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Educação médica continuada

Tratamentos estéticos e cuidados dos cabelos: uma visão médica (parte 2)

Leonardo Spagnol Abraham1, Andreia Mateus Moreira1, Larissa Hanauer de Moura1, Maria Fernanda Reis Gavazzoni1, Flávia Alvim Sant’Anna Addor1

Recebido em: 20/10/2009
Aprovado em: 15/11/2009
Declaramos a inexistência de conflitos
de interesse.

Abstract

Neste artigo, os autores complementam o primeiro trabalho sobre a pesquisa dermatológica dos tratamentos estéticos capilares. O alisamento capilar definitivo com os principais alisantes legalizados – hidróxidos de sódio e lítio, hidróxido de guanidina e tioglicolato de amônio –, suas diferenças, mecanismos de ação, indicações e segurança para a saúde são aqui abordados. O artigo ainda discute sobre o uso ilegal e indiscriminado de produtos do grupo dos aldeídos (formaldeído e glutaraldeído) nos salões de cabeleireiro no Brasil, suas implicações legais e em saúde pública, sua carcinogenicidade e a identificação dos referidos registros junto à ANVISA. Também são estudados os xampus e agentes condicionadores indicados para tratamento da haste capilar. Ao final, são discutidas as implicações dos tratamentos capilares em geral, para a saúde do fio e do couro cabeludo.

Alisamento e Permanente

Alisamento

Consiste na quebra, temporária ou permanente, das ligações químicas que mantêm a estrutura tridimensional da molécula de queratina em sua forma rígida original. Estas são divididas em ligações fortes (pontes dissulfeto) e ligações fracas (pontes de hidrogênio, forças de Van der Waals e ligações iônicas). As forças fracas são quebradas no simples ato de molhar os cabelos. As ligações químicas mais fracas resultam da atração de cargas positivas e negativas. Existem os alisamentos temporários, que utilizam técnicas físico-químicas, como o secador e a piastra (“chapinha”), e também a técnica do “hot comb”. Temporários, pois duram até a próxima lavagem. Necessitam que os cabelos sejam previamente molhados, para que ocorra a quebra das pontes de hidrogênio no processo de hidrólise da queratina, permitindo, assim, a abertura temporária de sua estrutura helicoidal. Com isso, o fio fica liso. A desidratação rápida com o secador mantém a forma lisa da haste. A aplicação da prancha quente molda as células da cutícula (escamas), como se as achatasse paralelamente à haste. O fio adquire aspecto liso e brilhante, por refletir mais a luz incidente.1

Os alisamentos definitivos visam romper as pontes dissulfeto da queratina. Podem ser à base de hidróxido de sódio, lítio e potássio, hidróxido de guanidina (hidróxido de cálcio mais carbonato de guanidina), bissulfitos e tioglicolato de amônia ou etanolamina, que utilizam reações químicas de redução.2,3

Hidróxidos

O hidróxido de sódio ou lítio e o hidróxido de guanidina (compõe-se de carbonato de guanidina e hidróxido de cálcio) são os mais potentes e destinam-se, em geral, aos cabelos afroétnicos. O primeiro é utilizado em concentrações que variam de 5 a 10%, com pH de 10 a 14%, promovendo os resultados mais dramáticos - e isso é o que mais danifica o cabelo. Já o hidróxido de guanidina é menos potente que o hidróxido de sódio, mas, mesmo assim, ainda apresenta alto potencial de danos à fibra. Ele age promovendo a quebra das pontes dissulfeto da queratina, em um processo denominado “lantionização”, que é a substituição de um terço dos aminoácidos de cistina por lantionina. O cabelo é composto por aproximadamente 15% de cistina.4 Utiliza pH alcalino (entre 9 e 14), que causa intumescimento da fibra e permite a abertura da camada exterior, a cutícula, para que o alisante nela penetre e também na camada seguinte, o córtex. Após, aplica-se uma substância que acidifica o pH, interrompendo o processo e voltando a fechar as pontes dissulfeto no novo formato desejado do fio. Em geral, usam-se xampus ácidos com esse fim (pH entre 4,5 e 6,0).

Tióis

O tioglicolato de amônio ou de etanolamina pertence à família dos “tióis” e é o mais utilizado no Brasil. É bem menos potente do que o hidróxido de sódio e, em geral, mais suave do que a guanidina. É o que tem o maior custo entre todos os alisantes. Sua concentração depende do pH da solução de amônia. Se utilizarmos uma solução de tioglicolato a 6% em pH 9,8, teremos o mesmo poder de ação de uma solução a 10% em pH 9,35, porém a primeira solução é potencialmente mais irritante e, em função da maior concentração de amônia, tem um odor muito mais desagradável. Na maioria dos casos, utilizamos uma solução entre 7,5 e 11% em pH entre 9-9,3. Pode-se aplicar esse produto no cabelo seco (preferencialmente) ou úmido. A concentração deve ser escolhida de acordo com o tipo do cabelo (Tabela I).4

Atualmente, o tioglicolato é o mais procurado para alisamento de cabelos caucasianos. Ele quebra as pontes dissulfeto dos aminoácidos de cistina, o que gera a formação de duas cisteínas para cada cistina. Por meio desse processo, a queratina sofre edema, tornando-se maleável para ser enrolada (permanente) ou alisada. No permanente, utilizam-se rolos chamados “bigodins ou bobes” e, no alisamento, secamse os fios com secador e, em seguida, aplica-se a prancha quente para esticá-los. Um maior alisamento é obtido com a aplicação da prancha quente em mechas bem finas. Após, os cabelos são lavados com água corrente e neutraliza-se o tioglicolato com a aplicação de um agente oxidativo, em geral contendo peróxido de hidrogênio. Então, o processo químico é interrompido, com os fios sendo permanentemente mantidos no novo formato. O processo completo pode durar até sete horas, caso o cabelo seja pranchado em mechas finas. O chamado “relaxamento” é a aplicação do tioglicolato sem o uso da prancha. O processo é mais rápido, porém o efeito liso é menos dramático. Em cabelos quimicamente tratados, há de se proceder a uma aplicação do tioglicolato em uma mecha teste antes do início do processo, a fim de se verificar a resistência dos cabelos ao produto. A aplicação de coloração permanente ou tonalizante pode ocorrer cerca de 15 dias após o alisamento. Deve-se ter em mente que cabelos alisados tornam-se mais suscetíveis à química, especialmente ao clareamento. O tioglicolato não é compatível com os hidróxidos e a aplicação simultânea dos produtos sobre a mesma área acarretará na tonsura do pelo.5,6

LED

LED é a sigla em inglês para Light Emitting Diode, ou Diodo Emissor de Luz. O LED é um diodo semicondutor (junção P-N) que, quando energizado, emite luz visível. A luz é monocromática e é produzida pelas interações energéticas do elétron. O processo de emissão de luz pela aplicação de uma fonte elétrica de energia é denominado “eletroluminescência”. Em qualquer junção P-N polarizada diretamente, dentro da estrutura, próximo à junção, ocorrem recombinações de lacunas e elétrons. Essa recombinação exige que a energia possuída por esse elétron, que até então era livre, seja liberada, o que ocorre na forma de calor ou fótons de luz. Existem técnicas do uso de tioglicolato associado à aplicação de LED nos cabelos já submetidos à aplicação do alisante. A proposta é que a luz ajudaria na penetração do tioglicolato, além de, por si só, gerar quebras nas pontes dissulfeto da queratina, o que possibilitaria o uso de concentrações menores do alisante, com menos danos ao fio e mais poder de alisamento. Na literatura médica, faltam estudos que comprovem tal resultado e justifiquem cientificamente o uso da LED em conjunto com o tioglicolato.

Formaldeídos

O uso de formol para alisamento capilar tornou-se frequente, pois, além de mais barato, é um processo rápido e que deixa os fios com brilho intenso. Na verdade, o formol é o formaldeído em solução a 37%, cuja venda em farmácias é proibida. A solução é empiricamente misturada à queratina líquida, que consiste em aminoácidos carregados positivamente e ao creme condicionador. O produto final é aplicado aos fios e espalhado com o auxílio de um pente. Em seguida, utilizam-se secador e piastra. O formaldeído se liga às proteínas da cutícula e aos aminoácidos hidrolizados da solução de queratina, formando um filme endurecedor ao longo do fio, impermeabilizando-o e mantendo-o rígido e liso (Figura 1). O efeito é o mesmo da calda da maçã do amor: por fora, lindo e brilhante, mas, por dentro, desidratado e quebradiço ((Figura 2). O fio torna-se suscetível à fratura, em consequência dos traumas normais do dia a dia, como pentear e prender os cabelos. O problema maior é que o formol é volátil e, depois de aquecido, uma maior quantidade é inalada tanto por quem aplica como por quem se submete ao tratamento. O formol é permitido no mercado de cosméticos em concentração de até 0,2% como conservante e 5% como endurecedor de unhas (ANVISA - Legislação em vigor: Formaldeído como conservante: Resolução RDC nº 162, de 11 de setembro de 2001, e Formaldeído como endurecedor de unhas: Resolução RDC nº 215, de 25 de julho de 2005), mas seu uso como alisante não é permitido devido à volatização. Recentemente, emitiuse uma nova resolução proibindo seu uso com esse fim (ANVISA - Resolução RDC nº 36, de 17 de junho de 2009). Para atingir o efeito alisante, o formaldeído deverá ser empregado em concentrações de 20 a 30%, o que é totalmente vetado.

O glutaraldeído é um dialdeído saturado, ligeiramente ácido em seu estado natural, que vem sendo utilizado como alisante desde a proibição do formol. É um líquido claro, encontrado em solução aquosa a 50%. Após ativação com bicarbonato de sódio para tornar a solução alcalina, o líquido torna- se verde. No Brasil, após diluição, é comercializado como esterilizante e desinfetante de uso hospitalar em concentrações a 2%. O glutaraldeído (glutaral) é um conservante relativamente comum em cosméticos, e pode ser usado em concentrações de até 0,2%. Sua atividade se deve à alquilação de grupos sulfidrila, hidroxila, carboxila e amino, alterando DNA, RNA e síntese de proteínas. A mutagenicidade do glutaraldeído é extremamente similar àquela do formaldeído. A exposição por inalação ao glutaraldeído e ao formaldeído resulta em danos aos tecidos do trato respiratório superior. O glutaraldeído é de seis a oito vezes mais forte do que o formaldeído para produzir ligações cruzadas na proteína do DNA e cerca de dez vezes mais intenso do que o formaldeído na produção de danos teciduais no interior do nariz após a inalação. A Internacional Agency for Research on Câncer (IARC) classifica a substância no grupo 2A, ou seja, como provável carcinógeno humano. Já a New Zealand Nurses Organization considera o glutaraldeído neurotóxico, levando à perda de memória e à dificuldade de concentração, além de cansaço e fadiga.6

Riscos dos formaldeídos

O risco do formol em sua aplicação indevida é tanto maior quanto maiores a concentração e a frequência do uso, e ocorre pela inalação dos gases e pelo contato com a pele, sendo perigoso para profissionais que aplicam o produto e também para usuários (Tabela II).

A inalação desse composto pode causar irritação nos olhos, nariz, mucosas e trato respiratório superior. Em altas concentrações, pode causar bronquite, pneumonia ou laringite.

Os sintomas mais frequentes no caso de inalação são fortes dores de cabeça, tosse, falta de ar, vertigem, dificuldade para respirar e edema pulmonar. O contato com o vapor ou com a solução pode deixar a pele esbranquiçada, áspera e causar forte sensação de anestesia e necrose na pele superficial.

Longos períodos de exposição podem causar dermatite e hipersensibilidade, rachaduras na pele (ressecamento) e ulcerações principalmente entre os dedos; podem ainda causar conjuntivite.

O vapor de formaldeído irrita todas as partes do sistema respiratório superior e também afeta os olhos. A maioria dos indivíduos pode detectar o formol em concentrações tão baixas como 0,5 ppm e, à medida que for aumentando a concentração até o atual limite de Exposição Máxima, a irritação é mais pronunciada (Tabela III).7

Medições das concentrações de formaldeído no ar em laboratórios de anatomia no ar têm apontado níveis entre 0,07 e 2,94 ppm (partes por milhão). Em ambientes nos quais se usa a substância, não pode haver mais do que 0,019 mg/m3 no ar e certamente após o aquecimento os níveis excedem esse limite.

A carcinogenicidade - avaliação do potencial cancerígeno - do formol foi investigada por quatro instituições internacionais de pesquisa e o produto foi classificado em 1995 pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como carcinogênico para humanos (Grupo 1, julho 2004), tumorigênico e teratogênico, por produzir efeitos na reprodução para humanos. A Agência de Proteção Ambiental (EPA) e a Associação de Saúde e Segurança Ocupacional (OSHA), dos Estados Unidos, consideram que o agente é suspeito de causar câncer para humanos. O Programa Nacional de Toxicologia dos EUA (Fourth Annual Report on Carcinogens) de 1984 considerou que o formaldeído é um agente cancerígeno nas seguintes doses para ratos: via oral, 1.170 mg/kg; via dérmica, 350 mg/kg; e via inalatória, 15 ppm/6 horas.8

Os alisantes são produtos registrados como cosméticos de grau de risco 2 junto à ANVISA, ou seja, necessitam de registro para comercialização. Entretanto, uma prática clandestina e atualmente considerada proibida é a adição de formol ou mesmo glutaraldeído a esses produtos, visando ampliar a capacidade alisante.

Para saber se um produto é registrado como cosmético grau 2, basta acessar o site da ANVISA, utilizando o seguinte caminho: http://www7.anvisa.gov.br/datavisa/Consulta_ Produto/consulta_cosmetico.asp. Por meio do nome comercial ou do número de registro que consta no rótulo, é possível saber se o produto é clandestino ou não. Esse número inicia com o algarismo 2, e tem nove ou 13 algarismos (Figura 3).9

Considerações finais sobre os alisantes

O fio, uma vez alisado pela aplicação de guanidina ou hidróxido de sódio, não pode ser alisado novamente, pois há risco de se partir. Já quando é utilizado o tioglicolato, recomenda- se que somente o fio novo seja alisado, porém, caso seja utilizada uma concentração baixa, é necessária uma nova aplicação cuidadosa, sempre testando uma mecha de cabelos antes do processo total. O cabelo alisado só pode voltar a ser submetido a um processo de alisamento com a mesma substância inicialmente usada. O alisamento deve ser feito pelo menos de duas a quatro semanas antes da coloração.

A escova progressiva (sem formol) consiste na aplicação de tioglicolato a cada quatro meses, aproximadamente, para um efeito alisante progressivo. Já a “escova japonesa” é a aplicação do tioglicolato em alta concentração para um alisamento rápido em apenas uma sessão. Os alisantes não devem ser aplicados diretamente no couro cabeludo - para os mais potentes, como o hidróxido de sódio, deve-se proteger a pele com aplicação prévia de óleos ou vaselina.

Cuidados com a haste capilar

Xampus

Atualmente, o objetivo dos xampus não é somente a remoção de sebum, suor, restos celulares, íons, ácidos graxos dos produtos de cabelo, partículas metálicas oxidadas e impurezas do couro cabeludo, mas também de ajudar na estética dos cabelos. Hoje, um xampu pode ter mais de trinta ingredientes em sua fórmula, pois, além dos surfactantes, que são os agentes limpadores, existem os agentes condicionantes para minimizar a agressão ao fio. Esses agentes podem ser lipídios, ácidos carboxílicos, agentes catiônicos e silicones (dimeticona, amodimeticona).1

O principal elemento de um xampu é o surfactante ou o detergente, que se constitui de uma molécula com uma porção apolar ou hidrófoba, a qual se liga aos lipídios do sebum e a outras impurezas, e uma porção polar ou hidrófila, que se liga à água, permitindo a remoção e o enxágue do material desejado. Há quatro categorias básicas de surfactantes: aniônico, catiônico, não iônico e anfotérioco (Tabela IV). Cada um desses grupos tem diferentes qualidades de limpeza do couro cabeludo e condicionamento dos fios. Tipicamente, muitos surfactantes são combinados em uma mesma fórmula para alcançar o resultado desejado.10

Os surfactantes aniônicos, como o lauril sulfato de sódio e de amônio, laureto sulfato de amônio e alfa-olefin sulfonato, são os mais utilizados comercialmente. São excelentes para remover o sebum do couro cabeludo. Porém, não são bem aceitos pelos consumidores, devido ao resultado não estético com fios opacos, pouco maleáveis e difíceis de pentear. Para que se mantenha o poder limpador do xampu, mas se minimize a retirada do sebum natural dos fios, muitas fórmulas adicionam outros surfactantes ditos secundários como os não iônicos. Os surfactantes catiônicos são utilizados em xampus para cabelos secos ou quimicamente tratados devido a seu poder limitado de remover o sebum e por manter os cabelos macios e maleáveis. O surfactante catiônico mais comum é o cloreto de cetil-trimetil amônio, o qual forma íons carregados positivamente quando em solução aquosa e apresenta propriedades de limpeza e poder espumante mais fraco do que os tensoativos aniônicos. Devido a isso, é possível adicionar uma cadeia tipo coco ao surfactante catiônico para permitir maior quantidade de espuma.

Já os detergentes não iônicos são utilizados em combinação com os aniônicos como limpadores secundários, uma vez que apresentam pequena capacidade de limpar o couro cabeludo. Têm como objetivo suavizar o surfactante aniônico. Alguns exemplos são PEG-80 laurato de sorbitano e cocoanfocarboxiglicerinato.

A última categoria de surfactante é constituída por detergentes anfotéricos, que são substâncias que apresentam tanto o polo negativo quanto o positivo. Isso faz com que eles se comportem como detergente catiônico em pH baixo e como aniônico em altos valores de pH. São exemplos cocodietanolamina, betaínas, cocoamidopropilbetaína e cocoanfoacetato. Esse tipo de surfactante é usado em xampus para bebês, uma vez que não irrita os olhos e também é indicado para cabelos finos.11

Atualmente, existe uma forte propaganda negativa sobre a presença de sais na fórmula de xampu. Os sais como o cloreto de sódio ou outro similar são necessários para o controle da viscosidade. Caso não estejam em quantidade acima do ideal, os sais não oferecem risco à saúde dos fios. Em quantidades muito elevadas, são substâncias que, por terem carga elétrica positiva, competem com o polímero pelo mesmo sítio de ligação, reduzindo o poder condicionante dos produtos. No entanto, mesmo em quantidades altas, há também o benefício de removerem os resíduos dos polímeros, quando estes se encontram depositados entre as escamas.

Os xampus e os tratamentos químicos aumentam a carga eletrostática dos fios (carga negativa), o que é compensado pela aplicação de creme rinse catiônico (carga +). Isso gera acúmulo de resíduos na cutícula, particularmente na endocutícula, na área da junção entre as camadas celulares, denominada complexo da membrana celular. Tais resíduos aumentam a eletricidade estática do cabelo, elevando as escamas e dando aos cabelos aspecto esvoaçante, difíceis de pentear e aparência desagradável. Além disso, os ácidos graxos dos condicionadores e xampus condicionantes se ligam ao cálcio e ao magnésio da água do chuveiro e se depositam na fibra capilar. Por isso, é necessária a aplicação semanal de xampu antirresíduo cujo surfactante de alto poder adstringente seja o lauril sulfato de amônio.

Condicionadores

São substâncias que visam desembaraçar, facilitar o penteado, reduzir a agressão dos efeitos físicos e químicos aos quais os cabelos são submetidos diariamente, como o simples ato de pentear, mantendo o aspecto cosmético do fio, sua maciez e diminuindo o aspecto esvoaçado (efeito antifrizz). Os condicionadores compõem-se de óleos vegetais e minerais, ceras, álcool de cadeia longa, substâncias catiônicas (carregadas positivamente), triglicerídeos, ésteres, silicones e ácidos graxos.12

A intenção é a ligação dessas substâncias nos pontos agredidos na cutícula e no córtex. As ligações e interações dos componentes dos cosméticos com a queratina são influenciadas por carga elétrica do ingrediente, tamanho da molécula, ponto isoelétrico do fio e pelos ingredientes previamente aderidos à cutícula. São ingredientes comuns aos condicionadores cloreto de esteralcônio, cloreto de cetrimônio, cloreto de dicetilamônio, polímero JR (poliquaternário 10), polímeros quaternários, guar catiônico, acrilamida, metacrilato, polímeros neutros (copolímeros, polivinil) e ácidos graxos (ácidos láurico, mirístico e palmítico).

Os ingredientes podem agir tanto na superfície do fio quanto na profundidade do córtex. As substâncias que atuam na cutícula têm alto potencial de adsorção, que significa uma forma de adesão ou revestimento, também denominado efeito filme. Substâncias de peso molecular alto atuam mais na cutícula, enquanto as de peso molecular baixo penetram até as camadas mais internas do fio.

>Também existe influência do pH, pois substâncias de pH ácido atuam com mais rapidez, com efeito desembaraçante, por diminuírem a carga eletrostática. Já as substâncias alcalinas penetram mais no córtex e agem mais lentamente. As primeiras são os condicionadores e outros produtos de ação rápida (1 a 3 minutos) e as outras são as máscaras que necessitam de pelo menos 15 minutos de aplicação. O condicionador ideal deve ter pH entre 4,1 e 4,9. Infelizmente não é obrigatória a especificação do pH do produto nas embalagens.

Uma categoria muito difundida entre os agentes condicionantes são os polímeros - substâncias encontradas nos xampus, condicionadores, cremes com e sem enxágue, mousses e fluidos. Sua função é diminuir a carga eletrostática dos fios e aumentar a substantividade do fio, formando um filme protetor.

Os polímeros ligam-se ao cabelo por três tipos de ligação (iônica e covalente, pontes de hidrogênio e forças de atração de Van Der Waals) e são classificados em:

a) Catiônicos: poliquaternário de amônio, dimetil amônio, cloreto de estearalconium ou de cetrimonium.

b) Mono e Polipeptídeos: hidrolisado de proteínas (aminoácidos), polipeptídeos derivados do colágeno.

O tamanho e o peso molecular do polímero influenciam em sua absorção e dispersão através da fibra capilar e sua ligação ligação com a queratina. Os polímeros de baixo peso molecular difundem-se no interior da fibra (PM de 10 mil a 250 mil), enquanto os de alto peso molecular difundem-se na superfície da fibra (acima de 250 mil).

Além disso, a carga elétrica dos fios permite maior ou menor ligação dos polímeros. A maioria dos cosméticos capilares tem pH mais alcalino do que o pH do fio, carregando-os negativamente e facilitando a ligação dos polímeros catiônicos. Os polímeros catiônicos têm difícil remoção por xampus comuns (resíduos). Os polipeptídeos ligam-se à fibra por terem muitos pontos iônicos e sítios de ligações polares. São moléculas grandes e possuem áreas para ligações de Van Der Waals. Já os monômeros de proteínas (metionina, tirosina, triptofano), quando em soluções aquosas, têm peso molecular baixo e penetram no interior da fibra.

Atualmente, o agente mais utilizado como condicionador é o silicone. Os silicones como ciclopentasiloxane, dimeticonol, dimeticona e amodimeticona têm efeito filme e protegem o fio das altas temperaturas do secador e da prancha, pois difundem o calor ao longo da fibra. Também refletem a luz, o que aumenta o brilho. Os silicones auxiliam a achatar os queratinócitos anucleados da cutícula, o que faz com que as escamas não desprendam umas das outras e ajuda a manter os cabelos desembaraçados. Recentemente, o cuidado com o fio incluiu a utilização de filtros solares. Eles foram inicialmente usados para a preservação dos produtos capilares da ação da luz solar, mas hoje se sabe que esses filtros agem nos fios minimizando a degradação do triptofano e a quebra das ligações das pontes dissulfídicas pelos raios UVB através de sua absorção. Exemplos são incroquat UV 283, merquat e escalol HP 610. Os filtros solares quaternizados como o cloreto de cinamidopropil trimetil amônio e dimetilpabamidopropil laurdimonium tosylato têm carga elétrica positiva, que se liga ao fio com carga elétrica negativa, formando um filme protetor que o envolve. Todos esses produtos devem ser reaplicados quando os fios são molhados.

>Vale aqui ressaltar que a aplicação tópica de nutrientes, vitaminas, pró-vitaminas, pantenol, dentre outros anunciados nos xampus e condicionadores não altera em nada a estrutura do fio, não havendo qualquer comprovação científica de benefício em sua utilização.

Implicações dos tratamentos cosméticos na haste capilar

A literatura médica apresenta alguns possíveis efeitos pósalisamento: fratura da haste (em geral, no ponto da junção da parte previamente alisada com o cabelo novo que está sendo quimicamente tratado ou mesmo na parte distal do cabelo) (Figura 4), alopecia cicatricial, síndrome da degeneração folicular (hot comb alopecia, cujo nome tende a ser substituído), indução de eflúvio telógeno e um possível dano ao folículo pilossebáceo.(Figura 13,14)

Além disso, são frequentes as queimaduras de couro cabeludo que ocorrem quando o produto é aplicado diretamente na pele. Os corantes permanentes que utilizam oxidação com paradiamina são os maiores causadores de eczema de contato. Os mais implicados na alergia são: p-fenilenodiamina, p-toluenodiamina e cloro-fenilenidiamina. Também o formaldeído pode causar eczema de contato. O quadro de eczema tem início na periferia do couro cabeludo e atrás das orelhas, acompanhado de prurido no couro cabeludo. As lesões podem estender-se à face, em especial à região periocular e às pálpebras. A p-fenilenodiamina pode induzir asma em cabeleireiros. Existe uma preocupação em relação ao uso sistemático dos produtos para tingir os fios. Trabalhos que estudaram o potencial carcinogênico de diversos tipos de corantes não consideraram as substâncias atualmente disponíveis no comércio como de risco. A substância 2,4-diamino anisol foi retirada do mercado por se relacionar à carcinogenicidade. Novos estudos sobre o potencial toxicológico dos corantes para cabelos continuam em desenvolvimento, abrangendo populações maiores e tempo de uso mais prolongado.

Os produtos químicos usados para alisamento, permanente ou coloração tornam os fios ásperos, porosos e quebradiços, com menor resistência à tração, devido à geração de íons negativamente carregados ao longo da molécula de queratina. Também o xampu remove o excesso de gordura e o sebum natural presente ao longo do fio. Pequenos traumas diários aos quais os fios estão sujeitos, como o ato de penteá-los e escová-los, também geram a produção de íons negativos na cutícula e no córtex, principalmente nos cabelos quimicamente tratados.(Figura 15-18)

Para minimizar esses efeitos, utilizam-se, após a lavagem, os agentes condicionadores, os quais objetivam manter os cabelos maleáveis, fáceis de pentear, brilhantes e sedosos. Os condicionadores reduzem a eletricidade estática e o atrito entre os fios, desembaraçando-os devido ao fato de provocarem o depósito de íons positivamene carregados dentro do fio, os quais se ligam aos íons negativamente carregados, neutralizando- os. O atrito, então, é diminuído, provocando um aumento na adesão das escamas da cutícula e, com isso, o fio reflete mais a luz incidente e fica sedoso ao toque. Há vários tipos de condicionadores: instantâneos, profundos (com enxágue) e “leave-in” (sem enxágue). Importante assinalar que os componentes dos dois primeiros devem ser resistentes ao enxágue subsequente.(Figura 19)

Durante a gravidez e a lactação, não se recomenda a utilização de qualquer tipo de química capilar para tingimento, permanente ou alisamento, mesmo henna. Não há unanimidade quanto à segurança no uso dessas técnicas e substâncias em relação ao concepto, porém sabe-se que o risco é maior para os profissionais que aplicam os produtos químicos sem o uso de luvas e máscaras, que conferem proteção adequada. Há relatos de casos de neuroblastoma e alterações congênitas cardiovasculares provocadas pela exposição da mãe às tinturas, tanto permanentes como tonalizantes. Alguns autores consideram a henna mutagênica e capaz de deixar resíduos no couro cabeludo.(Figura 20)

Referências

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