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Relato de casos

Melanoma Desmoplásico - um desafio diagnóstico

Flávia Regina Ferreira1; Bruna Ferrari2; Livia Mendes Sabia Acedo3; Juliana Emi Dias Ujihara4; Marcia Lanzoni de Alvarenga Lira5; Samuel Henrique Mandelbaum6

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201572560

Data de recebimento: 22/07/2014
Data de aprovação: 22/02/2015
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

O melanoma desmoplásico é variante rara, caracterizada por lesão invasiva de células fusiformes e graus variáveis de desmoplasia. Mais frequente em homens, com idade avançada e história de exposição solar crônica. A apresentação clínica extremamente variável e inespecífica, torna-o diagnóstico desafiador. Apresentamos caso exuberante de melanoma desmoplásico, em localização pouco comum e com hipótese diagnóstica inicial de dermatofibrossarcoma.

Keywords: MELANOMA; DIAGNÓSTICO; HISTOLOGIA; IMUNO-HISTOQUÍMICA


INTRODUÇÃO

O melanoma cutâneo é tumor maligno decorrente da transformação do melanócito, localizado na junção dermoepidérmica da pele, em melanócito atípico. Expressa uma variedade de fenótipos com diferentes características clínicas e citopatológicas, como o extensivo superficial, o nodular, o lentiginoso acral e o lentigo maligno, que são os mais clássicos, e o desmoplásico, o spitzoide e o amelanótico, que são os mais incomuns.1-3

O melanoma desmoplásico (MD) é variante rara, caracterizada por proliferação invasiva de células fusiformes na derme e graus variáveis de deposição estromal de colágeno (desmoplasia).1-3 Mais frequente em indivíduos do sexo masculino, com idade avançada (média de 66 anos) e história de exposição solar crônica, o que pode explicar a predileção por áreas fotoexpostas, notadamente cabeça e pescoço (53,2%).2-4

A apresentação clínica extremamente variável e inespecífica, torna-o diagnóstico desafiador. Relatamos caso exuberante de melanoma desmoplásico, de aspecto atípico e localização pouco comum, e com hipótese diagnóstica inicial de dermatofibrossarcoma.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 83 anos, branco, lavrador, procurou atendimento médico com queixa de "ferida" no dorso há oito meses (Figuras 1 e 2). Ao exame dermatológico apresentava na região lombar esquerda tumoração eritematosa, de consistência firme e superfície brilhante e lobulada, medindo cerca de 15cm em seu maior eixo. Referia início como uma pequena pápula crostosa que evoluiu com crescimento rápido em duas semanas. Ausência de sintomas locais e linfonodos palpáveis.

Realizada hipótese diagnóstica de dermatofibrossarcoma protuberans procedemos à biópsia incisional em fuso. O exame anatomopatológico (figuras 3 e 4) demonstrou neoplasia fusocelular envolvendo a derme e hipoderme com pelo menos 4,7 mm de espessura. A partir deste laudo foi realizado estudo imunohistoquímico (figura 5) que evidenciou HMB-45 e Melan-A negativos,S-100 positivo e um índice proliferativo (Ki-67) positivo em 10-15% das células; compatível com diagnóstico de melanoma desmoplásico.

O paciente foi encaminhado ao setor de cirurgia oncológica, onde realizou exérese completa da lesão e novo exame anatomopatológico, que confirmou o diagnóstico de melanoma desmoplásico com Breslow de 14mm, Clark V, índice mitótico de uma mitose/mm, ausência de invasão vascular e perineural, e com margens cirúrgicas livres de comprometimento neoplásico. No momento o paciente encontra-se em acompanhamento com a dermatologia e a oncologia clínica.

 

DISCUSSÃO

Descrito pela primeira vez em 1971 por Conley et al., o melanoma desmoplásico (MD) constitui variante distinta e incomum, representando menos de 4% dos casos de melanomas cutâneos primários, com incidência de dois casos a cada um milhão de habitantes.1-4 Caracteriza-se por tumor fibroso de células fusiformes produtoras ou liberadoras de colágeno isoladas em densa matriz fibrosa, apresentando muitas vezes neurotropismo, padrão de crescimento semelhante ao do neuroma e diferenciação neural, descrito também como fenômeno de transformação neural.4 Diferentemente dos melanomas não desmoplásicos, apresenta maior tendência para o crescimento local e menor para metástase linfonodal.4,5

Por sua apresentação clínica extremamente variável e inespecífica, o MD representa verdadeiro desafio diagnóstico. Comumente se apresenta como nódulo, pápula ou placa, hipomelanótico ou amelanótico, de consistência firme, acometendo derme ou até subcutâneo, semelhante a outras lesões fibrosas, o que induz ao erro diagnóstico. A maior incidência de erros diagnósticos do MD se dá entre as patologias malignas com o carcinoma, o fibrossarcoma e o melanoma amelanótico. Entre as lesões de caráter benigno, aparecem a fibromatose, o dermatofibroma, o nevo melanocítico e as cicatrizes.3,4,6,7 A associação com proliferação melanocítica atípica intraepidérmica, como o lentigo maligno, recobrindo a lesão ou presente nas margens de ressecção, é relatada, facilitando seu reconhecimento e diagnóstico.2,3,6,7 Nesse relato, a apresentação clínica (tumoração lobulada) e a topografia (região lombar) incomuns, as grandes proporções da lesão (cerca de 15cm no maior eixo), bem como a suspeita inicial de dermatofibrossarcoma protuberans e não de MD, reforçam a grande variabilidade e inespecificidade clínica dessa variante de melanoma, justificando os possíveis erros diagnósticos.

A dermatoscopia tem seu uso limitado no MD devido à apresentação clínica variável, a seu aspecto amelanótico usual e à escassez de informações sobre suas características dermatoscópicas.1,4 Em 2008, Debarbieux et al. avaliaram seis pacientes com MD e apenas metade deles apresentava critérios dermatoscópicos positivos para lesão melanocítica.8 Algumas características preditivas de MD em caso de lesões amelanóticas são: a presença de sinais de regressão, como áreas de aspecto cicatricial e de pimenta salteada, e também padrões vasculares anormais (em serpentina, pontilhado e/ou salpicado) e áreas rosadas/vermelho-leitosas.1,4,8

Histologicamente, apresenta infiltrado de células fusiformes com atipia nuclear leve a acentuada, que invadem a derme e o tecido celular subcutâneo. Estão dispostos em variáveis padrões de desmoplasia, neurotropismo e diferenciação neural.3,4 A coloração por hematoxilina e eosina pode ser insuficiente para o diagnóstico, já que as células neoplásicas são quase sempre despigmentadas, sendo necessário o estudo imuno-histoquímico. Os marcadores S-100, enolase neurônioespecífica e vimentina são positivos em 95% dos casos, sendo a maioria dos MD negativa para HMB-45 e Melan A.3 Em estudo relativamente recente de uma série de 11 casos de MD, foi demonstrada marcação difusamente positiva em 100% deles com uso do WT1, um potencial marcador para esse tipo clínico.9 Muito comumente também podem estar presentes agregados intratumorais linfocitários densos, além de melanoma in situ.4

Ao diagnóstico, apresenta espessura média de 2,5 a 6,5mm, atingindo a derme reticular, sendo a maioria classificada como Clark IV-V,6 concorde com o encontrado no caso clínico em questão, porém este com a surpreendente espessura de 14mm.

Baseado no grau de desmoplasia, o MD foi classificado em dois subtipos histopatológicos: puro ou combinado. O puro relaciona-se com menor envolvimento linfonodal, curso clínico menos agressivo e mais de 90% de comprometimento desmoplásico, enquanto o subtipo combinado possui acometimento inferior a 90% de desmoplasia, foco tumoral densamente celular sem fibrose, com núcleos irregulares e com maior índice de mitoses.1,4

O papel do linfonodo sentinela no MD ainda não está bem definido, e seu uso rotineiro não é recomendado. Alguns autores defendem a importância de estagiar os casos com 1mm ou mais, enquanto outros evitam essa prática devido a sua menor tendência para metástase linfonodal. Outras indicações para a pesquisa do linfonodo sentinela seriam: o subtipo misto, a presença de neurotropismo, a ulceração e a alta taxa mitótica.2,10

Ressecção cirúrgica ampla e precoce é o tratamento de escolha. Em lesões de um a 2mm de espessura, recomenda-se margem de um a 2cm, enquanto em lesões com mais de 2mm, a margem é obrigatoriamente de 2cm. Radioterapia adjuvante tem demonstrado efeito benéfico nos casos de recorrência local, excisão com margens estreitas, tumores residuais e envolvimento neural. Metástases sistêmicas foram observadas em 7 a 44% dos MD sendo os órgãos mais acometidos o pulmão, o fígado e os ossos. Nesses casos, o Ipilimumabe e o Vemurafenib são opções terapêuticas, porém sua eficácia ainda não foi totalmente comprovada.1,4,6

Concluindo, a apresentação clinicopatológica incomum e as controvérsias no diagnóstico, estadiamento e tratamento do melanoma desmoplásico tornam-no diagnóstico desafiador tanto para dermatologistas como para dermatopatologistas. Estudos adicionais se fazem necessários para melhores conhecimento e manejo dessa variante.

 

Referências

1. Chen LL, Jaimes N, Barker CA, Busam KJ, Marghoob AA. Desmoplastic melanoma: A review. J Am Acad Dermatol. 2013;68(5):825-33.

2. Ashwin Alva K, Rajeshwara KV, Udaykumar. Desmoplastic Melanoma: A Diagnostic Dilemma. J Clin Diagn Res. 2013;7(6):1172-3.

3. Bastos-Junior CS, Piñeiro-Maceira JM, Moraes FMB. Melanoma desmoplásico associado a lesão lentiginosa intraepidérmica, com evolução de 10 anos: relato de caso e revisão bibliográfica. An Bras Dermatol. 2013;88(3):413-8.

4. Paschoal FM, Yamada VL, Enokihara MMSS, Filho CDSM. Melanoma Desmoplásico. Surg Cosmet Dermatol. 2012;4(1):1-7.

5. Conley J, Latterly R, Orr W. Desmoplastic malignant melanoma (a rare variant of spindle cell melanoma). Cancer. 1971;28(4):914-36.

6. Carlson JA, Dickersin GR, Sober AJ, Barnhill RL. Desmoplastic neurotropic melanoma: a clinicopathologic analysis of 28 cases. Cancer. 1995;75(2):478-94.

7. Egbert B, Kempson R, Sagebiel R. Desmoplastic malignant melanoma: a clinicohistopathologic study of 25 cases. Cancer. 1988;62(9):2033-41.

8. Debarbieux S, Ronger-Salve S, Dalle S, Balme B, Thomas L. Dermoscopy of desmoplastic melanoma: report of six cases. Br J Dermatol. 2008;159(2):360-3.

9. Wilsher M, Cheerala B. WT1 as a complementary marker of malignant melanoma: an immunohistochemical study of whole sections. Histopathology. 2007;51(5):605-10.

10. Pawlik TM, Ross MI, Prieto VG, Ballo MT, Johnson MM, Mansfield PF, et al. Assessment of the role of sentinel lymph node biopsy for primary cutaneous desmoplastic melanoma. Cancer. 2006;106(4):900-6.

 

Trabalho realizado no Hospital Universitário de Taubaté


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