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Relato de casos

Leiomiossarcoma cutâneo: relato de caso

Luciana Martins Rodrigues Salgado1; Livia de Vasconcelos Nasser Caetano2; Gabriela Moura de Paula3; Maria Auxiliadora de Paula Carneiro Cysneiros4; Luiz Fernando Fróes Fleury Junior5

Data de recebimento: 05/03/2015
Data de aprovação: 10/03/2015
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

O leiomiossarcoma cutâneo é neoplasia rara com tendência a recorrência e possibilidade de metástases. Relatamos o caso de paciente do sexo feminino, que estava sendo tratada com infiltrações de triancinolona em lesão de leiomissarcoma dérmico, erroneamente diagnosticado como queloide.


Keywords: LEIOMIOSSARCOMA; NEOPLASIAS CUTÂNEAS; QUELOIDE


INTRODUÇÃO

O leiomiossarcoma cutâneo (LMS) é neoplasia rara que corresponde a dois ou 3% dos sarcomas de partes moles.1 Parece ser derivado da musculatura lisa piloeretora (LMS dérmico) ou do músculo liso da parede vascular no subcutâneo (LMS subcutâneo),1-6 com comportamento biológico distinto. Acomete mais homens caucasianos nas quinta e sexta décadas de vida.2

A forma subcutânea se apresenta como abaulamento recoberto por pele normal e móvel sobre a lesão. Apresenta maior recorrência (até 70%) e risco de metástases.1

O LMS cutâneo primário (dérmico) tem comportamento relativamente indolente. A taxa de recorrência é de cerca de 30%,5 mas é ausente em algumas séries.2 Sua extensão até o subcutâneo acarreta maior risco de recorrência,1 apesar de o risco de metástase ser baixo2-4 e até controverso.3,5 Apresenta-se como tumoração de até 3cm,2,6 única, bem delimitada, lobulada, pedunculada ou umbilicada, de coloração variada, de eritematosa a acastanhada.5 Quando em nódulos agrupados, deve-se investigar presença de neoplasia primária extracutânea, principalmente retroperitoneal ou uterina.1 Pode haver dor à compressão, bem como exulceração e sangramento.1,5 Acomete principalmente áreas com grande densidade pilosa das coxas e região da cabeça e pescoço.1-2,6

A histologia mostra tumor de células de músculo liso, com proliferação de células fusiformes com núcleos alongados "em charuto", pleomorfismo e mitoses. A imuno-histoquímica identifica as células musculares lisas, sendo a actina de músculo liso, a desmina e a vimentina seus principais marcadores.1-6

Relata-se o caso de leiomiossarcoma por ser tumor raro em que houve atraso no tratamento por ausência de suspeita clínica anterior.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 49 anos, encaminhada por cirurgião plástico para avaliação de diagnóstico diferencial de lesão queloidiana após resposta não habitual à infiltração de corticosteroide.

Há seis anos houve início de lesão dolorosa de aspecto queloidiano na face lateral da perna direita. Foi submetida à exérese com três recorrências da lesão, sendo a última há três anos. Referia anatomopatológicos prévios com ausência de malignidade, mas não possuía os resultados. Após oito sessões de infiltração local mensal com triancinolona, evoluiu com eritema, piora da dor e alteração do aspecto da lesão. Ao exame clínico, apresentava tumoração de 4,5 x 4cm, eritematosa, de superfície irregular e exulceração no polo anterossuperior (Figura 1). A biópsia incisional evidenciou neoplasia bem diferenciada de células fusiformes (Figura 2-4) com imunohistoquímica positiva para actina de músculo liso, desmina e S100, e fracamente positiva para AE1/AE3. O diagnóstico foi compatível com leiomiossarcoma. A pesquisa laboratorial para detecção de possível foco primário de neoplasia foi negativa.

Foi realizada a exérese da lesão com margem de 1cm e profundidade com dissecção até a fáscia muscular. Optou-se por sutura em bolsa de tabaco para hemostasia e programação de reconstrução posterior. Após o histopatológico evidenciar margem profunda exígua, ampliou-se a dissecção até o plano muscular (Figura 5). Foi realizado enxerto de pele total no terceiro tempo cirúrgico. A paciente evoluiu sem complicações ou sinais de recorrência no período de observação (oito meses) e permanece em seguimento clínico (Figura 6).

 

DISCUSSÃO

O leiomiossarcoma cutâneo é neoplasia rara e se apresenta como tumoração de coloração, formato e tamanho variáveis, mais comum em homens.1-6 No caso relatado, a paciente é do sexo feminino, de fototipo IV, e a doença se apresentou em topografia diversa da habitual.

Por ter aspecto clínico inespecífico, o diagnóstico do leiomiossarcoma depende do exame anatomopatológico e da imuno-histoquímica. No caso relatado, a paciente havia iniciado tratamento por suspeita clínica de queloide, mas não apresentava lesão típica e, portanto, merecia investigação adicional, tendo em vista que vários tumores e até doenças infecciosas podem ter aspecto queloideano.

O benefício de exames de imagem para estadiamento pré-operatório/diagnóstico não é definido, e os resultados são frequentemente negativos.2 Apesar de não haver orientações precisas na literatura, optou-se, nesse caso, pela pesquisa para afastar outras neoplasias (retroperitoneal, uterina) ou metástases (linfonodal, pulmonar).

A exérese da lesão é o tratamento de escolha, sendo sugeridas margens de 1cm2 ou cirurgia micrográfica de Mohs (CMM).4 Terapia adjuvante com radioterapia é citada, principalmente para lesões com mais de 5cm, profundas ou com impossibilidade de ampliação de margens.2 O principal fator prognóstico é o status da margem cirúrgica,2-3 além das dimensões do tumor,1 extensão do comprometimento do subcutâneo1,6 e índice mitótico.1

Em nosso caso, procedeu-se à ampliação da cirurgia na profundidade, posto que a margem livre profunda apresentouse exígua. Optou-se por não fechar a ferida operatória no primeiro tempo e aguardar que o anatomopatológico mostrasse remoção completa da lesão antes da realização do enxerto. Essa técnica também é descrita por outros autores no tratamento do leiomiossarcoma e outros tumores.2

O tempo de seguimento da paciente após a cirurgia é ainda curto, mas ela segue em acompanhamento. A literatura não especifica se há algum tempo necessário de seguimento ou se deve ser ininterrupto, como se faz no serviço dos autores.

O presente caso ilustra a importância da consideração dos diagnósticos diferenciais em dermatologia. Apesar de o aspecto clínico ser suficiente em um grande número de casos, o exame anatomopatológico é decisivo para a identificação de dermatoses raras com condutas terapêuticas diversas. Em lesões de aspecto queloidiano, a ausência de trauma prévio, o histórico familiar e pessoal positivo e a presença de dor devem acionar o alerta.

 

Referências

1. Holst VA, Junkins-Hopkins JM, Elenitsas R. Cutaneous smooth muscle neoplasms: clinical features, histologic findings, and treatment options. J Am Acad Dermatol. 2002;46(4):477-90.

2. Deneve JL, Messina JL, Bui MM, Marzban SS, Letson GD, Cheong D, et al. Cutaneous leiomyosarcoma: treatment and outcomes with a standardized margin of resection. Cancer Control. 2013;20(4):307-12.

3. Hall BJ, Grossmann AH, Webber NP, Ward RA, Tripp SR, Rosenthal HG, et. al. Atypical intradermal smooth muscle neoplasms (formerly cutaneous leiomyosarcomas): case series, immunohistochemical profile and review of the literature. Appl Immunohistochem Mol Morphol. 2013;21(2):132-8.

4. Starling J 3rd, Coldiron BM. Mohs micrographic surgery for the treatment of cutaneous leiomyosarcoma. J Am Acad Dermatol. 2011;64(6):1119-22.

5. Fleury LFF Jr, Sanches JA Jr. Sarcomas cutâneos primários. An Bras Dermatol. 2006;81(3):207-21.

6. Winchester D, Hocker TL, Brewer JD, Baum CL, Hochwalt PC, Arpey CJ, et al. Leiomyosarcoma of the skin: Clinical, histopathologic, and prognostic factors that influence outcomes. J Am Acad Dermatol. 2014;71(5):919-25

 

Trabalho realizado na Universidade Federal de Goiás (UFG) - Goiânia (GO), Brasil.


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