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Relato de casos

Retalho em ilha tunelizado após exérese de carcinoma na face

Alexandre Sabino Sisnando1; Luana Oliveira Ramos2; Fabio Francesconi3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201572629

Data de recebimento: 07/03/2015
Data de aprovação: 23/05/2015
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Os carcinomas da face são lesões prevalentes, com repercussões potencialmente graves do ponto de vista estético, psicológico e funcional. A reconstrução cirúrgica na face demanda apurada execução da técnica adequada a cada situação. Dentre as diversas modalidades reconstrutivas, incluem-se os retalhos cutâneos, destacando-se o retalho em ilha e suas variantes. Este artigo demonstra o emprego do retalho em ilha transferido ao defeito cirúrgico através de túnel criado no subcutâneo. A reconstrução com retalho em ilha tunelizado apresentou bons resultados estéticos e funcionais apesar de as lesões estarem em locais de difícil correção. Esse tipo de retalho constitui boa opção para esse tipo de lesões.

Keywords: CARCINOMA BASOCELULAR; PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS AMBULATÓRIOS; RETALHO PERFURANTE


INTRODUÇÃO

O retalho em ilha apresenta duas características fundamentais: a pele doadora é uma ilha, destacada em todos os lados da epiderme e derme circunjacentes; um pedículo subcutâneo é mantido, garantindo a vascularização e permitindo certa mobilidade para uma área receptora próxima. As variações desse tipo de retalho dependem do desenho da ilha e da forma de transferência para a área receptora: ilha triangular tradicional com avanço V-Y, único ou duplo (bipediculado); ilha de tamanho e forma iguais ao defeito, transferida por transposição (a pele entre as áreas doadora e receptora é excisada) ou interpolação (é deixado um pedículo entre a área doadora e a receptora, com posterior remoção num segundo momento cirúrgico); e o retalho em que a ilha, cujo desenho corresponde em tamanho e forma ao defeito cirúrgico, é transferida através de um túnel criado na porção superior do subcutâneo.1 Esta última variação pode ser considerada um tipo de interpolação já que a pele entre os defeitos primário e secundário não é excisada.

Este artigo relata dois casos de carcinoma basocelular (CBC) em regiões faciais de difícil reconstrução em que se utilizou a técnica do retalho em ilha tunelizado, objetivando demonstrar a aplicação, características e possíveis complicações do método.

 

CASO 1

Mulher de 57 anos apresentou na consulta carcinoma basocelular (CBC) de forma circular, com bordas boceladas e peroladas, no canto medial da pálpebra superior esquerda (Figura 1A). Foi submetida a exérese que resultou em defeito cirúrgico de 10mm de diâmetro. Um retalho de avanço não seria boa opção, pois distorceria a anatomia da região. Optou-se, então, por área doadora não contígua, da região da glabela.2 Para a confecção do retalho, foi elaborado um desenho de formato e tamanho semelhantes aos do defeito, mas em forma de fuso para facilitar o fechamento (Figura 1B). Fez-se a dissecção da área doadora, deixando-se o pedículo subcutâneo para nutrir o retalho. Na pele sã existente entre os defeitos cirúrgicos primário e secundário, foi criado um túnel no subcutâneo com técnica de dissecção romba (Figura 2A). Em seguida, o retalho cutâneo em ilha, juntamente com o pedículo, foram conduzidos através do túnel utilizando-se um gancho (que pode ser improvisado com seringa pequena e agulha 25x7 cuidadosamente dobrada na ponta, como no caso) (Figura 2B). Posicionado no defeito, o retalho foi suturado com fio de náilon 5.0 com pontos interrompidos. O pós-operatório transcorreu com edema local importante, o que é comum nesses casos, e que pode ser minimizado com a recomendação de compressas geladas durante 20 minutos, várias vezes ao dia. Não houve infecção ou necrose (Figura 2C). O resultado foi satisfatório, com ausência do efeito trapdoor (almofada),3 mas com discreto abaulamento da pele entre as áreas doadora e receptora (Figura 3). O controle histológico pós-operatório da peça cirúrgica revelou margens livres.

 

CASO 2

Paciente do sexo feminino, de 86 anos, com CBC pigmentado e ulcerado centralmente no lábio superior avançando para a narina direita, medindo cerca de 9mm no maior diâmetro. Após exérese com margem de 4mm, observouse defeito de difícil correção quanto ao aspecto funcional (Figura 4). Optou-se por um retalho de interpolação tunelizado, em que o desenho em fuso da ilha no sulco nasolabial permitiu que a sutura do defeito secundário ficasse posicionada no sulco, proporcionando cicatriz de bom aspecto estético (Figura 5). Para a reconstrução da base da columela, foi feita uma pequena ilha com transposição tradicional objetivando-se distribuir a tensão e facilitar o posicionamento do retalho tunelizado, tracionado com o seu pedículo até o defeito usando-se náilon 5.0, fio também usado para a sutura (Figura 5). O pós-operatório transcorreu sem complicações (Figura 6). O resultado foi funcional e esteticamente satisfatório, observando-se o tradicional defeito trapdoor na ilha3 (base da columela), mas não na ilha tunelizada (Figura 7).

 

DISCUSSÃO

O CBC é o câncer cutâneo mais prevalente no ser humano. Entretanto, devido a seu baixo poder metastatizante, é geralmente curável com a exérese em um único tempo cirúrgico.4

A ilha tunelizada é retalho de padrão randomizado, cujo suprimento sanguíneo depende do plexo vascular da derme profunda e subcutâneo.5 Tem a vantagem de levar para o defeito cirúrgico pele com características iguais às da pele da área, mas não contígua à lesão, preservando a anatomia local.6 A transferência por túnel subcutâneo evita a incisão da pele entre a área doadora e a receptora e permite que o retalho seja conduzido de uma área não contígua1, respeitando as características locais e conferindo bom resultado cosmético.7

No caso da paciente 1, a interpolação tunelizada da ilha permitiu não distorcer a região do supercílio, já que o defeito primário situava-se na pálpebra superior. Entretanto, um efeito indesejável desse procedimento é que o retalho, no momento da transferência subcutânea, adiciona material sob a pele e ocasiona elevação na área através da qual o túnel foi criado.1 Isso ocorreu no primeiro caso relatado. Se a lesão estivesse localizada na região nasociliar,2 uma transposição tradicional da ilha poderia ser a melhor opção, produzindo no entanto, defeito secundário na região da glabela.8

No caso 2, pelo fato de a lesão localizar-se no lábio superior, a reconstrução visa à preservação da anatomia pelo aspecto funcional e estético, exigindo elevada atenção quanto ao posicionamento do vermelhão e da linha de transição entre pele e semimucosa, mantendo o contorno labial, a posição do filtrum e a simetria bilateral em relação aos sulcos nasolabiais.9 Entre as diversas técnicas disponíveis para reconstrução dessa região, o retalho em ilha se mostra boa opção por possibilitar pouca distorção da anatomia com baixa retração cicatricial e, ainda, pela facilidade de posicionar a sutura do defeito secundário no sulco nasolabial, redundando em bom resultado cosmético.

 

CONCLUSÃO

O retalho em ilha com interpolação por túnel subcutâneo é recurso muito útil no reparo de certos defeitos cirúrgicos após exérese de carcinomas na face, especialmente quando se consegue deixar a cicatriz do defeito secundário cosmeticamente aceitável - num sulco natural da pele ou numa área de aparecimento comum de rítides - e quando se busca conformidade entre o retalho e a pele ao redor do defeito primário. l

 

Referências

1. Kimyai-Asadi A, Goldberg LH. Island pedicle flap. Dermatol Clin. 2005;23:113-27.

2. Tamura BM. Topografia facial das áreas de injeção de preenchedores e seus riscos. Surg Cosmet Dermatol. 2013;5(3):234-8.

3. Li JH, Xing X, Liu HY, Li P, Xu J. Subcutaneous Island Pedicle Flap - Variations and Versatility for Facial Reconstruction. Ann Plast Surg. 2006;57(3):255-9.

4. Morselli P, Zollino I, Pinto V, Brunelli G, Carinci F. Evaluation of clinical prognostic factors in T1 N0 M0 head and neck basal cell carcinoma. J Craniofac Surg. 2009;20(1):98-100.

5. Wang SQ, Goldberg LH, Kimyai-Asadi A. Tunneled Island Pedicle Flap for an Earlobe Defect. Dermatol Surg. 2007;33(7):835-7.

6. Mahlberg MJ. Tunneled Melolabial Pedicle Flap for Small but Deep Lateral Alar Rim Defect. Dermatol Surg. 2013;39(10):1527-9.

7. Pontello Júnior R, Kondo RN, Pontello R. A utilização do retalho A-T para reconstrução de ferida operatória no dorso da mão. Surg Cosmet Dermatol. 2013;5(3):270-2.

8. Campbell LB, Ramsey ML. Transposition island pedicle flaps in the reconstruction of nasal and perinasal defects. J Am Acad Dermatol. 2008;58(3):434-6.

9. Lopes Filho LL, Lopes LRS, Villa Neto AB, Costa TS. Carcinoma basocelular no lábio superior: tratamento cirúrgico e reconstrução com retalho de transposição. Surg Cosmet Dermatol. 2011;3(3):243-5.

 

Trabalho realizado em pacientes operados na Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (FCECON), hospital conveniado para suporte dos serviços de residência médica da Fundação de Medicina Tropical Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD) e do Hospital Getúlio Vargas (HUGV) - Manaus (AM), Brasil.


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