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Diagnóstico por Imagem

Diagnóstico de pseudomelanoma na microscopia confocal: o desafio das células dendríticas epidérmicas

Fernanda Berti Rocha Mendes1; Raquel de Paula Ramos Castro1; Mariana Petaccia de Macedo2; Clovis Antonio Lopes Pinto2; João Pedreira Duprat Neto3; Gisele Gargantini Rezze1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201573670

Recebido: 25/07/2015
Aprovado: 22/09/2015
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Nevo recorrente ou pseudomelanoma é uma lesão melanocítica benigna que surge na mesma topografia após a remoção cirúrgica incompleta de nevos. Estas lesões pigmentadas melanocíticas, em alguns casos, podem ser um desafio diagnóstico quando examinadas pela dermatoscopia, principalmente se houver história clínica de crescimento ou recorrência da lesão, como ocorre no fenômeno do nevo recorrente. A microscopia confocal de reflectância, é uma técnica de imagem in vivo não-invasiva com alta resolução histomorfológica da pele, que pode ser utilizada na diferenciação entre lesões benignas e malignas, aumentando a acurácia diagnóstica in vivo. Porém, em alguns casos, apenas os exames histológico e imunohistoquímico da lesão completa podem elucidar o diagnóstico.


Keywords: CARCINOMA BASOCELULAR; EPIDEMIOLOGIA; NEOPLASIAS CUTÂNEAS; PATOLOGIA; DERMATOLOGIA


INTRODUÇÃO

O nevo recorrente (NR) é uma lesão melanocítica benigna, que ocorre na mesma topografia cutânea após uma remoção cirúrgica incompleta, como biópsias por shave, biópsias incisionais, aplicações de laser com ou sem ablação (érbio, Q-switched), dermoabrasões, eletrocauterizações, quimiocirurgias, excisões cirúrgicas com margens comprometidas ou mesmo traumas locais. 1 Em 1975, Korneg e Ackerman denominaram os nevos recorrentes como pseudomelanomas devido às características histológicas e clínicas que simulam um melanoma expansivo superficial.2 Estas lesões melanocíticas pigmentadas podem, em alguns casos, constituir um desafio diagnóstico para a dermatoscopia, principalmente se houver uma história clínica de crescimento e recorrência da lesão, como ocorre no fenômeno do NR. A microscopia confocal de reflectância (MCR), uma técnica in vivo não-invasiva de obtenção de imagens histomorfológicas da pele em alta resolução, é útil para diferenciar lesões benignas de malignas, melhorando a precisão do diagnóstico in vivo. 3-7

 

RELATO DE CASO

Um homem branco de 49 anos de idade, sem história pessoal ou familiar de melanoma, apresentou-se com uma lesão melanocítica pigmentada no braço esquerdo. A lesão havia sido parcialmente removido através de cirurgia oito anos antes em outro hospital, sem resultados patológicos. Recentemente apresentou crescimento e tornou-se mais escura. O paciente apresentava histórico de carcinoma renal de células claras.

Os exames dermatoscópicos revelaram múltiplas cores (marrom escuro, marrom claro e cinza), assimetria, rede pigmentar atípica, glóbulos irregulares e áreas de blotchs nas extremidades da lesão (Figura 1). A MCR foi realizada devido à hipótese diagnóstica de melanoma, evidenciando alta densidade de células dendríticas brilhantes dispostas em padrão pagetóide (CDBPP), possivelmente correspondendo a melanócitos atípicos ou células de Langerhans na epiderme (Figura 2) com morfologia dendrítica estrelada, desde a camada basal até a região superior da camada espinhosa da epiderme. Um padrão reticular típico, redes homogêneas e ausência de células atípicas foram observados na junção dermo-epidérmica (JDE) e derme superior, com o colágeno espessado no centro da lesão (cicatriz anterior) (Figura 3). Foi realizada a ressecção cirúrgica com margem de 2mm. A análise histológica revelou ausência de células atípicas na epiderme, ninhos de células névicas sem atipia na JDE e na derme, fibrose, proliferação vascular e numerosos melanófagos na derme (Figura 4). Foi realizada a imunohistoquímica devido à presença de células dendríticas na epiderme (evidenciadas pela MCR). A positividade do CD1a confirmou a presença de células de Langerhans em grande quantidade dispersas na epiderme, e o Melan-A revelou a presença de melanócitos confinados na camada basal.

 

DISCUSSÃO

O nevo recorrente é uma lesão melanocítica benigna mais predominante em adultos jovens do sexo feminino e que ocorre de 6 semanas a 6 meses após uma remoção cirúrgica incompleta de nevo, na mesma topografia cutânea. Normalmente apresenta pigmentação macular perpendicular à cicatriz, orientada do centro para a periferia, sendo linear ou homogênea, com estrias distribuidas em formato de "folha", contendo glóbulos e rede. Por outro lado, o melanoma recorrente parece mostrar pigmentação além da área da cicatriz, em direção à pele normal, sem continuidade, assimétrica e com mais de duas cores.8 Botella-Estrada et al. descreveram sensibilidade e especificidade de 72% e 90%, respectivamente, para NR utilizando a dermatoscopia.

Embora a MCR in vivo seja muito útil na identificação das lesões melanocíticsa malignas, diferenciar células de Langerhans (CL) intra-epidérmicas de melanócitos ainda constitui um desafio, dado que ambos são células dendríticas brilhantes expandindo-se com padrão pagetóide.9 Pelacani et al. descreveram a disseminação pagetóide de melanócitos como um dos principais critérios para o diagnóstico do melanoma, 10 no entanto em alguns casos com alta densidade de CL na camada espinhosa da epiderme, esta lesão pode ser diagnosticada erroneamente como melanoma em falso-positivo pela MCR, tal como ocorreu no presente caso.

Espera-se encontrar até 2% de CL na epiderme da pele normal,4 variando de acordo com a topografia do corpo.9, 11 No presente relato de caso de MCR, a morfologia das CL foi apresentada como pleomórfica, contendo alguns dendritos grossos e compridos avançando na epiderme a partir da camada basal, em direção à epiderme superior. Tal fato contrasta com a literatura descrita anteriormente sobre a diferenciação de CL em relação a melanócitos em melanomas com padrão pagetóide, em que seriam esperados dendritos delgados e curtos além de células raras distribuídas pela lesão.9 Hashemi et al concluíram que a característica mais importante na MCR para distinguir entre melanoma e nevos é a densidade de CDBPP, que é mais expressiva no melanoma. No entanto, neste relato de caso, houve uma alta densidade de CDBPP em uma lesão benigna. Um fator adicional de dificuldade diagnóstica nesse caso foi o fato de que o paciente não se lembrava de que tinha passado por uma biópsia incisional anteriormente, um fato comum na prática clínica dermatológica.

O estudo anátomo-histopatológico com hematoxilina-eosina indicou nevo composto, que não é compatível com as características observadas na camada epidérmica através da MCR. Portanto, um estudo imuno-histoquímico para CD1a foi necessário, demonstrando uma alta densidade de CL na epiderme desde a camada basal até a região superior da camada espinhosa, esclarecendo as conclusões derivadas da MCR.

Clinicamente tais lesões pigmentadas podem ser um desafio diagnóstico na diferenciação em relação a melanomas e a MCR pode aumentar a precisão do diagnóstico não-invasivo, particularmente devido à presença de CDBPP. No entanto, se não houverem outras características da microscopia confocal de melanoma cutâneo, como as células atípicas na JDE, a existência de CDBPP possivelmente corresponde a CL, como evidenciado pela imuno-histoquímica.

 

Referências

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2. Kornberg R, Ackerman AB. Pseudomelanoma: recurrent melanocytic nevus following partial surgical removal. Arch Dermatol. 1975;111(12):1588-90.

3. Oliveira A, Arzberger E, Massone C, Fink-Puches R, Zalaudek I, Hofmann-Wellenhof R. Dermoscopy, reflectance confocal microscopy and immunohistochemical analysis in melanocytic lesions with Meyerson's Phenomenon. Dermatology. 2014;229(4):297-305.

4. Cinotti E, Labeille B, Perrot JL, Douchet C, Cambazard F. Cells of Langerhans cell histiocytosis and epidermal Langerhans cells differ under reflectance confocal microscopy: first observation. Skin Res Technol. 2014;20(3):385-7.

5. Longo C, Moscarella E, Pepe P, Cesinaro AM, Casari A, Manfredini M, et al. Confocal microscopy of recurrent naevi and recurrent melanomas: a retrospective morphological study. Br J Dermatol. 2011;165(1):61-8.

6. Larre Borges A, Zalaudek I, Longo C, Dufrechou L, Argenziano G, Lallas A, et al. Melanocytic nevi with special features: clinical-dermoscopic and reflectance confocal microscopic-findings. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2014;28(7):833-45.

7. Maio P, Antunes J, Pacheco D, Almeida LS, Marques MS. Nevos recorrentes - uma revisão de 5 anos. Revista SPDV. 2012;70(2):183-7.

8. Botella-Estrada R, Nagore E, Sopena J, Cremades A, Alfaro A, Sanmartín O, et al. Clinical, dermoscopy and histological correlation study of melanotic pigmentations in excision scars of melanocytic tumours. Br J Dermatol. 2006;154(3):478-84.

9. Hashemi P, Pulitzer MP, Scope A, Kovalyshyn I, Halpern AC, Marghoob AA. Langerhans cells and melanocytes share similar morphologic features under in vivo reflectance confocal microscopy: a challenge for melanoma diagnosis. J Am Acad Dermatol. 2012;66(3):452-62.

10. Pellacani G, Cesinaro AM, Seidenari S. Reflectance-mode confocal microscopy for the in vivo characterization of pagetoid melanocytosis in melanomas and nevi. J Invest Dermatol. 2005;125(3):532-7.

11. Roediger B, Ng LG, Smith AL, Fazekas de St Groth B, Weninger W. Visualizing dendritic cell migration within the skin. Histochem Cell Biol. 2008;130(6):1131-46.

 

Trabalho Realizado no AC Camargo Câncer Center - São Paulo (SP), Brasil.


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