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Artigo Original

Enxerto de cartilagem auricular para reconstrução nasal após cirurgia micrográfica de Mohs

Felipe Bochnia Cerci

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201572649

Data de recebimento: 11/05/2015
Data de aprovação: 17/06/2015
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: a restauração da forma e função nasais após cirurgia de Mohs requer planejamento cirúrgico adequado. Defeitos nasais extensos e profundos, principalmente localizados na asa, podem demandar enxerto de cartilagem para ajudar a restaurar a função, a anatomia e a estética nasais. Objetivos: avaliar a utilidade de enxertos de cartilagem em reconstrução nasal após cirurgia micrográfica de Mohs, assim como descrever uma das técnicas para sua realização. Métodos: estudo retrospectivo de pacientes com defeitos cirúrgicos nasais decorrentes de cirurgia de Mohs submetidos a enxerto de cartilagem auricular. Resultados: dez pacientes foram incluídos no estudo. O enxerto de cartilagem foi retirado da anti-hélice/fossa escafoide em seis pacientes (60%) e da concha em quatro pacientes (40%). Todos os enxertos de cartilagem da anti-hélice/fossa escafoide foram retirados através de incisão anterior, enquanto os da concha foram retirados por excisão posterior. Houve uma complicação, hematoma, que drenou espontaneamente. Conclusões: Enxertos de cartilagem constituem método versátil, confiável e previsível de fornecer suporte estrutural em reconstrução nasal. É fundamental identificar os pacientes que podem se beneficiar da técnica. Mediante planejamento cauteloso e execução adequada, enxertos de cartilagem auricular melhoram significativamente os resultados de reconstruções nasais em casos selecionados.

Keywords: CIRURGIA DE MOHS; CARTILAGEM DA ORELHA; RETALHOS CIRÚRGICOS; NEOPLASIAS NASAIS; CARCINOMA BASOCELULAR


INTRODUÇÃO

A restauração da forma e função nasais após cirurgia de Mohs requer planejamento cirúrgico adequado. Defeitos nasais extensos e profundos, principalmente localizados na asa, podem demandar enxerto de cartilagem para ajudar a restaurar a função, a anatomia e a estética nasais.1,2 Em cirurgia dermatológica, a área doadora mais comum para enxerto de cartilagem é a orelha. Ao selecionar a subunidade doadora, anti-hélice/fossa escafoide ou concha, devem ser consideradas as diferenças da cartilagem desses locais, assim como morbidade e facilidade da retirada do enxerto.3 Os enxertos de cartilagem são geralmente realizados com retalhos interpolados.1,2 Entretanto, também podem ser associados a retalho de único estágio, enxertos de pele e cicatrização por segunda intenção.4-6 As principais funções do enxerto de cartilagem são prevenir contração tecidual e distorção, suportar retalhos “pesados” evitando colapso da asa nasal, manter a válvula nasal aberta e fornecer suporte para melhor contorno. O objetivo do presente estudo é avaliar a utilidade de enxertos de cartilagem em reconstrução nasal após cirurgia micrográfica de Mohs, assim como descrever uma das técnicas para sua realização.

 

MÉTODOS

Pacientes

Foi realizado estudo retrospectivo de dez pacientes com defeitos nasais resultantes de cirurgia micrográfica de Mohs submetidos a enxerto de cartilagem de agosto de 2014 a março de 2015. Os casos foram provenientes de um hospital público. Através de revisão e análise de prontuários médicos e extensa documentação fotográfica, os seguintes dados demográficos e cirúrgicos foram avaliados: idade, gênero, características do tumor, subunidades envolvidas, número de estágios de Mohs, medidas adicionais para conforto do paciente, reparo realizado, área doadora de cartilagem (subunidade auricular e localização da incisão), uso de anticoagulantes, tabagismo, complicações, seguimento e resultados. Antes ou após a cirurgia, todos os pacientes assinaram termo de consentimento informado autorizando a publicação das fotografias em revistas científicas. Todos os procedimentos (cirurgia de Mohs para remoção do tumor e subsequente reconstrução) foram realizados sob anestesia local. Bloqueios nervosos suplementaram a anestesia local em alguns casos. Antes ou após o procedimento, quando necessário, os pacientes receberam benzodiazepínicos via oral para maior conforto. Todos os pacientes foram reparados com retalhos interpolados, sendo necessário um segundo estágio de três a quatro semanas após a primeira cirurgia.

Técnica para retirada

O quadro 1 descreve passo a passo como realizar a retirada e fixação do enxerto de cartilagem da anti-hélice/fossa escafoide. Se optado por retirar da concha auricular, a técnica é similar. Toda a concha pode ser removida sem risco significativo de distorção auricular. Entretanto, retirar o enxerto muito próximo ao conduto auditivo deve ser evitado devido ao risco de retração no pós-operatório tardio. (Figuras 1-3)

 

RESULTADOS

Dez pacientes foram incluídos no estudo. Dados demográficos e cirúrgicos são mostrados na tabela 1. A idade dos pacientes variou de 39 a 78 anos (média = 66 anos), sendo a maioria do sexo masculino (oito homens e duas mulheres). Todos os tumores removidos eram carcinomas basocelulares, e os subtipos histológicos mais comumente encontrados foram infiltrativo (n = 4) e nodular (n = 4). Os pacientes remanescentes apresentavam carcinoma basocelulares mistos com componentes infiltrativo e nodular. O número de estágios de cirurgia de Mohs para a obtenção de margens livres variou de um a quatro (média = 1,7). Em relação a medidas acidionais para conforto dos pacientes, três (30%) receberam benzodiazepínicos orais (lorazepam 0,5mg a 1mg) como adjuvantes à anestesia local. Bloqueio infraorbital foi realizado em cinco pacientes (50%). Sete pacientes (70%) tinham defeitos localizados principalmente na asa nasal, que foram reconstruídos com retalho interpolado do sulco nasogeniano isolado ou combinado a outros métodos de fechamento. Três pacientes (30%) apresentavam defeitos mais extensos afetando múltiplas subunidades anatômicas nasais e foram reparados com retalho paramediano frontal. O enxerto de cartilagem foi retirado da anti-hélice/fossa escafoide (n = 6) ou concha (n = 4). Todos os enxertos de cartilagem da anti-hélice/fossa escafoide foram retirados através de incisão anterior, enquanto os enxertos da concha foram retirados através de excisão posterior. Três pacientes apresentavam defeitos de espessura total. Em um deles, a mucosa nasal foi recriada com retalho em dobradiça da parede nasal e, nos outros dois, fechada primariamente devido ao pequeno tamanho do defeito mucoso. Apenas um elemento da amostra era tabagista. Nenhum paciente estava em uso de anticoagulantes. Um deles, entretanto, teve sangramento pós-operatório e hematoma, que drenou espontaneamente. Ótimos resultados funcionais e estéticos foram alcançados em todos os pacientes. Não houve infecção, cicatriz hipertrófica, queloide ou distorção da orelha em nenhum caso, e a área doadora se tornou praticamente imperceptível depois de alguns meses (Figura 4). O período de seguimento variou de dois a nove meses (média de sete meses), sem recorrência tumoral.

 

DISCUSSÃO

Muitos fatores devem ser considerados ao se planejar uma reconstrução nasal. Na maioria dos pacientes, restauração de partes moles é o suficiente para obtenção de ótimos resultados funcionais e estéticos. Enxerto de cartilagem auricular, porém, pode ser necessário para a adequada restauração da asa e da válvula nasais em determinados casos.4 É fundamental reconhecer os pacientes que se beneficiarão do enxerto de cartilagem. Sinais que ajudam a identificá-los incluem colapso da asa/válvula nasal espontâneo ou na inspiração após retirada do tumor, ou retração da rima nasal. Em alguns casos, mesmo não havendo retração da rima no momento da cirurgia, ela pode vir a ocorrer tardiamente devido à cicatrização. O local exato para se fixar o enxerto, assim como seu tamanho e forma, resultará em benefícios distintos. Se o objetivo for apenas evitar ou corrigir retração da rima nasal, o enxerto de cartilagem pode ser menor e deve ser fixado bem próximo à rima nasal (Figura 5). Se, entretanto, há importante colapso da asa/válvula nasal (Figura 6), o enxerto de cartilagem deve ser maior e deve ser fixado nos terços médio e superior da asa. Para projeção da ponta nasal, os enxertos devem ser fixados diretamente nela.

Enxertos de cartilagem podem ser estruturais (cartilagem nativa presente mas necessidade de cartilagem adicional para suporte) ou restauradores (reposição de cartilagem removida). Enxertos de cartilagem para a asa nasal são geralmente estruturais e não restauradores, já que não há cartilagem na maior parte da asa nasal, mas apenas tecido fibrogorduroso. Funções estruturais da cartilagem incluem: 1) prevenir contração tecidual e distorção, 2) suportar retalho “pesado”, 3) manter válvula nasal aberta e 4) fornecer contorno para suporte.7 Áreas doadoras de cartilagem incluem a anti-hélice/fossa escafoide e concha auricular.4,8 Cartilagem da anti-hélice/fossa escafoide é ideal para segmentos longos, flexíveis e retilíneos, enquanto a da concha é ideal para enxertos que demandem mais curvatura, substância e rigidez. No presente estudo, seis pacientes (60%) tiveram enxerto de cartilagem retirado da anti-hélice/fossa escafoide, enquanto o de quatro pacientes (40%) foi retirado da concha. Destes, três pacientes apresentavam defeitos extensos que foram reparados com retalho paramediano frontal (Figura 7).

As incisões para retirada de cartilagem podem ser anteriores ou posteriores. Incisões anteriores são de acesso mais fácil, porém resultam em cicatrizes mais visíveis.1,2 Apesar de os enxertos da anti-hélice/fossa escafoide terem sido removidos via anterior, a incisão cicatrizou bem e ficou praticamente imperceptível em todos os pacientes. Pode ser necessário esculpir o enxerto para obtenção de espessura, forma, bordas e contorno desejados. Isso deve ser realizado cautelosamente, já que a cartilagem é estrutura frágil e pode fraturar durante o processo. Tradicionalmente, usa-se lâmina 15 para esculpir; porém uma lâmina de barbear permite esculpir mais delicadamente os contornos do enxerto. Enxertos de cartilagem podem ser removidos com segurança sob anestesia local com baixo índice de complicação.1-3,9 Dor pósoperatória na área doadora de cartilagem pode ser significativa. Por isso, analgesia adequada (anti-inflamatórios não hormonais/analgésicos potentes) deve ser fornecida a todos os pacientes.1,2

A desvantagem primária do enxerto de cartilagem é a morbidade adicional de um segundo sítio cirúrgico. Embora raros, hematoma, infecção, condrite não infecciosa e distorção anatômica podem ocorrer na área doadora.10 Hemostasia cautelosa e curativo fixado por 48-72 horas ajudam a prevenir a formação de hematoma. O único paciente que desenvolveu hematoma no pós-operatório teve o curativo fixado de maneira inadequada, longe da real área doadora. Portanto, os curativos fixados devem ser posicionados no exato local da incisão. Se necessário, podem, inclusive, ser fixados tanto ântero quanto posteriormente. Nenhum paciente desenvolveu infecção ou condrite não infecciosa no presente estudo. Todos, porém, receberam antibióticos orais no pós-operatório devido à duração da cirurgia, realização de enxerto de cartilagem e localização do defeito (nariz), embora essa recomendação seja controversa. Em recente estudo por Sage et al.,3 a taxa de complicações da área doadora (3%) foi menor do que no presente estudo (10% correspondendo a um hematoma). O pequeno número de casos deste estudo, entretanto, faz com que uma única complicação acabe tendo maior impacto estatístico. (Figura 8)

 

CONCLUSÃO

Enxertos de cartilagem constituem método versátil, confiável e previsível de fornecer suporte estrutural em reconstrução nasal. Eles podem ser retirados de maneira fácil, rápida e segura sem prejuízo para a área doadora. É fundamental identificar os pacientes que podem se beneficiar da técnica. Mediante planejamento cauteloso e execução adequada, enxertos de cartilagem auricular melhoram significativamente os resultados de reconstruções nasais em casos selecionados.

 

Referências

1. Cerci FB, Nguyen TH. Retalho paramediano frontal na reconstrução de defeitos nasais complexos após cirurgia micrográfica de Mohs. Surg Cosmet Dermatol. 2014;6(1):17-24.

2. Cerci FB, Nguyen TH. Retalho do sulco nasogeniano para reconstrução da asa nasal após cirurgia micrográfica de Mohs. Surg Cosmet Dermatol. 2014;6(2):113-20.

3. Sage RJ, Leach BC, Cook J. Antihelical cartilage grafts for reconstruction of Mohs micrographic surgery defects. Dermatol Surg. 2012;38(12):1930-7.

4. Byrd DR, Otley CC, Nguyen TH. Alar batten cartilage grafting in nasal reconstruction: functional and cosmetic results. J Am Acad Dermatol. 2000;43(5 Pt 1):833-6.

5. Zopf DA, Iams W, Kin JC, Baker SR, Moyer JS. Full-thickness skin graft overlying a separately harvested auricular cartilage graft for nasal alar reconstruction. JAMA Facial Plastic Surg. 2013;15(2):131-4.

6. Ibrahimi OA, Campbell T, Youker S, Sisein DB. Nonanatomic free cartilage batten grafting with second intention healing for defects on the distal nose. J Drugs Dermatol. 2012;11(1):46-50.

7. Nguyen TH. Staged interpolation flaps. In: Roher TE, Cook JL, Nguyen TH, Mellete Jr, JR, editors. Flaps and grafts in dermatologic surgery. New York: Elsevier; 2007. p. 91-105.

8. Ratner D, Skouge JW. Surgical pearl: the use of free cartilage grafts in nasal alar reconstruction. J Am Acad Dermatol. 1997;36(4):622-4.

9. Kaplan AL, Cook JL. The incidences of chondritis and perichondritis associated with the surgical manipulation of auricular cartilage. Dermatol Surg. 2004;30(1):58-62; discussion 62.

10. Adams DC, Ramsey ML. Grafts in dermatologic surgery: review and update on full- and split-thickness skin grafts, free cartilage grafts, and composite grafts. Dermatol Surg. 2005;31(8 Pt 2):1055-67.

 

Trabalho realizado no Hospital Santa Casa de Curitiba - Curitiba (PR), Brasil.


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