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Relato de casos

Alternativas terapêuticas no tratamento de hansenomas residuais em paciente com critérios de cura de hanseníase

Patrick Alexander Wachholz1; Paula Yoshiko Masuda2; Christiane Salgado Sette3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201573604

Data de recebimento: 16/02/2015
Data de aprovação: 19/08/2015
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Os hansenomas originam-se da infiltração cutânea acentuada por bacilos do Mycobacterium leprae em hansênicos virchowianos. Tendem a involuir com tratamento, mas podem desenvolver reações queloidianas. Descrevem-se alternativas na abordagem de hansenomas em regressão disseminados em orelhas, face, membros superiores e tronco em paciente virchowiano já tratado. Realizou-se exérese da lesão em orelha esquerda seguida de infiltrações de triancinolona na cicatriz cirúrgica, apenas infiltrações nas outras lesões em áreas expostas e conduta expectante nas demais. Observaram-se bom resultado estético na lesão excisada e redução nas lesões infiltradas com corticoide. Os procedimentos são de fácil execução, baixo custo e boa resposta estética.


Keywords: HANSENÍASE; HANSENÍASE VIRCHOWIANA; MYCOBACTERIUM LEPRAE; USOS TERAPÊUTICOS


INTRODUÇÃO

A fisiopatogenia das manifestações da hanseníase relaciona-se à resposta imune do hospedeiro, a complicações do acometimento neurológico periférico e ao dano celular/tecidual secundário à multiplicação e disseminação dos bacilos.1 No polo anérgico da doença, a ausência de imunidade celular contra o Mycobacterium leprae em pacientes com hanseníase virchowiana (MHV) precipita manifestações clínicas características pela infiltração do bacilo em toda a profundidade do tegumento.2

Quando a infiltração bacilar é acentuada, pode ser observado um polimorfismo de lesões, incluindo pápulas, tubérculos, nódulos, infiltrações difusas e ulcerações, além de placas cutâneas denominadas hansenomas.2 Os hansenomas costumam poupar apenas as regiões axiais (coluna vertebral, polígono de Michaelis) e áreas corporais com temperatura mais elevada, como as regiões inguinais, axilares e cavos poplíteos.2

Com a instituição da poliquimioterapia multibacilar (PQT-Mb), os hansenomas tendem a involuir espontaneamente.2,3 Em casos excepcionais, porém, podem persistir (hansenomas em regressão) ou evoluir com proliferação fibroblástica e reações queloidianas.3 Descrições do manejo dessas lesões em pacientes com MHV são extremamente raras na literatura.1,4,5

O correto diagnóstico de lesões sugestivas de hansenomas é fundamental, porque elas constituem potencial fonte de contágio caso haja bacilos viáveis. Além disso, a presença de lesões volumosas ou em grande número compromete significativamente a qualidade de vida e contribui para a estigmatização dos pacientes.2,6,7

O presente relato descreve e revisa diferentes técnicas e discute as evidências de potenciais alternativas terapêuticas para hansenomas em regressão associados à reação queloidiana em um paciente com MHV tratada.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, de 52 anos, procedente de Itanhaém (SP), diagnosticado como MHV em outro serviço no primeiro semestre de 2009. Recebeu PQT-Mb durante 24 meses devido à elevada carga bacilar e ao grande número de lesões cutâneas tipo hansenoma. Não havia registro de monoterapia com dapsona, e o paciente negava trauma cutâneo ou acne. Ao término da PQT-Mb poucos hansenomas haviam involuído. Foi encaminhado a serviço de referência em julho de 2013, para avaliar a possibilidade de resistência medicamentosa ou doença em atividade.

Na admissão, apresentava elevado número de lesões nodulares eritematosas, hipercrômicas e indolores, em face, orelhas, tórax, abdômen e membros superiores (Figuras 1 A-D). Apresentava redução da força e sensibilidade nas mãos e acrocianose.

Frente a lesões sugestivas de hansenomas em pacientes que já concluíram PQT-Mb, é imprescindível considerar diagnósticos diferenciais:2,3 as causas mais prováveis incluíam hanseníase em atividade, hanseníase histoide, resistência medicamentosa ou tratamento insuficiente.2

A biópsia revelou hansenoma em regressão, com histiócitos contendo bacilos multifragmentados, pouco corados/descorados, permeados por linfócitos e plasmócitos, com proliferação estromal do derma tipo cicatriz hipertrófica/queloide, formando bandas colágenas hialinizadas (Figuras 2 A-D). A baciloscopia mostrou-se positiva, com índice bacilar 2.34, índice morfológico 0, e exame PGL-1 reagente. A inoculação em coxim plantar de camundongos nude para análise fenotípica de resistência medicamentosa mostrou ausência de multiplicação bacilar. O diagnóstico foi de MHV tratada com presença de hansenomas em regressão associados à proliferação fibroblástica tipo queloidiana.

Devido ao caráter inestético da lesão em orelha esquerda (Figura 1 D), ao elevado número de lesões residuais em tronco e áreas expostas (Figuras 1 A-B) e à falta de evidências da efetividade das alternativas terapêuticas dessas lesões incomuns, foi proposta e consentida pelo paciente a realização de três modalidades diferentes de intervenções.

A decisão por comparar os resultados no mesmo paciente visava não apenas evitar procedimentos extensos que provavelmente não recuperariam o caráter estético idealizado pelo paciente, mas também avaliar, empiricamente, a superioridade das modalidades na percepção subjetiva do paciente e da equipe.

Procedeu-se à exérese cirúrgica da lesão em orelha esquerda, seguida de infiltrações de triancinolona na cicatriz cirúrgica. Nos hansenomas localizados em áreas expostas (face e membros superiores) foram realizadas apenas infiltrações de corticoide. Nas outras lesões foi adotada conduta expectante.

A lesão do lóbulo auricular encontrava-se pedunculada, devido à frouxidão cutânea local. A técnica incluiu a marcação da lesão, anestesia com lidocaína 2%, incisão em fuso, descolamento por planos, confecção de retalho por deslizamento das margens e sutura simples com mononáilon 6.0. No nono dia pós-operatório os pontos foram retirados, realizando duas infiltrações com hexacetonida de triancinolona 20mg/ml, na dose de 0,2ml, com intervalos de 30 dias.

Nas lesões de face e membros superiores foram aplicadas duas sessões de corticoide intralesional com a mesma substância, em cada lesão, na dose de 0,8ml cada, obedecendo ao mesmo intervalo entre as sessões. As lesões em tronco foram apenas monitoradas durante o período de seguimento.

Após seis meses, observou-se excelente resultado estético na lesão auricular, sem recidiva (Figura 3 A-B). As lesões que foram infiltradas apresentaram redução discreta a moderada (Figura 4 A-B). As lesões que receberam conduta expectante permaneceram inalteradas. A percepção de melhora por parte do paciente e equipe foi considerada muito boa.

 

DISCUSSÃO

Apesar de ter considerado a hipótese de hanseníase histoide, essa variedade se manifesta com lesões intensamente bacilíferas, com predomínio de bacilos típicos potencialmente resistentes à terapêutica.1,5 O aspecto dos nódulos é diferente, com lesões bem delimitadas, brilhantes, cor da pele, geralmente firmes e translucentes, com histopatologia exibindo numerosos histiócitos fusiformes e células poligonais dispostas em um espiralado característico, cruzado ou entrelaçado.1-3,5

Frente ao diagnóstico de hansenoma em regressão com reação tipo queloide, é importante considerar potenciais alternativas terapêuticas para amenizar o estigma da doença.

As evidências disponíveis sobre o manejo de cicatrizes hipertróficas e queloides (não especificamente relacionados à hanseníase) foram revisadas nos últimos anos.8-10 As estratégias de tratamento são largamente determinadas pela classificação da lesão,8 e incluem produtos à base de silicone, corticoides intralesionais, 5-fluoracil e bleomicina intralesional, radioterapia, crioterapia8-10 e tratamentos emergentes com mitomicina-C, imiquimod e extratos de cebola e heparina,8,10 além de intervenções cirúrgicas e laser.8-10

Devido ao elevado número de lesões, optou-se pela infiltração apenas das lesões mais expostas. A infiltração de corticoides é opção consagrada, devido à propriedade inibidora de colagênese da droga, aumentando a alfa-2 macroglobulina e alfa-1 antitripsina, levando à diminuição da síntese de colágeno.5 O corticoide intralesional é descrito como a primeira escolha em queloides por alguns autores,8,10 apesar de outros recomendarem primeiro o uso de produtos à base de silicone (em placas ou gel).9

O emprego de corticoides intralesionais está associado, também, à menor taxa de recorrência após a remoção cirúrgica.8 Apesar de poucos estudos e de não existirem até o momento ensaios randomizados comparando a eficácia dessas modalidades terapêuticas, estudos promissores têm sido publicados com o emprego do 5-fluoracil intralesional, isoladamente ou em associação com corticoides, especialmente em pacientes com elevadas taxas de recorrência após exérese.8,9 Do mesmo modo, os estudos com o uso da bleomicina são promissores, mas carecem de validação, incluindo análise de segurança, devido ao maior risco de hiperpigmentação e atrofia cutânea.10 As primeiras publicações com a mitomicina-C tópica também são contraditórias, indicando possível vantagem na redução da recorrência após remoção cirúrgica das lesões, porém com risco aumentado de ulceração.8

 

CONCLUSÕES

Os resultados observados na evolução deste caso demonstraram que os procedimentos adotados, além de ser de baixo custo, fácil execução e com boa resposta estética e funcional, agregaram melhorias substanciais na percepção de qualidade de vida do paciente. A associação de cirurgia e corticoide intralesional foi a mais efetiva, porém não seria viável aplicá-la em todas as lesões corporais.

 

Referências

1. Schettini APM, Eiras J da C, Cunha M da GS, Tubilla LHM, Sardinha JCG. Hanseníase históide de localização restrita. An Bras Dermatol. 2008;83(5):470-2.

2. Opromolla DVA. Manifestações clínicas e reações. Noções de hansenologia. Bauru: Centro de Estudos Dr. Reynaldo Quagliato; 2000. p. 51-8.

3. Batra N, Hatwal D, Dandona S. Histiod Leprosy - How Is It Different From Lepromatous Leprosy? A Case Report. J Med Sci Clin Res. 2014;2(3):555-8.

4. Dyer RF, Enna CD. Ultrastructure of keloid: an unusual incident involving lepromatous leprosy. Int J Dermatol. 1975;14(10):743-54.

5. Sehgal VN, Aggarwal A, Srivastava G, Sharma N, Sharma S. Evolution of histoid leprosy (de novo) in lepromatous (multibacillary) leprosy. Int J Dermatol. 2005;44(7):576-8.

6. Ledon JA, Savas J, Franca K, Chacon A, Nouri K. Intralesional treatment for keloids and hypertrophic scars: a review. Dermatol Surg. 2013;39(12):1745-57.

7. Wolfram D, Tzankov A, Pülzl P, Piza-Katzer H. Hypertrophic scars and keloids--a review of their pathophysiology, risk factors, and therapeutic management. Dermatol Surg. 2009;35(2):171-81.

8. Gold MH, McGuire M, Mustoe TA, Pusic A, Sachdev M, Waibel J, et al. Updated international clinical recommendations on scar management: part 2--algorithms for scar prevention and treatment. Dermatol Surg. 2014;40(8):825-31.

9. Meaume S, Le Pillouer-Prost A, Richert B, Roseeuw D, Vadoud J. Management of scars: updated practical guidelines and use of silicones. Eur J Dermatol. 2014;24(4):435-43.

10. Rabello FB, Souza CD, Farina Júnior JA. Update on hypertrophic scar treatment. Clinics (Sao Paulo). 2014;69(8):565-73.

 

Trabalho realizado no Instituto Lauro de Souza Lima, Bauru (SP), Brasil.


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