Célia Luiza Petersen Vitello Kalil1; Renata Hübner Frainer2; Letícia Santos Dexheimer2; Renata Elise Tonoli3; Ana Letícia Boff4
Keywords: ACNE VULGAR; CICATRIZ; ESTÉTICA; RESULTADO DE TRATAMENTO; TERAPIA COMBINADA
A acne vulgar é uma das doenças de pele mais comuns. Após o término da fase inflamatória ativa, grande parte dos pacientes apresenta cicatrizes atróficas.1-4 As cicatrizes de acne são um problema estético e psicológico. Estudos confirmaram seu impacto psicossocial demonstrando maior incidência de transtornos com personalidade introvertida e depressão nos pacientes com cicatrizes de acne grave.5 Até o momento, não há tratamento-padrão. Várias opções foram descritas com desfechos clínicos e complicações diversas, tais como técnicas cirúrgicas diversas, dermoabrasão, lasers fracionados ablativos e não ablativos, peelings químicos, resurfacing, transplante autólogo de gordura e preenchedores.2
Recentemente, a terapia de indução percutânea de colágeno (TIPC) com cilindros plásticos providos de microagulhas foi introduzida na Europa, com muito bons resultados. Desmond Fernandes foi o primeiro a chamar essa técnica de microagulhamento ou TIPC em 1993, na França.1,4 Diferentes marcas desse tipo de cilindros, com agulhas em número variado (192 a 1074), comprimento variando de 0,25 a 3mm e 0,1mm de diâmetro, de uso único, têm sido comercializadas atualmente em todo o mundo. A região a ser tratada deve ser pressionada firmemente com o dispositivo cujas agulhas deverão penetrar até a derme. Cada passada do dispositivo agulhado produz 16 micropuncturas/cm2. O instrumento deve rolar em movimentos de vai e vem em diferentes direções de dez a 20 vezes.1-6 As microlesões na derme papilar criam uma zona confluente de sangramento superficial que atua como poderoso estímulo para desencadear o processo da cicatrização, liberando diversos fatores de crescimento, que por sua vez estimulam a proliferação de fibroblastos e a síntese de colágeno III e I. Com a conversão de colágeno tipo III em tipo I, há uma contração na rede de colágeno, o que reduz a frouxidão da pele e suaviza cicatrizes e rítides.
Fibroblastos e capilares recém-formados migram através do tecido perfurado da área a ser tratada. O processo resulta na formação de novo tecido que "preenche" a cicatriz atrófica, bem como induz a repigmentação através da melhora do suprimento sanguíneo. O microagulhamento resulta, portanto, em neocolagênese e neoangiogênese. O remodelamento tissular persiste por meses após o procedimento.2,3,6
Há estudos que demonstram a ação benéfica da aplicação tópica de fatores de crescimento, tais como o EGF (fator de crescimento epidermal), o IGF (fator de crescimento insulínico) e o TGFb3 (fator de crescimento transformador), contribuindo para a formação de tecido de granulação, diminuição da pigmentação da pele em decorrência do processo inflamatório e maturação do colágeno.7,8
Tratamentos prévios com a técnica de microagulhamento no tratamento de cicatrizes de acne demonstraram sua eficácia.1-6 As vantagens do microagulhamento são: rápida execução, baixo custo e fácil abordagem em áreas de difícil acesso.
O objetivo deste estudo prospectivo e unicêntrico, foi avaliar a melhora das cicatrizes atróficas de acne na face após tratamento com a técnica de microagulhamento, seguida da aplicação tópica de gel contendo fatores de crescimento.
O estudo foi aprovado pelo Centro de Estudo e Pesquisa (CEP) no Hospital Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, tendo os pacientes preenchido o termo de consentimento livre e esclarecido. Decorreu no período entre janeiro de 2012 e dezembro de 2014. Foram selecionados 10 pacientes (seis mulheres e quatro homens), com idades entre 20 e 40 anos, que procuraram o ambulatório de dermatologia desse hospital e que atendiam aos critérios do estudo. Todos eram portadores de cicatrizes de acne atróficas de grau moderado a grave na face e realizaram três sessões, com intervalos variáveis de um a dois meses. O seguimento dos pacientes foi de um ano.
A avaliação foi feita através de estudo anatomopatológico de amostras de pele tratada e fotografias digitais.
As biópsias foram colhidas antes do início do tratamento e 30 dias após a última sessão. As amostras foram coradas pela Hematoxilina-eosina e Picrossirius para avaliação de fibras colágenas.
Os pacientes foram fotografados prévia e posteriormente aos procedimentos com câmera digital comum e câmera digital com sistema Antera 3D®, Miravex, Dublin, Ireland) que propicia a análise tridimensional da pele através da imagem capturada de quatro elementos: cor, relevo, melanina e hemoglobina, permitindo comparações pré e pós-tratamento.
Esse sistema analisa as variáveis acima listadas exatamente do mesmo local, antes e depois do tratamento, gerando relatório através de gráficos. Levando-se em consideração, por exemplo a melanina, pelo gráfico é possível avaliar:
(1) average value (valor médio) - concentração de melanina na área selecionada;
(2) melanin variation (variação de melanina) - distribuição do pigmento na área selecionada. Quanto menor a variação, mais homogênea é a distribuição da melanina da área;
(3) relative variation (variação relativa de melanina na área selecionada) - divide os valores de (1) pelos do gráfico 2, relativizando a distribuição do pigmento na área selecionada, independentemente do fototipo.
Após limpeza da face, foi aplicado anestésico tópico Dermomax® (Laboratório Aché, São Paulo Brasil), que permaneceu na pele durante 60 minutos. Alguns pacientes necessitaram de bloqueios anestésicos com lidocaína. Após a remoção do anestésico iniciou-se o procedimento de microagulhamento com o dispositivo Dr Roller®, (MTO, Porto Alegre, RS, Brasil) estéril contendo 192 agulhas de 2mm, sendo seu rolamento dirigido nas posições horizontal, vertical e oblíquas, como que buscando o formato da rosa dos ventos, com repetições de dez vezes em cada direção. Durante o procedimento, ocorreu porejamento mínimo de sangue, que desapareceu após a limpeza com solução fisiológica estéril, restando eritema e edema. Logo após, aplicou-se uma máscara (Farmácia de manipulação Dermogral, Porto Alegre, RS, Brasil) contendo a seguinte fórmula no quadro 1.
O objetivo do uso de tais ativos veiculados em forma de máscara, constituindo uma forma de drug delivery após o microagulhamento, foi aumentar a hidratação, estimular fibroblastos, melhorar a cicatrização e provocar ação anti-inflamatória.
Pós-operatório
Todos os pacientes puderam voltar a suas atividades normais no dia seguinte ao procedimento. Imediatamente após o tratamento, a pele apresentou edema e eritema, que desaparecem rapidamente. Não houve queixa de dor no pós-operatório. Foi fornecido filtro solar físico FPS 30 para aplicação nos dias subsequentes.
Oito pacientes finalizaram o estudo. Observou-se pela análise fotográfica melhora global do aspecto da pele e melhora discreta das cicatrizes atróficas distensíveis. As cicatrizes atróficas do tipo ice picks (não distensíveis) não apresentaram melhora com o procedimento. As fotos comparativas (Figura 1) demonstram a melhora de paciente portador de cicatrizes deprimidas distensíveis.
Sistema Anthera
Sete pacientes apresentaram redução do relevo das cicatrizes na área analisada (Figura 2), sete apresentaram redução da melanina com homogenização de sua distribuição na pele (Figura 3), e sete apresentaram aumento de hemoglobina na área estudada (Figura 4), tendo variado a apresentação entre os oito selecionados.
A análise das fotografias pelo Sistema Anthera3D mostrou melhora da textura da pele, pequena redução da concentração de melanina e aumento na concentração de hemoglobina nas áreas selecionadas (Gráficos 1 a 3)
Exame anatomopatológico
A avaliação anatomopatológica foi realizada em dez casos antes e oito casos após o tratamento.
Os achados histológicos encontram-se descritos na tabela 1, tendo sido avaliados os seguintes quesitos antes e após o microagulhamento: fibrose perianexial, fibrose cicatricial (com colágeno horizontalizado), infiltrado perivascular, edema perivascular, presença de colágeno espessado na derme profunda na coloração de picrossírius e afinamento da epiderme após o tratamento.
Aust e cols.,4 em estudo que analisou 480 pacientes submetidos à TIPC, visando melhorar cicatrizes e rugas, identificaram aumento do colágeno no exame anatomopatológico dos pacientes após a aplicação do tratamento, sendo as amostras submetidas à coloração de Van Gieson, específica para colágeno.
Fernandes e cols.,6 em estudo que mostrou a melhora do fotodano com a indução da produção do colágeno pela TIPC, identificaram ausência de afinamento da epiderme após a aplicação desse tratamento. Essa constatação parece ser um avanço em relação aos demais tratamentos que, em sua maioria, promovem afinamento da epiderme já que são mais invasivos e rompem mais a membrana basal.
Emerson Vasconcelos e cols.,9 em estudo experimental, estabeleceram a relação do comprimento das agulhas dos cilindros utilizados no procedimento de microagulhamento com a profundidade do dano. O exame microscópico imediatamente após o procedimento revelou ectasia vascular e extravasamento de hemácias, acometendo a derme papilar com agulhas de 0,5mm de comprimento, e atingindo a derme reticular, com as de 2,5mm. Dessa forma, o microagulhamento pode ter um amplo espectro de indicações clínicas, dependendo da profundidade atingida.
Em nosso estudo, após a realização da coloração de Picrossírius, também específica para identificar o colágeno, não foi encontrada diferença em sua produção, achado esse pesquisado na derme profunda, que é a topografia da pele em que o tratamento atinge seu efeito máximo. Nos casos submetidos à biópsia antes do tratamento, identificou-se colágeno espessado (Picrossírius) em cinco deles; nos casos submetidos à biópsia após o tratamento, identificou-se colágeno mais espesso em seis deles. Observou-se que o Picrossírius também salientou mais o colágeno nos casos em que se identificava mais fibrose secundária às cicatrizes de acne, na coloração de hematoxilina e eosina (HE). Não houve diferença também no infiltrado linfocitário, no edema nem na espessura da epiderme antes e após o tratamento, resultados esses que podem ser explicados pelo pequeno tamanho da amostra que foi avaliada. Identificouse, ainda, que, em alguns casos, a epiderme mostrou afinamento e achatamento dos cones interpapilares após a TIPC, achado esse diverso ao da literatura.
Os pacientes envolvidos obtiveram melhora global da textura da pele e melhora discreta das cicatrizes atróficas, corroborando o achado encontrado no estudo conduzido por Imran Majid,5 no qual 36 dos 37 pacientes mostraram resposta semelhante com a TIPC.
Acreditamos que o aumento da hemoglobina visualizada pelo sistema Anthera seja devido ao aumento da vascularização promovido pela injúria tecidual inicial, que se perpetua ao longo do tempo e propicia a neocolagênese.
As cicatrizes atróficas do tipo ice picks não apresentaram melhora com o procedimento.
A análise clínica a longo prazo, acompanhada de estudo anamotopatológico, poderia demonstrar os efeitos tardios desse procedimento nas cicatrizes de acne.
1. Percutaneous Collagen Induction with Dermaroller TM for Management of Atrophic Acne Scars in 31 Thai Patients. Asian Journal of Aesthetic Medicine. 2009;2(1):1-13.
2. Leheta T, Tawdy A. Percutaneous Collagen Induction Versus Full-Concentration Trichloroacetic Acid in the Treatment of Atrophic Acne Scars. Dermatol Surg. 2011;37(2):207-16.
3. Liebl H, Kloth LC. Skin Cell Proliferation stimulated by microneedles. J Am Coll Wound Spec. 2012;4(1):2-6.
4. Aust M, Fernandes D, Kolokythas P, Kaplan HM, Vogt PM. Percutaneous Collagen Induction Therapy: an alternative Treatment for Scars, Wrinkles, and Skin Laxity. Plast Reconstr Surg. 2008;121(4):1421-9.
5. Majid I. Microneeddling therapy in Atrophic facial scars: an objective assessment. J Cutan Aesthet Surg. 2009;21(1):26-30.
6. Fernandes D, Signorini M. Combating photoaging with percutaneous collagen induction. Clin Dermatol. 2008;26(2):192-9.
7. Spyrou GE, Naylor IL. The Effect of Basic Fibroblast Growth Factor on Scarring. Br J Plast Surg. 2002;55(4):275-82.
8. Akita S, Akino K, Imaizumi T, Hirano A. Basic Fibroblast Growth Factor Accelerates and Improves Second-Degree Burn Wound Healing. Wound Repair Regen. 2008;16(5):635-41.
9. Lima EVA, Lima MA, Takano D. Microagulhamento: estudo experimental e classificação da injúria provocada. Surg Cosmet Dermatol. 2013;5(2):110¬4.
Trabalho realizado na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil.