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Relato de casos

Síndrome de Ascher, diagnóstico e abordagem cirúrgica

Tassiana Simão1; Mônica J. Mateus Tarazona2; Paula Renaux3; Roberto Souto4; Luna Azulay5; João Carlos Macedo Fonseca6

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201573433

Data de recebimento: 13/01/2014
Data de aprovação: 15/08/2015
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

Síndrome de Ascher (SA) é entidade rara, de etiologia desconhecida, caracterizada por lábio duplo superior, blefarocalásio e bócio atóxico (forma completa). O bócio atóxico está presente em 10 a 50% dos casos (SA incompleta). Trauma, disfunção hormonal, herança autossômica dominante, defeitos em fibras elásticas e alergia são possíveis etiologias. Por comprometimento da estética facial, traumatismos ou dificuldade visual, a cirurgia está indicada, devolvendo qualidade de vida ao paciente. O artigo relata o caso de paciente com lábio duplo e blefarocalásio, diagnosticado como portador da síndrome de Ascher incompleta, e descreve a conduta adotada.


Keywords: BLEFAROPLASTIA; BLEFAROPTOSE; LÁBIO


INTRODUÇÃO

A síndrome de Ascher é entidade rara, benigna e de etiologia desconhecida. Desde a sua descrição até os dias atuais, foram apresentados pouco mais de 50 casos na literatura.1 Clinicamente, caracteriza-se pela tríade: lábio duplo superior, blefarocalásio e bócio atóxico, compondo a forma completa da síndrome.2 No entanto, o bócio atóxico está presente em apenas 10% a 50% dos casos, e sua presença não é essencial para o diagnóstico (síndrome de Ascher incompleta).2,3 Neste artigo, relatamos o caso de um paciente com lábio duplo e blefarocalásio, diagnosticado como portador da síndrome de Ascher incompleta, e descrevemos a conduta adotada.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, de 15 anos, procurou a Clínica Dermatológica do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, RJ, Brasil, com história de edema fixo de lábio superior há aproximadamente cinco anos e edema recorrente nas pálpebras superiores, há um ano, com piora após exposição solar. Não referiu história de trauma, procedimento cirúrgico ou doenças prévias. Não há história familiar semelhante.

Ao exame dermatológico, observou-se presença de blefarocalásio na pálpebra superior bilateralmente, que se apresentava pseudoptótica, com pele laxa e prega local, alcançando o nível dos cílios, dificultando a abertura completa dos olhos (Figura 1). Observou-se, ainda, a presença de lábio duplo superior, com volume aumentado e sulco transversal (Figura 2). Os exames laboratoriais (hemograma, glicemia, função hepática e renal, hormônio tireoestimulantes, T4 livre, anticorpos antitireoidianos) realizados demonstraram-se normais, assim como o exame ultrassonográfico da tireoide. Foi realizada ainda biópsia da lesão labial, que não evidenciou achado relevante. O diagnóstico clínico de síndrome de Ascher foi feito.

Técnica cirúrgica

O paciente, em uso de profilaxia antibiótica (Amoxil®, 2g, uma hora antes, GlaxoSmithKline, Londres, GB), foi submetido a procedimento cirúrgico posterior à realização de assepsia e antissepsia (Marcodine®, Cristália, Itapira, SP, BR), bloqueio anestésico infraorbicular e mentoniano intraoral com cloridrato de lidocaína 2% (Hypofarma, Riberão das Neves, MG, BR) e anestesia infiltrativa palpebral (cloridrato de lidocaína 2%, Hypofarma, Riberão das Neves, MG, BR). Realizou-se na pálpebra superior ressecção em fuso do excesso de pele (Figura 3), hemostasia do sítio cirúrgico, aproximação das bordas e fechamento primário por meio de pontos simples (Prolene® 6-0, Ethicon, Somerville, NJ, EUA). O excesso de pele no lábio superior foi tratado por meio de excisão em cunha, abrangendo de uma comissura labial à outra, hemostasia no local, aproximação das bordas e em seguida fechamento primário por meio de ráfia com pontos simples (Cromado Chromic® 4-0, Ethicon, Somerville, NJ, EUA) (Figura 4). A remoção dos pontos na pele foi realizada sete dias depois do ato cirúrgico. O paciente evoluiu com boa cicatrização local (Figuras 5 e 6).

 

DISCUSSÃO

A síndrome de Ascher é classificada como um subtipo de anetodermia.1 Foi inicialmente descrita em sua forma completa pelo oftalmologista austríaco K.W. Ascher, em 1920. Um ano depois, Weve descreveu a síndrome com presença inconstante do bócio, caracterizando a forma incompleta.2,3

Estudos demonstram que apenas 10% dos casos de blefarocalásio em jovens estão associados a lábio duplo.2 O acometimento labial e palpebral geralmente ocorre ao mesmo tempo e, em mais de 80% dos casos, a condição se manifesta antes dos 20 anos de idade.1,2

A causa da síndrome é ainda desconhecida, embora fatores como trauma e disfunção hormonal tenham sido implicados como possíveis etiologias;1,2,4 alguns autores citam herança autossômica dominante, alergia, defeitos nas fibras elásticas, que se mostram fragmentadas ou diminutas.1 O lábio duplo ou macroqueilia pode ser congênito ou adquirido,2 e o acometimento simultâneo dos lábios superior e inferior é um achado comum, porém pode ocorrer isoladamente, sendo o lábio superior acometido com incidência de 10:1.Caracteriza-se por alteração da mucosa labial, sem acometimento da musculatura.5,6

O tipo adquirido geralmente resulta de trauma local, ao passo que o congênito representa uma anomalia de desenvolvimento, podendo estar associado com úvula bífida, fissura palatina, queilite glandular e hemangiomas.2,4,7-9

O lábio superior, durante o período embrionário, consiste em duas zonas transversais: uma zona cutânea externa (pars glabra) e uma zona mucosa interna (pars villosa).2 A hipertrofia glandular da pars villosa forma uma linha no limite entre essas duas estruturas, que delimita o sulco transversal da duplicidade labial.2,4 Geralmente a porção interna do lábio (pars villosa) permanece por baixo da porção externa (pars glabra), e, quando o paciente sorri, há compressão do lábio contra os dentes, dando a impressão de lábio duplo, com duas margens no vermelhão.2 Dessa forma, embora a deformidade possa já estar presente ao nascimento, só se torna evidente após a erupção definitiva dos dentes.1,2 No caso de interferências na fala ou na mastigação, ou por desejo estético do paciente, o tratamento cirúrgico é indicado, de forma a ressecar o sulco transversal.3,4,6

O blefarocalásio se caracteriza por atrofia e relaxamento progressivos da pele, com prolapso da gordura orbital e queda da pálpebra acometida.1 Alteração visual pode ocorrer em virtude do estreitamento da fissura palpebral.1 Edema recorrente pode estar presente e agravar o quadro.2 Um certo grau de blefarocalasia, relacionado à pele atrófica e ao relaxamento dos supercílios, é comum com o envelhecimento, mas incomum em jovens, caracterizando doença do tecido elástico como a cútis laxa, ou sendo de origem idiopática.1,8 A grande diferenciação entre síndrome de Ascher e blefarocalasia se dá na histopatologia, em que se evidencia ausência ou pequena quantidade de fibras elásticas no tecido comprometido, associada a pele atrófica, na segunda condição.1 Já o bócio atóxico é inconstante, presente em cerca de 10% a 50% dos casos, e poderá surgir vários anos após o acometimento palpebral e labial.2,5

No caso descrito, não se evidenciou comprometimento da glândula tireoide ao diagnóstico, caracterizando a forma incompleta da síndrome.

Conforme citado, a conduta terapêutica instituída para esse paciente foi cirúrgica, por meio de ressecção em cunha da pele, nos moldes da blefaroplastia convencional e uma incisão labial transversa elíptica, com ressecção do sulco transversal, corrigindo dessa forma a macroqueilia.

Portanto, quando os achados clínicos e a história do paciente conduzirem ao diagnóstico inicial de lábio duplo, deve-se considerá-lo alteração isolada ou constituindo a síndrome de Ascher, a fim de que a investigação diagnóstica e o tratamento correto sejam instituídos.

Assim, devido ao comprometimento da estética facial do paciente, a traumatismos frequentes, ao volume aumentado dos lábios e à dificuldade visual, está indicada intervenção cirúrgica em ambas as alterações. A cirurgia deve ser realizada diante da queixa clínica, geralmente apresentando boa evolução, com melhora estética e funcional relevante, devolvendo dessa forma qualidade de vida ao paciente.

 

Referências

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2. Eidt G, Dos Santos M, Sartor S, Neto L. Síndrome de Ascher, relato de caso do projeto diagnóstico bucal do curso de odontologia da Universidade de Santa Cruz do Sul. Anais III Salão de Ensino e de Extensão 2011;341.

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Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


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