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Reconstrução nasal complexa com combinação de retalhos bilaterais em dobradiça e retalho paramediano frontal, após cirurgia de Mohs

Frederico Hassin Sanchez1; José Saulo Torres Delgado2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201573525

Data de recebimento: 29/08/2015
Data de aprovação: 22/09/2015
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

Reconstrução de defeitos cirúrgicos nasais, especialmente quando há comprometimento simultâneo, de espessura total de asa nasal bilateral, ponta e dorso nasal, é complexa. Várias opções cirúrgicas são descritas, e a maioria dos autores recomenda enxerto de cartilagem de orelha ou retalho condromucoso de septo nasal, em associação ao retalho médio frontal, para conferir rigidez estrutural à asa nasal e impedir que se colapse durante a inspiração. Os autores descrevem uma alternativa de reconstrução, livre de cartilagem, por meio da combinação de retalhos em dobradiça a partir do sulco nasogeniano, associado ao retalho paramediano frontal.


Keywords: CIRURGIA DE MOHS; CARCINOMA BASOCELULAR; NEOPLASIAS NASAIS; RETALHOS CIRÚRGICOS; CARTILAGENS NASAIS


INTRODUÇÃO

A incidência de câncer de pele no nariz é alta, sendo o carcinoma basocelular (CBC) o mais prevalente.1,2

Além de sua função olfativa, o nariz permite a passagem de ar para as vias aéreas superiores, filtrando e umedecendo o ar, além de ter importante participação na fonação. Cosmeticamente, o nariz é dividido em subunidades, devido às características locais de cada área; são elas: a ponta nasal, as asas nasais, a columela, as laterais do nariz, o dorso nasal e a glabela.1,3

Tumores recidivados ou de subtipo histológico agressivo podem ter grande extensão subclínica e acometer estruturas profundas, como osso e cartilagem, causando grandes prejuízos funcionais e cosméticos ao paciente.4,5

Vários tratamentos são descritos para o CBC, e, devido à grande precisão do controle histológico das margens cirúrgicas, a cirurgia micrográfica de Mohs é o método de escolha para os tumores agressivos ou recidivados, por apresentar mais chances de cura, com os menores índices de recidiva4,6 e com a vantagem adicional de poupar o tecido sadio justatumoral4,6

Tumores infiltrativos extensos podem acometer as cartilagens das asas nasais causando sua transfixação ou amputação total, juntamente com a ponta nasal, levando a defeitos cirúrgicos complexos.4,7 A reconstrução cirúrgica de tais defeitos é desafiadora, especialmente porque exige que a técnica utilizada confira estabilidade estrutural para suplantar a ausência da cartilagem alar e o colabamento da asa nasal durante a inspiração.4,7

O retalho paramediano frontal, descrito inicialmente na Índia, vem sendo usado ha séculos para reconstruções do terço distal do nariz,7 e o uso de enxertos de cartilagem de hélice ou concha auricular é classicamente descrito em associação ao retalho paramediano,4,7 com o intuito de promover a sustentação adequada, quando ocorre amputação total ou parcial da asa nasal.7 De Quervain,8 em 1902, descreve a utilização de um retalho composto condromucoso do septo nasal, em dobradiça, para reconstrução do forro e da parede lateral do nariz. Kazanjian e Converse9 demonstram o uso de tecidos do septo nasal para restaurar o forro nasal.

Embora a maioria dos artigos recomende o uso de cartilagem, os autores deste artigo defendem que mesmo quando ocorrem defeitos extensos, de espessura total de asa nasal, com perda parcial das cartilagens alares, nem sempre é imperativo o uso de retalho ou enxerto de cartilagem, para dar sustentação estrutural à asa nasal.

O presente artigo descreve uma opção livre de cartilagem para reconstrução total da asa nasal, ponta e dorso do nariz, por meio da combinação de retalho paramediano, associado a retalho em dobradiça bilateral, a partir do sulco nasogeniano.

 

MÉTODOS

Foi selecionado para cirurgia micrográfica de Mohs, um paciente do sexo masculino de 83 anos, com carcinoma basocelular infiltrante, duas vezes recidivado, em dorso nasal, medindo aproximadamente 3 x 2cm, que se estendia para as regiões laterais do nariz e malar bilateral (Figura 1). Foram obtidas margens livres após quatro fases de ampliação, com acometimento e perda parcial das cartilagens alares bilaterais (Figura 2) e transfixação da asa nasal e mucosa, assim como perda do dorso do nariz e parte da ponta nasal (Figuras 3 e 4).

O primeiro passo visa reconstruir o forro mucoso das asas nasais por meio da confecção bilateral de retalhos em dobradiças, a partir do sulco nasogeniano. Esses retalhos são desenhados medindo-se o tamanho do defeito a ser coberto, simulando a inclinação desejável da asa nasal com um pedaço de gaze. O retalho é descolado do sulco nasogeniano, deixando um pedículo subcutâneo espesso em sua porção proximal para garantir a vascularização da porção distal do retalho (Figura 5). A face do retalho, revestida com epiderme, é dobrada sobre si mesma, e sua porção distal é suturada ao septo nasal remanescente, formando uma tenda, que permite a passagem do ar e vai dar origem à parte interna da nova asa nasal (Figura 6). A área doadora no sulco nasogeniano é suturada primariamente. Em seguida, o objetivo é diminuir o defeito da região malar paranasal e das paredes laterais do nariz, o que é feito pelo deslocamento simples da pele da região malar e sutura no periósteo da parede nasal lateral.

O passo seguinte é a confecção do retalho paramediano. Mede-se com uma gaze o defeito a ser coberto pelo retalho, a partir de sua base, localizada na área superior da porção medial da sobrancelha. Com um movimento de rotação da gaze para a região frontal, estima-se o tamanho do retalho a ser confeccionado para cobrir todo o defeito no nariz. O retalho é desenhado com a conformação do defeito cirúrgico que deverá cobrir no nariz10 e descolado em três níveis diferentes de profundidade na região frontal, sendo superficial na parte distal, próximo à linha de implantação capilar, subgaleal na parte central e supraperiostal na porção proximal10, junto ao pedículo vascular, representado pela artéria supratroclear.

Após o descolamento do retalho da região frontal, ele é transposto para cobrir o defeito cirúrgico na área nasal, idealmente com pouca tensão e evitando dobrar excessivamente o pedículo vascular, o que acarretaria isquemia e necrose distal do retalho. A fixação do retalho é realizada inicialmente na ponta nasal, para posicionar e orientar os outros pontos de fixação, por meio de sutura simples. As partes distais laterais do retalho são fixadas sobre os retalhos em dobradiça para reconstituir as asas nasais. A área doadora e região frontal é suturada primariamente em sua porção medial; a porção distal próxima à linha de implantação capilar é deixada para cicatrizar por segunda intenção.

O retalho é deixado na posição com seu pedículo vascular durante aproximadamente três semanas até sua autonomização. Tampões nasais de gaze são deixados durante sete dias.

Após três semanas, verifica-se a viabilidade do retalho pelo teste de isquemia do pedículo, pressionando-se o mesmo com uma pinça de Pean, com garrote, ou simples digitopressão. Se a pele do retalho permanecer corada, é sinal de que a neovascularização proveniente da área receptora é suficiente para nutrir o retalho, e o pedículo pode ser seccionado.

A parte proximal do pedículo é devolvida à área de origem, na região frontal. A parte central do pedículo pode ser descartada junto com o excesso de tecido remanescente, e a porção distal é moldada na área receptora visando ao melhor resultado cosmético possível.

 

RESULTADO

O paciente evoluiu sem complicações, e a retirada dos pontos se deu em sete dias após a autonomização do retalho. A área deixada para cicatrizar por segunda intenção, na região frontal, epitelizou completamente em 90 dias. Houve bom resultado cosmético e funcional 12 meses após a cirurgia (Figura 7).

Discussão

Os retalhos bilaterais em dobradiça, com sua porção distal suturada no septo nasal, promovem adequado efeito de tenda, permitindo a livre passagem de ar pelas narinas. A disposição tecidual, formando um sanduíche de pele, pela combinação do retalho em dobradiça com o médio frontal, na região das asas nasais, suturados aos tecidos remanescentes, promoveu adequada rigidez estrutural, impedindo seu colabamento durante a inspiração.

 

CONCLUSÃO

A combinação de retalho em dobradiça do sulco nasogeniano com o retalho paramediano frontal pode ser uma aboa opção para a reconstrução de múltiplas subunidades anatômicas da porção distal do nariz, posto que fornece adequada sustentação estrutural, com bons resultados funcionais e cosméticos, sem a necessidade de enxertos de cartilagem.

 

Referências

1. Choi JH, Kim YJ, Kim H, Nam SH, Choi YW. Distribution of Basal Cell Carcinoma and Squamous Cell Carcinoma by Facial Esthetic Unit. Arch Plast Surg. 2013;40(4):387-391.

2. Davinder J. Singh, Scott P. Bartlett. Aesthetic considerations in nasal reconstruction and the role of modified nasal subunits. Plast Reconstr Surg. 2003;111(2): 639-51.

3. Sanchez FH., Estefan JL, Fernandez ID. Reconstrução completa de asa nasal com retalho de Spear após cirurgia micrográfica de Mohs no tratamento de carcinoma basocelular. Surg Cosmet Dermatol 2013;5(4):35-5¬9.

4. Włodzimierz Więckiewicz, Andrzej Bieniek, Mieszko Więckiewicz, Lukasz Sroczyk. Interdisciplinary treatment of BCC located on the nose - review of literature. Adv Clin Exp Med. 2013;22(2):289-93.

5. Charlotte M. Clark, Megan Furniss, Julian M. Mackay-WigganBasal cell carcinoma: an evidence-based treatment update. Charlte M. Clark, Megan Furniss, Julian M. Mackay-Wiggan. Am J Clin Dermatol. 2014;15(3):197-216.

6. Fletcher KC Jr, Shonka DC Jr, Russell MA, Park SS. Defects of the nasal internal lining: etiology and repair. Arch Facial Plast Surg. 2005;7(3):189-94.

7. De Quervain F. Uber partielle seitliche Rhino- plastik. Zentralbl. Chir.1902;29:297.

8. Kazanjian V H., and Converse, J. M. The Surgical Treatment of Facial Injuries. Baltimore: Willians and Wilkins; 1949. p. 349-53.

9. Cerci FB, Nguyen TH. Retalho paramediano frontal na reconstrução de defeitos nasais complexos após cirurgia micrográfica de Mohs. Surg Cosmet Dermatol 2014;6(1):17¬-24.

10. Salmon PJ., Mortimer NJ, Hill SE. Muscular Hinge Flaps: Utility and Technique in Facial Reconstructive Surgery. Dermatol Surg. 2010;36(2): 227-34.

 

Trabalho realizado no Centro de Cirurgia Micrográfica do Rio de Janeiro - Policlínica Ronaldo Gazolla - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


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