Marta Regina Machado Mascarenhas1; João Marcos Goes de Paiva1; Lais de Abreu Mutti1; Marcia Maria Vivan1; Samira Yarak2
Os queloides são desordens benignas fibroproliferativas dérmicas que se desenvolvem no local da injúria cutânea, devido ao desequilíbrio dos mecanismos que controlam o reparo e a regeneração tecidual. A patogênese não está bem esclarecida, mas postula-se que ocorra um desequilíbrio entre fatores anabólicos e catabólicos no processo cicatricial, resultando em produção excessiva de colágeno. Embora haja várias modalidades terapêuticas, as taxas de recidiva são altas. O artigo relata cinco casos de queloide em lóbulo de orelha que apresentaram boa resposta com a terapia combinada: cirurgia excisional, infiltração de corticoesteroide e dispositivo de pressão.
Keywords: QUELOIDE; PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS AMBULATÓRIOS; CORTICOSTEROIDES; PRESSÃO
O queloide é proliferação anormal de tecido cicatricial, que se forma durante o processo de cicatrização, geralmente nos locais de injúrias cutâneas. Não regride espontaneamente, cresce além das margens originais da cicatriz e não deve ser confundido com cicatrizes hipertróficas, que são elevadas, não crescem além das margens originais e podem regredir com o tempo.1,2 Ocorre em percentual que varia de cinco a 15% das cicatrizes, apenas em humanos, com idade média d'e início entre 10 e 30 anos.
Em geral, surge no prazo de um ano após a injúria cutânea e é 15 vezes mais frequente nos indivíduos de pele mais pigmentada do que nos de pele menos pigmentada.3 A inflamação prolongada é um dos importantes fatores de risco para o desenvolvimento do queloide.4 Algumas regiões do corpo são mais suscetíveis à formação de queloides, como tórax anterior, superfície anterior do pescoço, ombros, braços, orelhas e feridas perpendiculares às linhas de tensão da pele.4
A patogênese do queloide é pouco compreendida e envolve alterações nas fases anabólicas e catabólicas do processo cicatricial, que podem ser influenciadas por vários fatores locais e genéticos, permitindo produção de colágeno superior a sua degradação.3-5
Os fatores de crescimento e citocinas estão intimamente envolvidos nesse processo. Há aumento do fator de crescimento transformante β (TGF-β), que regula a proliferação de fibroblastos e a síntese do colágeno, promovendo a diferenciação de fibroblastos em miofibroblastos. Os miofibroblastos apresentam papel importante na contração e remodelagem do tecido de granulação por sua capacidade de contrair os filamentos de actina e de aumentar a síntese de colágeno.
Outros fatores envolvidos incluem o aumento de mastócitos, elastina, glicosaminoglicanos, fator de necrose tumoral α (TNF-α), interferon β (INF-β), fator de crescimento derivado da plaqueta (PDGF), fator de crescimento insulínico tipo 1 (IGF-1) e interleucina 6 (IL-6) e a diminuição da apoptose de fibroblastos e dos fatores que reduzem a síntese do colágeno tipo I, III e, possivelmente IV (TNF-β, IFN-α e g e metaloproteinase 9).4,5 Há também alteração da resposta imune, com predomínio dos linfócitos Th2 que promovem a fibrogênese em detrimento dos linfócitos Th1 que atenuam a fibrose dos tecidos.4,5
Não há guidelines para tratamento dos queloides, e, entre as diversas modalidades de tratamento, tenta-se alcançar a melhor terapêutica que apresente o menor índice de recidivas, em virtude das alterações estéticas e funcionais e do impacto na qualidade de vida que essas lesões provocam.5,6
O objetivo deste artigo é relatar cinco casos de queloide em lóbulo de orelha que não apresentaram recidiva com a terapia combinada: cirurgia excisional, infiltração de corticoesteroide e dispositivo de pressão.
CASO 1: VJS, 14 anos, fototipo III, há dois anos refere queloide em lóbulo da orelha esquerda (Figura 1), após piercing. Realizou-se a remoção parcial do queloide há 10 meses, com posterior infiltração local de acetonido de triancinolona 40mg/ml mensal e uso do dispositivo de pressão (Delasco®) durante oito a 12 horas diárias (Figura 2). Resultado após nove meses do início do tratamento (Figura 3).
CASO2: LPR, 46 anos, fototipo III, apresenta queloides nos lóbulos das orelhas após piercing (Figura 4). Realizou quatro cirurgias prévias e infiltrações seriadas de corticoesteroides, sem sucesso. Há três meses, realizou-se remoção parcial do queloide da orelha direita associada a infiltrações mensais de acetonido de triancinolona e uso dos dispositivos de pressão (Figura 5).
CASO 3: AGP, 21 anos, fototipo V, refere queloides em ambos os lóbulos das orelhas há seis anos. Realizou duas cirurgias prévias, com recidiva. Realizou-se remoção parcial do queloide há três meses. Encontra-se em uso do dispositivo de pressão e infiltrações mensais de acetonido de triancinolona (Figura 6).
CASO 4: ACSS, 40 anos, fototipo V, há dois anos refere queloide em lóbulo da orelha direita. Previamente, havia realizado seis infiltrações de corticoide sem sucesso. Há um ano, foi realizada remoção parcial do queloide associada à infiltração local de acetonido de triancinolona 40mg/ml e ao uso do dispositivo de pressão durante oito a 12 horas diárias (Figura 7).
CASO 5: DC, 25 anos, fototipo III, relata queloides auriculares bilaterais há cinco anos. Há três anos, realizada cirurgia com remoção parcial do queloide. Desde esse período, são realizadas infiltrações de corticoesteroides e é mantido o uso contínuo do dispositivo de pressão, sem recidiva (Figura 8).
Todos os casos foram submetidos à excisão intralesional do queloide com remoção quase total, deixando-se uma fina faixa de tecido acometido, em que foi realizada sutura primária com fio de náilon 5.0. Após dez dias, os pontos foram retirados, iniciando-se as infiltrações intralesionais de corticoide e o uso dos dispositivos de pressão.
Os queloides apresentam-se como um desafio terapêutico, principalmente, nos indivíduos com pele menos pigmentada, pois apesar da incidência ser menor nesse grupo populacional, há maior dificuldade em alcançar o sucesso terapêutico.7 Os queloides auriculares podem acometer hélice, anti-hélice e lóbulos, e se associam, principalmente, ao uso de brincos e a queimaduras térmicas. Apresentam incidência de 2,5% em pessoas que usam brincos nessa região.8
Várias modalidades de tratamento têm sido utilizadas para cuidar do queloide. A monoterapia com a cirurgia excisional apresenta altos índices de recidiva (45-100%), além de ser comum a formação de queloides maiores do que os prévios. Em associação com outros métodos, as taxas de recorrências caem para 8-50%.1 Dessa forma, os tratamentos combinados mostraram-se mais efetivos na terapêutica dos queloides.9
Rathee et al. acreditam que, nos queloides de lóbulos de orelhas, a excisão deva ser intralesional (exérese da porção central da lesão e fechamento primário com mínima tensão) no intuito de diminuir o estímulo de colágeno, já que a excisão total promove estímulo adicional de colágeno. Isso resulta em bom resultado estético por não alterar estruturas anatômicas adjacentes.10
A infiltração de corticoesteroide representa terapia de escolha para queloides pequenos e recentes, e é um importante tratamento adjuvante nos queloides maiores e refratários. Apresenta efeitos primários na supressão dos processos inflamatórios e efeitos secundários, como a redução da síntese de colágeno e glicosaminoglicanos, e inibição dos fatores de crescimento.4,5
Acredita-se que os dispositivos de pressão promovam hipóxia, degradação do colágeno e aumento da atividade da colagenase pela redução da atividade das α-macroglobulinas.1 Além de diminuir o tempo de formação da cicatriz, reorientam as fibras de colágeno e aumentam os níveis de ácido hialurônico.6 Dessa maneira, foram desenvolvidos os pressure earrings (dispositivos de pressão auriculares) que devem apresentar as seguintes características: não inflamáveis, de fácil colocação e remoção pelo paciente, promover adequada pressão, facilmente higienizados e esteticamente aceitáveis.9 Existem diferentes formatos desses dispositivos, alguns com adaptações para a região da hélice auricular.
As recomendações do tratamento com os pressure earrings não estão bem definidas, mas postula-se que a pressão exercida deva estar entre 25-40mmHg e deva ser aplicada por 12-24 horas por dia durante período que varia de meses a anos.1,6 Bran et al. relatam que a combinação de cirurgia e tratamento pós-operatório com pressão apresenta boas respostas em 90-100% dos casos, especialmente, no tratamento de queloides auriculares.6
De acordo com a literatura,1-10 os casos relatados apresentaram boa resposta à terapêutica combinada, sem relatos de recidiva até o momento. Contudo, é necessário o acompanhamento a longo prazo para detecção de possíveis recorrências e reintervenção precoce, para que se alcance o tão almejado sucesso terapêutico.
Os queloides apresentam-se como queixa frequente nos consultórios de dermatologistas, principalmente, devido ao impacto na qualidade de vida ocasionado pelas alterações estéticas. Acreditamos que o tratamento combinado, com o uso de dispositivos esteticamente aceitáveis, seja mais eficaz, com taxas de recidiva inferiores em relação à monoterapia, sendo uma boa opção terapêutica para os queloides em lóbulos de orelha.
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Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - São Paulo (SP), Brasil.