há três anos apresentando máculas castanho-acinzentadas confl uentes que tiveram início na face, com posterior acometimento de pescoço, tórax anterior e membros superiores (Figuras 1A e 1B). Inicialmente, referia ardor e prurido sem eritema ou edema, com posterior aparecimento de lesões pigmentadas. Foi tratada com clarea- dores tópicos (hidroquinona), ácido glicólico, corticoesteroide não fluorado e fotoprotetores sem obter melhora. Observouse piora do quadro clínico, devido ao aumento do número e da intensidade da pigmentação das lesões. Após dois anos, a paciente apresentou pápulas eritematosas e pruriginosas nos punhos e no dorso das mãos. Foram realizadas biópsias das lesões da face e dos antebraços, que apresentavam, respectivamente: a) degeneração vacular da camada basal, infiltrado linfocitário perivascular e em faixa focal, apresentando, de permeio, melanófagos (Figura 2A); b) intensa degeneração vacuolar da camada basal, com formação de fenda subepidérmica e infiltrado linfocitário em faixa na derme papilar, apresentando, de permeio, melanófagos (Figura 2B). Propôs-se a realização de alguns testes com LIP, em virtude da piora do quadro clínico, com comprimento de ondas de 540 e 570 nm. Após avaliação desses testes, de acordo com a resposta terapêutica, o comprimento de onda escolhido foi de 570 nm.

O aparelho de LIP utilizado foi o Harmony®, com comprimento de onda de 570 nm, tempo de exposição 12 mseg e fluência de 15 j/cm2 em toda a área hiperpigmentada de face. Logo depois do tratamento, houve reação muito intensa com eritema, edema e queimação no local e posterior clareamento sem a necessidade de outras aplicações ou outros clareadores tópicos. Um ano após o tratamento com LIP (Figuras 3A e 3B) , realizou-se nova biopsia da face, que apresentou epiderme conservada, camada basal com distribuição irregular do pigmento melânico e melanócitos típicos e regularmente distribuídos. Derme papilar com discreta dilatação dos vasos linfáticos do plexo vascular superficial, aumento de fibroblastos e presença de vários melanófagos distribuídos, sobretudo ao redor dos vasos sanguíneos. Ausência de infiltrado inflamatório. Derme reticular sem alterações (Figuras 4A,B e C).

DISCUSSÃO

O LPP é uma variante rara e crônica do LP clássico e se caracteriza pelo aparecimento insidioso de máculas hiperpigmentadas nas áreas expostas ao sol e flexuras. Em geral, o início do quadro ocorre entre a terceira e a quarta décadas de vida, com discreta predominância no sexo feminino.1,2 As lesões aparecem como pequenas máculas, sem borda eritematosa, de coloração que varia do cinza-ardósia ao preto amarronzado.1 A distribuição cutânea é, via de regra, difusa, simétrica e bilateral em 91% dos casos,1 podendo ser reticular, perifolicular1-3 ou até mesmo com distribuição linear ou zosteriforme.1,2

As lesões frequentemente têm início no pescoço e na face, com posterior acometimento das extremidades superiores e partes superiores do tronco; semelhante a esse caso e, com menor incidência, pode ocorrer em áreas flexurais (LPP inversus) 1,2 e couro cabeludo. A mucosa oral também pode ser acometida, 1 mas não se observou o comprometimento de unhas e regiões palmoplantares.1 A evolução do LPP é crônica, com fases de exacerbações e remissões. A ocorrência de prurido é variável1,2 e a exposição solar pode agravar as lesões.1

>No LPP, as lesões coincidentes de LP (papular, oral, folicular, linear ou actínico) foram encontradas em 9%,1 23,5%1 e 27% dos casos, respectivamente. Acredita-se que a reação inflamatória liquenoide se deva à resposta tardia da pele a alérgenos contactantes,1-4 como óleo de mostarda, óleo de amla, henna e tintura de cabelo.1

O estudo histológico descrito por Kanwar1 demonstrou hiperqueratose em 13,8%, afinamento da epiderme em 7,7%, degeneração da camada basal em 78,5%, infiltrado perivascular em 81,5%, melanófagos em 63% e infiltrado bandasímile na derme superior em 18,5%. O colágeno era normal e a derme não apresentava alterações vasculares. Depósito de material amiloide e pigmento de ferro não estavam presentes, com a maior parte das alterações histológicas do tipo leve ou moderada, semelhante à nossa paciente.

>De acordo com a literatura, no diagnóstico diferencial devem-se levar em conta os distúrbios inflamatórios que compartilham achados histopatológicos de reação inflamatória liquenoide descrita por Pinkus, como a melanose de Riehl e o eritema discrômico persistente (dermatose cinzenta).2

A presença das lesões do LPP na face/pescoço é um grave problema estético. Atualmente, muitas modalidades de laser ou luz intensa pulsada têm sido utilizadas no tratamento de lesões pigmentadas cutâneas benignas.4,5 A LIP pode ser o tratamento de escolha para promover a destruição dos melanossomos intraepidérmicos, por apresentar efetividade, menos efeitos adversos e complicações em relação ao uso do laser.4,5 Na literatura científica, não evidenciamos caso algum de LPP em que se tenha escolhido o tratamento com LIP, com a ocorrência de melhora da pigmentação cutânea e do infiltrado inflamatório liquenoide.

Nesse caso, por meio do anatomopatológico, evidenciamos a efetividade da LIP na destruição dos melanossomos intraepidérmicos (Figuras 4A,4B e 4C). Além disso, creditamos que a LIP, por reduzir os melanossomos da camada basal, possa ter contribuído indiretamente para a melhora do infiltrado inflamatório liquenoide, embora o mecanismo do processo de remoção do pigmento não esteja totalmente esclarecido. Yamashita et al. (2006)4 demonstraram, por meio de métodos não invasivos, que a fototermólise da LIP remove os melanossomos densos na camada basal, por desencadear a diferenciação acelerada dos queratinócitos basais e, assim, os melanossomos migram mais rapidamente para a superfície celular, evidenciando-se nas microcrostas, junto com os queratinócitos necróticos. Como conclusão, ressaltamos a importância do diagnóstico do LPP, que pode ser difícil na ausência de lesões típicas, a ocorrência de formas mais raras como a variante linear e, em especial, a resposta ao tratamento com LIP. Embora demande mais estudos científicos, a LIP parece ser um método promissor, efetivo e seguro no tratamento estético do LPP.

Referências

1 . Kanwar AJ, Dogra S, Handa S, Pasard D, Radotrat BD. A study of 124 Indian patients with lichen planus pigmentosus. Clin Exp Dermatol 2003; 28:481 5.

2 . Akagi A, Ohnishi Y, Tajima S, Ishibashi A. Linear hiperpigmentation with extensive epidermal apoptosis: a variant of linear lichen planus pigmentosus? J Am Acad Dermatol 2004; 50:7880.

3 . Serrano G, Pujol C, Cuandra J, Aliaga A. Riehl’s melanosis: pigmented contact dermatitis caused by fragances. J Am Acad Dermatol 1989; 21:1057 60.

4 . Yasmashita T, Negishi K, Hariya T et al. Intense pulsed light therapy for superficial pigmented lesions evaluated by reflectance mode confocal microscopy and optical coherence tomography. J Investigate Dermatol 2006; 228:186.

5 . Chan HHJ, Kono T. The use of lasers and intense pulsed light sources for the treatment of pigmented lesions. Skin therapy letter.com. 2004; disponível em http://www.skintherapyletter.com


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