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Relato de casos

Espiroadenoma écrino - relato de caso

Rodolfo Chedid1; Janaina Nagel2; Taynara de Mattos Barreto3; Glaura Tinoco Plata4; Anna Luiza Bento Dutra3; Thales Pereira de Azevedo3,1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201572387

Data de recebimento: 26/08/2015
Data de aprovação: 13/05/2015
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

Resumo: Espiroadenoma écrino é rara neoplasia epitelial benigna de anexos cutâneos, que se caracteriza por nódulo róseo-azulado solitário de crescimento insidioso, cursando com crises dolorosas paroxísticas em adultos jovens. Localiza-se preferencialmente no tronco e extremidades. Sangramento e/ou ulceração são comuns na variante gigante vascular, caracterizando- se por diâmetro superior a 2cm e alta vascularização na histopatologia. Suas características clínicas são inespecíficas e requerem biópsia com análise histopatológica para diagnosticá-lo. Na histopatologia apresentam-se um ou mais lóbulos intradérmicos basofílicos envoltos em cápsula fibrosa sem conexão com epiderme e apresentam dois tipos de células: uma pequena, de núcleo escuro, na periferia; e outra grande, de núcleo claro, no centro. Seu diagnóstico acurado é importante, pois pode evoluir para malignidade potencialmente fatal, o que, entretanto, é fenômeno raro e ocorre mais frequentemente na variante múltipla. Aqui reportaremos uma rara apresentação de espiroadenoma écrino no abdômen e com sangramento associado, e discutiremos suas possíveis abordagens.

Keywords: ESPIROADENOMA ÉCRINO, NEOPLASIA EPITELIAL BENIGNA, GLÂNDULAS SEBÁCEAS


INTRODUÇÃO

O espiroadenoma écrino é tumor benigno das glândulas sudoríparas. Foi descrito em 1956 por Kersting e Helwig como nódulo usualmente solitário, intradérmico, com crises dolorosas paroxísticas, que ocorre principalmente em pessoas entre 15 e 35 anos, e preferencialmente no tórax e na face.1-3 O tumor é usualmente coberto por epiderme de cor normal ou azulada, e sua localização característica é a derme superficial ou profunda, podendo, ocasionalmente, estar no tecido subcutâneo. Apesar de tórax e face serem as localizações mais comuns, o tumor pode ocorrer em qualquer parte do corpo.1 São tumores de longa história clínica e crescimento lento.4 A malignização do espiroadenoma é rara, mas pode ocorrer.5

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 82 anos, procurou atendimento por lesão no abdômen com cerca de um ano de evolução, apresentando sangramento intermitente no último mês. Ao exame, encontrou-se nódulo eritematoso de consistência endurecida, não aderido aos planos profundos. (Figuras 1 e 2)

As hipóteses diagnósticas iniciais foram de sarcoma, melanoma amelanótico, linfoma de células B e metástase cutânea.

Foi realizada biópsia incisional, que mostrou proliferação difusa de células monomórficas ovoides, por vezes com aspecto basaloide, arranjadas em lóbulos septados por feixes hialinizados, compatível com espiroadenoma écrino. Foi sugerida pelo patologista a retirada de toda a lesão (Figuras 3 a 5), bem como novo exame histopatológico. Foi realizada a retirada de toda a lesão em ambiente hospitalar, pelo cirurgião plástico, e feito exame histopatológico que revelou neoplasia anexial benigna constituída por blocos celulares sólidos dispostos na derme, sem conexão com a epiderme (Figura 6). Os blocos neoplásicos revelaram células epiteliais pequenas com núcleo hipercromático e células epiteliais maiores com citoplasma pálido em torno das estruturas ductais luminais (Figura 7).

 

DISCUSSÃO

O espiroadenoma écrino é tumor benigno incomum, que surge do aparato glandular sudoríparo e é um dos nove tumores de pele dolorosos, sendo os outros: leiomioma, neuroma, dermatofibroma, angiolipoma, neurilemoma, endometrioma, tumor glômico e tumor de células granulosas.6

O tumor ocorre tanto como lesão solitária (em 97% dos casos e que pode chegar a 5cm de diâmetro) ou em múltiplas lesões, que, em alguns casos, se apresentam em distribuição linear ou zosteriforme.1,6,7 As lesões são tipicamente pequenas, bem definidas e inseridas nas glândulas sudoríparas normais.1

A etiologia exata do tumor é incerta. O espiroadenoma écrino nunca foi observado na pele glabra e apresenta-se como neoplasia benigna anexial pouco ou nada diferenciada, historicamente designada como proveniente da linhagem écrina. Entretanto, sabe-se que o tumor costuma ocorrer juntamente com outras neoplasias anexiais cutâneas, tais como: cilindroma, tricoepitelioma e tricoblastoma, o que fala a favor do desenvolvimento de uma linhagem folículo-sebáceo-apócrina em vez de diferenciação écrina. Além disso, se o tumor fosse verdadeiramente écrino, a localização nas palmas das mãos ou solas dos pés seria frequente em vez de nunca vista.7

A principal característica clínica é a presença de dor ou sensibilidade em cerca de 91% dos pacientes, que ocorre normalmente de forma paroxística. Acredita-se que a dor esteja relacionada a pequenos axônios desmielinizados que permeiam o manto estromal hialinizado. Em 1996, Crinton e Aravindan propuseram que a dor poderia estar relacionada à contração de células mioepiteliais no tumor, mas a microscopia eletrônica não provou a existência dessas células. Diversos estudos demonstraram a expressão do marcador imuno-histoquímico S-100 no tumor, o que sugere relação com tecido neural, uma vez que a proteína S-100 está geralmente presente em células derivadas da crista neural, além de condrócitos, adipócitos, células mioepiteliais, macrófagos, células de Langerhans, células dendríticas e ceratinócitos. Devido a essa presença da proteína, em diversas linhagens de células, é que não é possível estabelecer com certeza a relação com o tecido neural. Entretanto, outro estudo demonstrou a presença de células de Langerhans expandindo processos finos e irregulares dispersos entre as células tumorais no nódulo. No estudo de um caso realizado por Park et al.,6 a amostra foi positiva para S-100 somente na cápsula tumoral, que foi a exata posição de fibras nervosas desorganizadas e engrossadas. O grupo ainda confirmou a presença de elemento neural com a positividade de um marcador de axônio.6

Os diagnósticos diferenciais do tumor devem incluir as outras causas de neoplasias dolorosas e também: carcinoma anaplásico, adenocarcinoma, carcinoma espinocelular e basocelular e outras neoplasias anexiais, como os cilindromas; além de tumores mesenquimais.1,7

O espiroadenoma écrino maligno pode ser suspeitado quando há o surgimento de dor que não existia, aumento da sensibilidade, mudança de cor, crescimento rápido ou ulceração de uma lesão que permaneceu estável por longo tempo. A suspeita de malignização deve ser bem avaliada, pois o tumor maligno é agressivo com mortalidade variável entre 20 e 39%, e seus principais locais de metástase são linfonodos, ossos, pulmões e cérebro.1,4

A suspeita clínica é útil, mas não é suficiente para fechar o diagnóstico. O diagnóstico definitivo virá através da histopatologia de biópsia de pele. A citologia de um aspirado por agulha fina também pode confirmar o diagnóstico.7 No exame histopatológico, são vistos em menor aumento lóbulos basofílicos, devido aos núcleos densos das células tumorais. Em maior aumento, são vistas células basaloides compreendendo duas morfologias distintas: na primeira, a célula é maior, mais clara e com núcleo ovoide; na segunda, a célula é menor, mais escura e com núcleo hipercromático compacto.5,7

O tratamento é essencialmente cirúrgico, sendo as opções comuns a cirurgia convencional ou a técnica de Mohs, com taxas pequenas de recorrência, sendo, portanto, a melhor opção de tratamento em relação a evitar a transformação maligna.7

 

CONCLUSÃO

Este artigo relata o achado de um espiroadenoma écrino benigno, tumor de glândulas sudoríparas, cuja etiologia ainda não é bem definida. O espiroadenoma écrino é tumor raro, que pode apresentar-se de diversas formas clínicas. Seu diagnóstico é fundamental devido ao potencial de transformação maligna dessas lesões, especialmente em casos de lesões múltiplas ou sintomáticas. O espiroadenoma écrino maligno pode ser letal se não diagnosticado e tratado, e um alto índice de suspeita é necessário em qualquer lesão benigna, que mude rapidamente suas características, ou seja, consistente com doença de longa data. Relatos de caso como esse são importantes para manter elevada a suspeição quanto ao diagnóstico dessa rara condição e ajudar a guiar conduta adequada.

 

Referências

1. Yesilkaya Y, Demirbas B, Gokoz O, Akata D. Eccrine Spiradenoma of the Thigh: Sonographic findings and review of the literature. J Diagn Med Sonogr. 2012;28(6):311-313.

2. Hashimoto K, Gross BG, Nelson RG, Lever WF. Eccrine Spiradenoma: Histochemical and electron microscopic studies. J Invest Dermatol. 1966;46(4):347-65.

3. Azulay RD, Azulay DR, Azulay-Abulafia L. Dermatologia. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p.554.

4. Berçin S, Kutluhan A, Metin A, Süren D. Malignant eccrine spiradenoma on the lateral margin of nose as an infrequent localization. Indian J Dermatol. 2009;54(2):173-175.

5. Storm CA, Seykora JT. Cutaneous Adnexal Neoplasms. Am J Clin Pathol. 2002;118(Suppl):S33-49.

6. Park HR, Im SB, Kim HK, Shin DS, Park YL. Painful Eccrine Spiradenoma Containing Nerve Fibers: A Case Report. Dermatology. 2012;224(4):301-6.

7. Englander L, Emer JJ, McClain D, Amin B, Turner RB. A Rare case of multiple segmental eccrine spiradenomas. J Clin Aesthet Dermatol. 2011;4(4):38-44.

 

Trabalho realizado em clínica privada - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


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