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Artigo Original

Hipomelanose macular progressiva: estudo epidemiológico com 103 casos da Região Sudeste do Brasil

Eloisa Leis Ayres1; Paula Ferrazzi Magrin2; Fabíola Bentivoglio3; Adilson Costa4

Data de recebimento: 10//10/2014
Data de aprovação: 02/12/2014
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

Introdução: A hipomelanose macular progressiva se caracteriza pelo surgimento de hipopigmentação predominantemente na região do tronco de mulheres jovens de origem racial mista. Embora estudos recentes indiquem que o Propionibacterium acnes possa ter papel relevante na patogênese, sua etiologia permanece incerta. Objetivo: Avaliar a prevalência da doença quanto a sexo, idade, tipo de pele, áreas afetadas e início da doença, relação com acne vulgar e pele oleosa na cidade de Niterói, RJ, região litorânea no sudeste do Brasil. MÉTODOS: Estudo epidemiológico, retrospectivo,através da análise de prontuários de 103 pacientes com diagnóstico clínico de hipomelanose macular progressiva entre 2001 e 2012. Resultados: 82% dos pacientes avaliados eram mulheres, e 18% homens, com predomínio dos fototipos III (42,7%) e IV (42,7%). A idade média de aparecimento da doença no momento do diagnóstico foi 26 anos; em 46% o tempo de doença variou entre um e quatro anos. Quando eram afetadas duas áreas (50%), o dorso foi mais frequentemente afetado (79%), seguido do abdômen (20%). Em 98% dos casos, os pacientes tinham pele oleosa e 71,8% deles apresentavam acne ativa. Conclusão: A hipomelanose macular progressiva é doença crônica que atinge preferencialmente a pele do dorso e do abdômen de mulheres jovens de fototipos III e IV portadoras de pele oleosa e acne. Existem ainda muitas dúvidas em relação à verdadeira etiologia e ao tratamento da hipomelanose macular progressiva. A alta porcentagem de associação com oleosidade cutânea e acne vulgar indica a possibilidade de essas condições clínicas estarem relacionadas.


Keywords: HIPOPIGMENTAÇÃO; EPIDEMIOLOGIA; ACNE VULGAR


INTRODUÇÃO

A hipomelanose macular progressiva (HMP) é doença cutânea caracterizada pelo surgimento de hipopigmentação predominantemente na região do tronco de mulheres jovens de origem racial mista. Trata-se de desordem pigmentar comum, porém subdiagnosticada. Apresenta distribuição universal, sendo porém mais frequente em pacientes oriundos de países tropicais e subtropicais.1

Essa entidade foi descrita pela primeira vez em 1987 por Borelli2 como cútis trunci variata e nomeada por Guillet, em 1988, como hipomelanose macular progressiva,3 que se tornou a expressão preferencialmente utilizada, embora tenha sido reconhecida por vários autores de todo o mundo, sob grande variedade de denominações, tais como: hypomelanose maculeuse confluente et progressive du metis melanoderme,4 creole dyschromia,5 idiopathic macular hypomelanosis of the melanodermic5, hipomelanose progressiva do tronco.6

Sua etiologia permanece desconhecida apesar de vários fatores já terem sido incriminados como causadores das lesões: foi sugerida uma origem racial e, posteriormente, correlação com tinea versicolor e pitiríase alba.3 A presença de Propionibacterium acnes produzindo um fator despigmentante também tem sido aventada, assim como desordens nos melanossomos.7 Fatores hereditários podem desempenhar papel importante, embora sejam necessárias investigações adicionais.8

A HMP é caracterizada por máculas hipopigmentados de limites indefinidos, de dez a 30mm de diâmetro, localizadas predominantemente no tronco. Afeta em geral áreas da pele ricas em glândulas sebáceas.9 Não são referidas lesões prévias de caráter inflamatório ou infeccioso.

O diagnóstico, essencialmente clínico, pode ser confirmado através de exame com lâmpada de Wood, que mostra fluorescência vermelha pontual.10 A observação com microscopia confocal mostra que nas lesões, o "anel pigmentado" em torno das papilas dérmicas está intacto, mas seu conteúdo de melanina é inferior ao da pele normal circundante.10 No extrato córneo não se observam esporos, hifas ou bactérias.8 As investigações histológicas mostram ligeira redução de grânulos de melanina na camada de células basais com diminuição variável da transferência de melanina para os queratinócitos, porém os achados histopatológicos não são suficientes para caracterizar o diagnóstico definitivo dessa dermatose.11

É necessário excluir a possibilidade de pitiríase versicolor, pitiríase alba, hanseníase e micose fungoide hipocrômica como diagnósticos diferenciais.11

Vários tratamentos são citados na literatura: antibióticos tópicos e orais, peróxido de benzoíla e fototerapia (Puva e UVB-NB), todos inconstantes e com resultados ainda não totalmente satisfatórios.12-15

Este estudo tem como objetivo avaliar a prevalência da doença em relação a sexo, idade, fototipo, áreas afetadas e duração da doença, considerando também sua relação com acne vulgar e condições de pele oleosa.

 

MÉTODOS

Foi realizado estudo retrospectivo, através da análise de prontuários de pacientes com diagnóstico clínico de HMP atendidos em clínica privada de dermatologia na cidade de Niterói, RJ, região litorânea no sudeste do Brasil, entre 2001 e 2012. Foram incluídos 103 pacientes que apresentavam dados pessoais e epidemiológicos completos, e cujo diagnóstico foi conclusivo para essa doença.

 

RESULTADOS

Nota-se pela tabela 1 que aproximadamente 82% dos pacientes avaliados eram do sexo feminino (Figuras 1 e 2), e 18%, do sexo masculino (Figuras 3 e 4). Houve predominância dos fototipos III (42,7%) e IV (42,7%). A média de idade dos pacientes, no momento do diagnóstico, foi de 26 anos, tendo o mais jovem 13 anos (mínimo), e o mais velho, 50 anos (máximo). A idade mais frequente foi 22 anos.

De acordo com a tabela 2, em 98% dos casos, os pacientes tinham a pele oleosa, e 71% deles apresentavam acne ativa, indicando possível associação da doença com oleosidade da pele e presença de acne.

Os resultados encontrados na tabela 3 indicam que, para a maioria dos pacientes avaliados, a doença apareceu entre 15 e 29 anos, com 25% dos casos entre 15 e 19 anos, 25% entre 20 e 24 anos, e 20% entre 25 e 29 anos. Além disso, apenas 16% apresentavam evolução da doença inferior a um ano, sendo que em 46% o tempo foi de um a quatro anos, e 18% entre cinco e nove anos. Vale ressaltar que alguns pacientes nunca haviam notado a lesão ou não sabiam precisar seu tempo de evolução, e 4% dos pacientes apresentavam evolução de mais de 15 anos, sem remissão. Um paciente referia evolução do quadro há pelo menos 20 anos. Em relação à localização, 51 pacientes apresentavam lesões em apenas uma área, e 52 em duas ou mais áreas. Quando o paciente apresentava lesão única, o dorso foi a área mais frequentemente afetada (79%), seguido de dez casos no abdômen (20%) e um caso no tórax (2%). Analisando a associação de áreas afetadas, 47 pacientes (90%) apresentavam concomitantemente lesões no dorso e abdômen, e três pacientes (6%) apresentavam, além de no dorso e abdômen, lesões concomitantes no tórax.

 

DISCUSSÃO

A real prevalência da HMP é desconhecida, embora seja desordem bastante comum.13 Acomete principalmente indivíduos jovens, predominando na faixa etária dos 18 aos 25 anos, sendo raros os relatos em pacientes com idade acima de 50 anos.16 A maioria dos casos ocorre no sexo feminino, em proporções variando de 3:1 até 7:1,9,13 apesar de alguns autores não terem verificado diferença na distribuição entre os sexos.2,17 Nosso estudo avaliou 103 pacientes com diagnóstico clínico de HMP. Deles, 82% eram do sexo feminino, e 70,8% relatando o início das lesões entre 15 e 29 anos, e assim corroborando os achados na literatura. É válido ressaltar que no presente estudo foram também observados casos em homens, em todos os fototipos e com início das lesões aos nove e aos 49 anos.

Em relação ao fototipo, os dados da literatura mostram-se divergentes: enquanto alguns autores verificaram aumento da incidência da doença em pacientes miscigenados (negroides/caucasoides),12,13,18 outros trabalhos negam essa afirmação,1,2,12 provavelmente explicada pelo fato de a doença ser mais facilmente visualizada nos pacientes com pele pigmentada. Entre nossos pacientes, 85,4% pertenciam aos fototipos III e IV de Fitzpatrick.

Apesar de alguns autores incriminarem o Propionibacterium acnes como agente etiológico dessa dermatose, a presença de acne vulgar associada à HMP foi achado incomum em alguns trabalhos. Constata-se também que ainda existem dificuldades práticas de, com os métodos de identificação convencionais, distinguir algumas espécies ou subespécies de gêneros específicos que podem ter papel importante na patogênese de doenças. Assim pode ser que as espécies de Propionibacterium acnes causadoras da acne e da hipomelanose macular progressiva sejam de subtipos diferentes.9 Em estudo realizado por Rodriguez na Espanha, de 10 pacientes com clínica de HMP, sete relatavam associação com acne, porém o próprio autor questiona a possibilidade de existirem subtipos diferentes dessa bactéria.19 No presente estudo, 71% dos pacientes apresentavam acne vulgar como queixa associada. Além disso, observou-se pele oleosa em porcentagem expressiva (98%), em acordo com publicações de outros autores.9

Vinte pacientes apresentavam lesões restritas ao dorso; oito, lesões somente no abdômen; 20, em ambas as localizações; dois apresentavam lesões concomitantes no tórax anterior além do dorso e abdômen, e apenas um teve lesões exclusivamente no tórax. Esses achados são concordantes com os da literatura, demonstrando predomínio de distribuição das lesões na região dorsal e abdominal.

O tempo de evolução das lesões é incerto. Geralmente ocorre regressão espontânea entre três e cinco anos, embora alguns casos persistam por mais de dez anos.4 Menke et al. não acreditam na remissão espontânea; pelo contrário, observaram estabilidade das lesões num seguimento de dez anos de pacientes, não tendo sido observada repigmentação em nenhum deles.6 Lesuer et al. demonstraram que as lesões podem ser persistentes por mais de 25 anos.20 Nos pacientes avaliados o tempo de evolução das lesões no momento do diagnóstico variou de dois até 240 meses, sendo que 11 dos 103 pacientes não souberam precisar o tempo de instalação da doença, pois não haviam percebido sua presença, sendo as lesões identificadas no exame dermatológico.

 

CONCLUSÃO

A HMP é doença crônica que atinge preferencialmente a pele do dorso e do abdômen de mulheres jovens de fototipos III e IV portadoras de pele oleosa e acne.

Apesar de vários estudos já realizados existem ainda muitas dúvidas em relação à HMP. Sua verdadeira etiologia e tratamento efetivo persistem questionados. Nossa revisão reforça os achados descritos na literatura, sendo que o elevado número de pacientes portadores de oleosidade cutânea e acne vulgar nos faz crer que a possível etiologia esteja relacionada com essas condições clínicas. Mais estudos se tornam necessários para confirmar o real envolvimento do P acnes ou de subtipos dessa bactéria na etiologia da HMP e para maior elucidação dessa dermatose.

 

Referências

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3. Guillet G, Helenon R, Gauthier Y, Surleve-Bazeille JE, Plantin P, Sassolas B. Progressive macular hypomelanosis of the trunk: primary acquired hypopigmentation. J Cutan Pathol. 1988;15(5):286-9.

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9. Relyveld GN, Menke HE, Westerhof W. Progressive macular hypomelanosis: an overview. Am J Clin Dermatol. 2007;8(1):13-9.

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Trabalho realizado no Centro de Dermatologia Prof. Rene Garrido Neves - Fundação Municipal de Saúde de Niterói e Clínica Privada - Niterói (RJ), Brasil.


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