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Relato de casos

Laser fracionado de CO2 para o tratamento de carcinoma espinocelular in situ da glande em paciente com hipospádia

Daniel Holanda Barroso1; Clarrissa Marques Maranhão1; Araken Almeira de Araújo2; Eliane Ruth Barbosa Alencar3; Emmanuel Rodrigues de França4; Silvana Maria de Morais Cavalcanti2

Data de recebimento: 25/01/2015
Data de aprovação: 11/03/2015
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

A eritroplasia de Queyrat é o carcinoma in situ da glande. Devido a sua localização peculiar, o tratamento cirúrgico pode ser mutilante. A vaporização com laser de CO2 é uma opção de tratamento com ótimos resultados cosméticos e funcionais, mas que exige acompanhamento regular devido à alta taxa de recorrência. Apresentamos um caso de eritroplasia de Queyrat tratada com laser fracionado de CO2, sem recidiva após acompanhamento de um ano.


Keywords: CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS; CARCINOMA IN SITU; COAGULAÇÃO POR LASER; DOENÇAS DO PÊNIS; LASERS; LASERS DE GÁS; PÊNIS; PREPÚCIO DO PÊNIS


INTRODUÇÃO

O tratamento tradicional do carcinoma espinocelular do pênis é a ressecção com margem de 2cm.1 Esse procedimento, entretanto, é considerado mutilante, e tratamentos conservadores são aceitos em lesões in situ.2 São referidos na literatura tratamentos com imiquimod, 5-fluoracil e laser.2

O laser de CO2 é absorvido pela água e produz a vaporização cutânea em profundidade previsível e independente da cor do tecido.3 Relatamos caso de paciente com eritroplasia de Queyrat tratado com laser fracionado de CO2.

 

RELATO DO CASO

Homem de 80 anos com hipospádia queixava-se de lesão avermelhada, na região periuretral, com crescimento progressivo há um ano. Ao exame observava-se placa eritematosa nas porções ventrais da glande e do prepúcio (Figura 1). Foram realizadas biópsias de quatro fragmentos, um em cada quadrante da lesão, além de exérese de sua parte mais elevada. O exame anatomopatológico evidenciou carcinoma espinocelular (CEC) in situ: eritroplasia de Queyrat (Figura 2). O paciente recusou submeter-se à excisão da lesão, optando-se, então, pelo tratamento com laser fracionado de CO2 (eCO2®, Lutronic, Sowon-Ro, Coreia do Sul). O procedimento foi realizado com aplicações mensais sob anestesia tópica com creme de lidocaína 4% (Dermomax®, Laboratório Aché, São Paulo, Brasil). Durante cada procedimento era feita a coagulação de toda a área esponjosa com margem de 5mm. Os parâmetros utilizados foram ponteira de 300µm, densidade de 100mtz/cm2 e fluência de 60 a 80J/cm.2 Foram realizadas cinco sessões (Figuras 3 e 4). Não houve intercorrências entre as sessões. O paciente permanece há um ano sem recidiva e será acompanhado até cinco anos após o tratamento.

 

DISCUSSÃO

A eritroplasia de Queyrat (EQ) é um CEC in situ que se desenvolve na glande ou prepúcio.4 Sua extensão para a uretra distal, onde o epitélio uretral pseudoestratificado passa a ser estratificado escamoso, já foi descrita.5 Usualmente a EQ apresenta-se como placa única, ou múltiplas placas levemente elevadas e eritematosas na glande e no prepúcio interno.4 Quando comparada ao CEC in situ da epiderme, a EQ tem alta taxa de progressão para neoplasia invasiva (10-33%).4, 6

O tratamento convencional do carcinoma peniano envolve amputação total ou parcial com bom controle oncológico da lesão,7 porém alterações cosméticas e funcionais podem afetar a função psicossexual de maneira importante. Em lesões in situ a terapia conservadora é uma opção,2 mas apresenta maior taxa de recidiva quando comparada ao tratamento cirúrgico descrito, embora a sobrevida seja pouco afetada.7

A cirurgia micrográfica de Mohs é uma opção conservadora de tratamento, mas tem taxa de recorrência relativamente alta (21%) quando comparada à penectomia parcial (0-7%).8 Devido à extensão da lesão, mesmo realizando a cirurgia micrográfica de Mohs, a perda tecidual seria grande e inaceitável pelo paciente.

Das alternativas tópicas, o 5-Fluoruracil é o mais estudado,4, 2 ainda que cause grande desconforto e processo inflamatório local durante os vários ciclos de tratamento.4 Na existência de acometimento da uretra, no entanto, esse tratamento não é recomendado por alguns autores,4 já que a aplicação em toda a extensão da lesão intrauretral pode não ser garantida.9

De acordo com o última diretriz norte-americana,2 a terapia com laser de CO2 ou de ND:YAG está entre as opções para CEC in situ peniano, e alguns consideram essa a primeira escolha devido aos resultados estéticos e funcionais favoráveis.1 Por outro lado, as taxas de recidiva local são altas, chegando a 26%;1 portanto, os pacientes devem ser seguidos com mais frequência do que os submetidos à amputação - a cada três meses nos primeiros dois anos e a cada seis meses até cinco anos após tratamento.6 As recidivas podem ser tratadas com igual procedimento.1

O laser de ND:YAG produz coagulação tecidual de pelo menos três a 4mm1 de profundidade, sendo muito útil em casos de tumores histologicamente agressivos ou invasivos;10 por outro lado, tende a ocasionar cicatrizes inestéticas.1 Já o laser de CO2 é absorvido pela água, tendo efeito de vaporização superficial com profundidade previsível, entre 0,1mm e 0,23mm,3 sendo o melhor laser para tratamento de lesões não invasivas.1 Seu uso foi relatado no acometimento da uretra proximal, com bons resultados.5 Nesses casos, a possibilidade de estenose5 e recidiva intrauretral da lesão requer acompanhamento multidisciplinar com a urologia.

Outra peculiaridade do caso é a associação com hipospadia. Após busca na base de dados PUBMED com as palavras Queyrat, hypospadia, carcinoma e penis foi encontrado apenas um relato de caso da associação entre hipospádia e carcinoma espinocelular de pênis.

 

Referências

1. van Bezooijen BP, Horenblas S, Meinhardt W, Newling DW. Laser therapy for carcinoma in situ of the penis. J Urol. 2001;166(5):1670-1.

2. Clark PE, Spiess PE, Agarwal N, Biagioli MC, Eisenberger MA, Greenberg RE, et al. Penile cancer: Clinical Practice Guidelines in Oncology. J Natl Compr Canc Netw. 2013;11(5):594-615.

3. Shokrollahi K, Raymond E, Murison MSC. Lasers: principles and surgical applications. The Journal of Surgery. 2004;2(1):28-34.

4. Graham JH, Helwig EB. Erythroplasia of Queyrat. A clinicopathologic and histochemical study. Cancer. 1973;32(6):1396-414.

5. Del Losada JP, Ferré A, San Román B, Vieira V, Fonseca E. Erythroplasia of Queyrat with urethral involvement: treatment with carbon dioxide laser vaporization. Dermatol Surg. 2005;31(11 Pt 1):1454-7.

6. Mikhail GR. Cancers, precancers, and pseudocancers on the male genitalia. A review of clinical appearances, histopathology, and management. J Dermatol Surg Oncol. 1980;6(12):1027-35.

7. Leijte JA, Kirrander P, Antonini N, Windahl T, Horenblas S. Recurrence patterns of squamous cell carcinoma of the penis: recommendations for follow-up based on a two-centre analysis of 700 patients. Eur Urol. 2008;54(1):161-8.

8. Shindel AW, Mann MW, Lev RY, Sengelmann R, Petersen J, Hruza GJ, et al. Mohs micrographic surgery for penile cancer: management and long-term followup. J Urol. 2007;178(5):1980-5.

9. Bernstein G, Forgaard DM, Miller JE. Carcinoma in situ of the glans penis and distal urethra. J Dermatol Surg Oncol. 1986;12(5):450-5.

10. Frimberger D, Hungerhuber E, Zaak D, Waidelich R, Hofstetter A, Schneede P. Penile carcinoma. Is Nd:YAG laser therapy radical enough? J Urol. 2002;168(6):2418-21.

 

Trabalho realizado na Universidade de Pernambuco - Recife (PE), Brasil.


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