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Relato de casos

Implante de silicone líquido para tratamento estético: cursando com reações adversas tardias locais e sistêmicas

Carlos Augusto Zanardini Pereira1; Luiz Carlos Pereira2; Ivo Acir Chermicoski3; Margarete Iassuko Furusho4; Valéria Zanela Franzon4,5

Data de recebimento: 25/06/2014
Data de aprovação: 09/01/2015
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Desde a Antiguidade, o ser humano tem interesse em melhorar seu contorno corporal. O silicone líquido tem sido utilizado para esse fim, com o objetivo de melhorar deformidades. Apresentamos o caso de paciente portadora de paralisia do membro inferior direito, submetida a injeções de grandes volumes de silicone injetável no membro afetado para correção de seu contorno. Após 10 anos a paciente apresentou complicações locais decorrentes das injeções de silicone - lesões de esclerodermia localizada e nevo lipomatoso superficial de crescimento progressivo no membro afetado - e quadro clínico e laboratorial de artrite reumatoide. O silicone líquido injetável deve ser contraindicado como material para implante.


Keywords: COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS; NEOPLASIAS; SILICONES


INTRODUÇÃO

Entre 1960 e 1970, médicos e leigos em todo o mundo utilizaram injeções de óleo de silicone ou silicone industrial para aumentar mamas e melhorar o contorno corporal. Após período variável de três a 20 anos, muitos dos indivíduos que receberam tais injeções evoluíram com sérias complicações, desde a migração do produto causando siliconomas (reação de corpo estranho), doenças autoinflamatórias e até carcinomas, ocasionando o abandono dessa técnica e a suspensão do seu uso pelo Food and Drug Administration (EUA) e pela Dimed no Brasil.1

Em estudo retrospectivo realizado de 1960 a 1996, com mais de sete mil pacientes submetidos a implante mamário de silicone, observou-se a existência de provável risco do desenvolvimento de artrite reumatoide, lúpus eritematoso, esclerodermia ou síndrome de Sjögren.2

O nevo lipomatoso superficial da pele é anormalidade idiopática, sendo considerado variante de nevo do tecido conjuntivo. Caracteriza-se histologicamente pela presença de tecido adiposo maduro ectópico na derme. A variante mais rara é a de Hoffmann-Zurhelle, que consiste em lesões nodulares ou mamelonadas agrupadas em placas cerebriformes com arranjo segmentar. É geralmente congênita ou aparece nas primeiras três décadas de vida, tendo como localização principal a cintura pélvica e as nádegas.3

 

MÉTODOS

Descreve-se o caso de paciente de 50 anos de idade, do sexo feminino, branca, casada, com sequelas de poliomielite no membro inferior direito. Refere que fez implante de grande volume de silicone injetável em procedimentos realizados por médicos em 1994, no membro afetado para melhorar o contorno da coxa e da perna , devido a sequelas da poliomielite (Figura 1).

Aproximadamente 10 anos após a paciente foi atendida pela primeira vez na fundação Pró-Hansen, referindo complicações cutâneas que consistiam em endurecimento da pele do membro inferior direito, com a formação de placas eritematosas assintomáticas, caracterizando possivelmente quadro clínico de morfeia, e de uma placa verrucosa eritêmatopigmentada de crescimento progressivo na região glútea direita, medindo aproximadamente 15 x 25cm, que levou à suspeita diagnóstica de nevo lipomatoso (Figura 2). Na mesma ocasião, foi feito também diagnóstico clínico e laboratorial de artrite reumatoide. Segundo o relato da paciente, não havia histórico familiar dessa patologia.

Em 2011 a paciente compareceu à Fundação Pró-Hansen apresentando lesão ulcerada na perna direita após traumatismo sobre a placa endurecida, com difícil cicatrização. Foi realizado o desbridamento, a limpeza da ferida e a troca diária de curativos com pomada cicatrizante e antibioticoterapia sistêmica. A reepitelização completa ocorreu após quatro meses de tratamento, resultando em cicatriz deprimida e inestética (Figura 3). Foram então realizados exames laboratoriais, biópsias incisionais da placa endurecida e da lesão verrucosa, e ressonância magnética do membro inferior comprometido. A artrite reumatoide seguiu tratada com metotrexato 7,5mg/semana e paracetamol 1g/dia.

 

RESULTADOS

Histopatologia

Placas endurecidas: Derme e tecido adiposo difusamente infiltrados por gotículas de silicone de diferentes tamanhos, além da presença de silicone no interior dos macrófagos e alteração das fibras colágenas (Figura 4).

Lesão verrucosa: Epiderme adelgaçada, com grande acúmulo de células adiposas de tamanhos variados, compatível com diagnóstico histológico de nevo lipomatoso superficial (Figura 5).

Ressonância magnética: Atrofia de toda a musculatura, acentuado aumento volumétrico da coxa direita decorrente de edema e infiltração do subcutâneo. Notada acentuada alteração morfoestrutural e distorção arquitetural das partes moles da região glútea pela disseminação de silicone (siliconoma). Presença de derrame articular nos joelhos e articulações coxofemorais (Figura 6).

Exames laboratoriais: FAN (-), AntiRO (-), AntiLA (-), VHS 50mm/h, Fator reumatoide (+) 60UI/ml, hemograma (normal) e provas da função hepática (normais).

 

DISCUSSÃO

Almeida Jr, Gevehr e Pinto4 relataram um caso de nevo lipomatoso superficial de aparecimento tardio, sendo essa a única publicação até o momento com essa característica. A etiopatogenia no nevo lipomatoso superficial não é bem elucidada. Alguns autores sugerem que essa lesão seja originária de células precursoras de adipócitos, já que eles foram observados nas proximidades dos nevos, fato, entretanto, não confirmado pela microscopia eletrônica.

A paciente cujo caso relatamos também refere o aparecimento tardio da lesão, a partir dos 40 anos de idade.

Brotas et al.5 relataram caso de paciente do sexo feminino com 40 anos de idade que apresentou pápulas eritematosas coalescentes, formando placa de esclerodermia em toda a região glútea, dois anos após a aplicação de silicone líquido injetável na região.

Recentemente foi incorporada às 'siliconoses', termo relativo às diversas manifestações que ocorrem após a exposição ao silicone, uma síndrome intitulada Asia (síndrome autoimune/autoinflamatória induzida por adjuvantes). A patogênese dessa síndrome baseia-se na hipótese de que a exposição precoce a um adjuvante pode desencadear uma cadeia de eventos biológicos e imunológicos que, em indivíduo suscetível, pode conduzir ao desenvolvimento de doenças autoimunes. A hipótese para poder ligar os implantes mamários com o desenvolvimento de autoanticorpos foi a de uma ação adjuvante.6

O silicone pode migrar para regiões próximas ou até mesmo distantes do local de aplicação, sendo cada vez mais frequente a presença de granulomas na face anterior e posterior dos membros inferiores, resultantes da aplicação de substâncias para aumento de coxas e glúteos. O que causa a migração do produto é o grande volume aplicado em intervalos curtos, fato que permite que o silicone se desloque para sítios distantes através dos planos teciduais.7

No artigo publicado por Silva8 a paciente recebeu silicone líquido industrial injetável nas mamas, apresentando complicações 10 anos depois. Evoluiu com abcessos que levaram à mastectomia bilateral após 35 anos, por complicações pelo siliconoma.

Relatou-se ainda o caso de uma mulher que fez aplicação de silicone líquido injetável em região glútea em ambas as nádegas com aparecimento tardio de ulcerações de difícil resolução.9

Em nosso relato a úlcera de difícil cicatrização estava localizada sobre uma placa endurecida, infiltrada com silicone conforme o exame anatomopatológico.

Shvartsbeyn et al.10 publicaram o caso de mulher transexual de 35 anos de idade com massas bilaterais nas nádegas, que na avaliação histopatológica revelaram coleção de células com vacúolos citoplasmáticos contendo lipídios semelhantes a lipoblastos. Esse padrão pode ser clínica e histologicamente confundido com processos neoplásicos, particularmente quando esse efeito adverso do silicone industrial se desenvolve vários anos após a injeção.

Entre os fatores ambientais que comprometem o sistema imune estão os adjuvantes (silicone, alumínio, pristina e infeções, entre outros) podendo ser considerados "gatilhos" para desencadear doenças autoinflamatórias em humanos.6-11

A etiopatogenia da esclerodermia localizada (morfeia) pode ser explicada com a presença do silicone no organismo transformando-se em sílica ou silício e produzindo resposta autoimune com macrófagos que fagocitam o silício e liberam fatores humorais; estes, por sua vez, provocam a biossíntese de colágeno pelos fibroblastos que induzem alterações linfocitárias nas subpopulações CD2+, CD8+ y T-DR(+)11 (Figura 7).

 

CONCLUSÃO

Não foi relatado na literatura até o momento, paciente com sequelas de poliomielite que tenha realizado implante com silicone injetável para tentar melhorar a estética corporal, cursando com sérias complicações tardias dessa conduta. O silicone líquido injetável deve ser contraindicado como material para implante. É uma droga que traz complicações tardias quando injetado diretamente no tecido humano, podendo acarretar complicações locais e sistêmicas, interferindo no sistema imunológico e desenvolvendo doença autoimune. Devido à migração do líquido, podem ocorrer deformidades e prejuízo à cicatrização de feridas cutâneas. A etiologia do nevo lipomatoso não está bem esclarecida. Devido a sua raridade são necessários mais estudos, principalmente no que tange à sua possível correlação com o implante de silicone líquido.

 

AGRADECIMENTOS

Dr.Maurizio Pedrazzani, da X-Leme diagnóstico por imagem. Dra. Lismari A. F. Mesquita, dermatopatologista do Serviço de Dermatologia da Santa Casa de Curitiba. Dr. Samuel Regis de Araújo, patologista do Laboratório Master de anatomia patológica e citopatologia.

 

Referências

1. Freitas RJ, Cammarosano MA, Rossi RHP, Bozola AR. Injeção ilícita de silicone líquido: revisão de literatura a propósito de dois casos de necrose de mamas. Rev Soc Bras Cir Plast. 2008;23(1):53-7.

2. Brinton LA, Buckley LM, Dyorkina O, Lubin JH, Colton T, Murray MC, et al. Risk of Connective Tissue Disorders among Breast Implant Patients. Am J Epidemiol. 2004;160(7):619-27.

3. Morales AL, Zaballos PR, Concepción G, Matilde P, Carapeto FJ. Nevus lipomatoso cutáneo superficial (Hoffman-Zurhelle) / Nevus lipomatosus cutaneous superficialis (Hoffman-Zurhelle). Med Cután Ibero Lat Am. 2003;31(4): 233-7.

4. Almeida Jr HL, Gevehr D, Pinto IO. Nevo lipomatoso superficial de aparecimento tardio. An Bras Dermatol. 1999;74(6):601-3.

5. Brotas AM, Sousa TJE, Silva GCS, Motta ALSPG, Coelho ABA. Pseudovesiculação infiltração e esclerose cutânea: exuberância clínica do granuloma por silicone. RBM- Rev Bras Med. 2014;71(6):5-8.

6. Shoenfeld Y, Agmon-Levin N. 'ASIA' - Autoimmune/inflammatory syndrome induced by adjuvants. J Autoimmun. 2011;36(1):4-8.

7. Altmeyer MD, Anderson LL, Wang AR. Silicone Migration and granuloma formation. J Cosmet Dermatol. 2009;8(2):92-7.

8. Silva RF, Rios LR, Carvalho Garbi Novaes MR, Silva EL. Evolução de 45 anos de siliconoma de mama. Relato de caso. Com Ciências Saúde. 2011;22(3):271-6.

9. Herink C, Zwaka PA, Schön MP, Mempel M, Seitz CS. Serious complications following gluteal injection of silicone. Hautarzt. 2013;64(8):599-602. doi: 10.1007/s00105-013-2573-6. German

10. Shvartsbeyn M, Rapkiewicz A. Silicon-associated subcutaneous lesion presenting as a mass: a confounding histopathologic correlation. Hum Pathol. 2011;42(9):1364-7.

11. Panzarelli A, Gonçalves JC. Esclerodermia localizada (morfea) posterior a implante mamario. Dermatol Venez. 2012;50(2):50-3.

 

Trabalho realizado na Fundação Pró-Hansen - Curitiba (PR), Brasil.


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