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Artigo Original

Melanoma maligno: estudo epidemiológico dos casos diagnosticados em unidade de referência em dermatologia em Bauru-sp de 2007 a 2014

Ana Cecília Versiani Duarte Pinto1; Maria Lopes Lamenha Lins Cavalcante1; Gardênia Viana da Silva2; Fernanda Freitas de Brito1; Agnes Mayumi Nakano Oliveira2; Norma Gondim Cleto3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201572651

Data de recebimento: 19/05/2015
Data de aprovação: 17/06/2015
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: No Brasil o melanoma maligno segue tendência mundial de aumento da incidência com redução da gravidade dos casos ao diagnóstico. Objetivo: Utilizar os critérios prognósticos do Grupo Multicêntrico e Multidisciplinar Brasileiro para Estudo do Melanoma aliados a características clínicas para elaborar um perfil clínico e histopatológico dos casos de melanoma. Métodos: Trata-se de estudo transversal e descritivo com análise retrospectiva de prontuários dos pacientes diagnosticados com melanoma em unidade terciária de referência em dermatologia na cidade de Bauru (SP) entre janeiro de 2007 e julho de 2014. Resultados: O sexo feminino correspondeu a 56,2%, a idade variou de 27 a 95 anos com média de 61,4 anos, e em 36% dos casos a lesão foi detectada no exame físico. A maior incidência de acometimento foi nos membros inferiores (23,5%), e o tipo extensivo superficial correspondeu a 79,6% das biópsias. A espessura média do Breslow foi de 2,9mm, e em 28,1% dos casos a lesão era in situ. Conclusões: Delineou-se o seguinte perfil: mulheres, 61 anos, com lesões localizadas em membros inferiores, subtipo extensivo superficial e com indícios de bom prognóstico. Estudos como este adquirem importância por fornecer subsídios para o delineamento de estratégias de abordagens populacionais.

Keywords: EPIDEMIOLOGIA; HISTOLOGIA; MELANOMA; NEOPLASIAS CUTÂNEAS; PATOLOGIA CIRÚRGICA


INTRODUÇÃO

O melanoma é neoplasia maligna com origem nos melanócitos, que ocorre preferencialmente na pele (mais de 90% dos casos), embora, possa ser observado igualmente em mucosas, globos oculares ou leptomeninges.1 No Brasil o melanoma maligno cutâneo (MMC) segue tendência mundial de aumento da incidência com redução da gravidade dos casos ao diagnóstico.1-4 Apesar de ser o câncer cutâneo de maior letalidade,2,5 observa-se que no Brasil os dados epidemiológicos populacionais dos casos MMC são limitados, em decorrência, principalmente, da ausência de notificação compulsória, da falta de registro central dos casos e da pouca atenção dos gestores da saúde pública.6 Neste trabalho, utilizaram-se os critérios prognósticos do Grupo Multicêntrico e Multidisciplinar Brasileiro para Estudo do Melanoma (GBM),7,8 para elaboração de perfil clínico e histopatológico dos casos MMC atendidos nos últimos sete anos em unidade de referência em dermatologia em Bauru (SP). Dessa maneira, objetiva-se elaborar um perfil correspondente a um grupo de risco, fomentar o diagnóstico precoce e contribuir para o direcionamento de campanhas de prevenção.

 

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal e descritivo com análise retrospectiva de prontuários de todos os pacientes que tiveram diagnóstico histopatológico de MM cutâneo primário por biópsia excisional em unidade terciária de referência em dermatologia na cidade de Bauru (SP) entre janeiro de 2007 e julho de 2014.

A amostragem foi do tipo não probabilístico por conveniência, incluindo todos os pacientes com diagnóstico histopatológico de melanoma cutâneo primário por biópsia excisional durante o período estudado. Melanomas de mucosas e olhos, melanomas metastáticos, melanomas residuais, recidivas de melanomas, melanomas observados em revisão de lâminas ou em biópsias incisionais foram excluídos. Ao todo, 64 casos de melanoma cutâneo primário foram avaliados.

Para cada caso, identificaram-se as características epidemiológicas e clínicas: idade, sexo, tempo entre o surgimento da lesão e o diagnóstico, e a localização do tumor; e histopatológicas como o subtipo do melanoma e a classificação dos critérios prognósticos do GBM,7,8 que são: índice de Clark, espessura de Breslow, índice mitótico, presença de infiltrado linfocitário, presença de invasão angiolinfática e perineural, presença de ulceração e de regressão, satelitose microscópica e comprometimento de margens cirúrgicas.

Por ser estudo com base em coleta de dados de prontuários e exames histopatológicos, possíveis vieses de aferição e informação devem ser considerados.

Os dados obtidos foram processados em Microsoft® Excel, com análise de frequência e porcentagem, e esse programa foi utilizado para a elaboração dos gráficos. Os princípios da Declaração de Helsinki foram respeitados durante a realização do estudo.

 

RESULTADOS

No presente trabalho, 43,8% dos casos eram do sexo masculino, e 56,2% do sexo feminino (Gráfico 1). A idade da amostra variou de 27 a 95 anos com média de 61,4 anos. O tempo entre surgimento da lesão e o diagnóstico foi inferior a dois anos para 36% dos pacientes, superior a dois anos para 28%, e em outros 36% a lesão não era a queixa principal, sendo detectada no exame físico (Gráfico 2). Em relação às topografias das lesões, os locais mais acometidos foram os membros inferiores (23,5%), seguidos pelo dorso (21,9%), membros superiores e face, cada um com 14%, tórax anterior (6,3%) e outros locais 15,6%. Em 4,7% dos casos esse dado não constava no prontuário (Gráfico 3). O tipo extensivo superficial correspondeu a 79,6%, o nodular a 12,6%, lentigo maligno melanoma a 3,1%, melanoma lentiginoso acral também a 3,1%, e melanoma desmoplásico a 1,6% (Gráfico 4). Quanto aos critérios de gravidade do GBM, a espessura do Breslow variou de 0,12mm a 37mm, com média de 2,9mm. Em 28,1% dos casos a lesão era in situ. As porcentagens de cada espessura de Breslow I a V bem como dos níveis de Clark de I a V estão evidenciadas no gráfico 5. A ulceração estava presente em 14,2%, áreas de regressão em 26,6%, e índice mitótico maior do que zero em 34,4%. Apenas um caso (1,6%) apresentava invasão angiolinfática, e 42,2% das biópsias apresentavam infiltrado linfocitário. Satelitose e invasão neural não foram detectadas. Com relação ao acometimento das margens cirúrgicas, em 81,3% das biópsias elas estavam livres de acometimento neoplásico, em 15,6% comprometidas e em 3,1% esse dado não foi informado. Pesquisa de outras neoplasias cutâneas foi positiva em 43,8% dos pacientes.

 

DISCUSSÃO

O MMC foi mais incidente no sexo feminino (56,2%) dado condizente com estudos realizados nos estados de São Paulo e de Santa Catarina.2,3,9-11 Essa associação relaciona-se à maior aderência das mulheres às campanhas de prevenção e à busca mais frequente de atendimento. A média de idade ao diagnóstico de 61,4 anos é semelhante à observada em estudo português (61 anos)1 e em outros estudos nacionais, como os realizados em Curitiba, com média de 58 anos,12 e em Brasília, com faixa etária mais acometida entre 61-80 anos.13 O predomínio em idosos é resultado do aumento da expectativa de vida somado à maior dificuldade dessa faixa etária em reconhecer precocemente as lesões neoplásicas. À semelhança de outros estudos,6,14 a associação de MMC com outras neoplasias cutâneas foi registrada em 43,2%, apontando para um subgrupo de indivíduos com exposição solar intensa. Em 36% dos pacientes, apesar de o MMC não ser a queixa que motivou a consulta, foi detectado durante o atendimento. Nesse contexto, ressalta-se a importância do exame dermatológico completo, que inclui a realização da dermatoscopia. Essa é uma ferramenta de auxílio diagnóstico não invasiva de elevada sensibilidade (98,8%) e especificidade (91,2%) para detecção do MMC, sendo de grande valia na diferenciação das lesões melanocíticas e não melanocíticas.14-16 As topografias mais acometidas foram os membros inferiores (23,5%) e o dorso (21,9%), dados congruentes com a literatura.1,3,4,17,18 Publicações de base hospitalar da década de 1990 e primeira década do século XXI13,19,20 mostram predomínio do subtipo nodular com menor proporção de diagnósticos de MMC não invasor. Este trabalho corrobora com o surgimento de novo perfil para o MMC em unidades terciárias, ao apresentar o tipo extensivo superficial como o mais frequente (79,6%) e com 28,1% das lesões com diagnóstico in situ. Em relação aos critérios de gravidade do GBM, observou-se que a maioria dos pacientes deste estudo apresentou indícios de bom prognóstico, como níveis I e II de Breslow em metade dos casos, níveis de Clark I, II e III em 68,8%, e índice mitótico superior a zero em apenas 34,4%. Além disso, outros critérios de gravidade, como regressão, ulceração e invasão angiolinfática apresentaram baixa positividade. Ainda nesse aspecto houve ausência de satelitose e de invasão neural. A maioria dos laudos (81,3%) apresentava bordas cirúrgicas livres, o que revela o esmero técnico nas biópsias excisionais. Historicamente, em hospitais terciários, predominavam casos graves de MMC.13,19,21 O presente trabalho mostra que esse cenário está em processo de modificação, com maior tendência ao diagnóstico precoce. Esse perfil de diagnóstico precoce aliado a melhor prognóstico foi observado em outros estudos brasileiros, realizados nas regiões Sul e Sudeste,2,3,8,22 porém não foi encontrado em trabalhos semelhantes realizados nas regiões Norte e Nordeste,6,17 o que revela importantes diferenças regionais que devem ser consideradas quando da organização de campanhas populacionais de prevenção.

 

CONCLUSÃO

Neste estudo, observou-se o seguinte perfil para o MMC: mulheres, com média de idade de 61 anos, com lesões nem sempre observadas antes da consulta, localizadas em membros inferiores ou tronco, com subtipo extensivo superficial e com indícios de bom prognóstico ao se analisarem os critérios do GBM. Estudos, como este, que primam pela identificação dos grupos de risco, dos fatores prognósticos e pela compreensão do comportamento histológico do MMC adquirem importância por fornecerem subsídios para o delineamento de estratégias de abordagens populacionais.

Agradecimento:

Aos médicos e funcionários do Laboratório de Patologia do Instituto Lauro de Souza Lima, Bauru, SP, Brasil.

 

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Trabalho realizado no Instituto Lauro de Souza Lima - Bauru (SP), Brasil.


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