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Artigo Original

Preenchimento da goteira lacrimal com ácido hialurônico - técnica superficial

Marisa Gonzaga da Cunha1; Ana Lúcia Gonzaga da Cunha2; Marzia Macedo3; Carlos D'Apparecida Machado4

Data de recebimento: 21/12/2014
Data de aprovação: 18/01/2015
Conflito de interesse: Nenhum
Suporte financeiro: Nenhum

Abstract

Introdução: São frequentes na pálpebra inferior despigmentações e sulcos que conferem a seus portadores um olhar cansado, aprofundado e envelhecido, mesmo em pacientes jovens. Na busca da sua correção, o preenchimento para a restauração do volume local tem sido tratamento atualmente indicado, com proposição de vários produtos e técnicas. Objetivo: Descrição e avaliação da técnica de aplicação superficial com o uso de ácido hialurônico monofásico polidensificado fluido. Casuística e Método: 60 pacientes atendidas entre 2011 e 2014 foram submeti das à técnica. A avaliação foi feita por comparação fotográfica pelo médico aplicador e através de questionários respondidos pelas pacientes com base na classificação de Hirmand. Resultados: O médico aplicador considerou o tratamento excelente (35% dos casos), muito bom (50%) ou bom (15%), enquanto para as pacientes os resultados foram excelente (30%), muito bom (50%) ou bom (20%). Não foram registrados efeitos adversos importantes ou de longa duração. Conclusão A técnica subdérmica superficial é de fácil execução, com poucos efeitos ad-versos e bons resultados, apresentando alto grau de satisfação por parte das pacientes.


Keywords: ENVELHECIMENTO DA PELE; ÁCIDO HIALURÔNICO; HIPERPIGMENTAÇÃO


INTRODUÇÃO

A busca da prevenção ou correção dos sinais de envelhecimento facial tem estimulado o desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas e tratamentos não cirúrgicos minimamente invasivos.1,2 Especial atenção tem sido dada à região periocular, na qual alterações multifatoriais - textura, coloração e firmeza da pele, reabsorção óssea e deslocamento de partes moles - redundam no aparecimento de despigmentações, sulcos e/ou bolsas de gordura (Figura 1). De acordo com os achados clínicos individuais, apenas uma opção terapêutica pode ser insuficiente.1,2

Uma das principais queixas relacionadas à região palpebral inferior é a deformidade do canal das lágrimas ou goteira lacrimal que, quando acentuada, se traduz por depressão inestética, conferindo ao olhar aspecto cansado e envelhecido, mesmo em pacientes jovens.3,4 Segundo Stutman, um dos itens mais importantes na beleza da área infrapalpebral é a transição suave entre as porções pré-septal e orbital do músculo orbicular dos olhos, em continuidade com a região malar sem linha demarcada de transição.2

A primeira referência à depressão infrapalpebral data de 1932 e foi descrita por Whitnall. Posteriormente, a expressão sulco nasojugal foi introduzida por Dukes-elder e Wybar em 1961. As expressões deformidade do canal das lágrimas e goteira lacrimal foram consagradas por Flowers e Loeb em 1969.2

A goteira lacrimal corresponde, em sua parte superior, a um sulco cutâneo que se estende oblíqua e inferolateralmente, a partir do canto interno do olho, até aproximadamente a linha médio-pupilar podendo continuar lateralmente com o sulco palpebromalar (Figura 2).3,4,5 Pode ser resultado tanto de variações genéticas e anatômicas presentes em indivíduos jovens quanto do envelhecimento dessa região.

A exata origem anatômica da goteira lacrimal não está bem esclarecida, com diversas descrições conflitantes na literatura.4,5 As referências apontam como possíveis causas: (1) a proeminência da borda da órbita resultante da descida do coxim gorduroso malar; (2) a fixação do septo orbital no nível da porção inferomedial do arco marginal da órbita; (3) a perda de gordura no local ou a herniação do coxim gorduroso pós-septal; (4) a existência de uma fenda triangular limitada pelos músculos orbicular do olho, levantador da asa nasal e levantador do lábio superior; (5) a ausência de tecido adiposo na porção central e medial subjacente ao músculo orbicular na região do sulco.2,5,6 Através de dissecções de cadáveres, Haddock e colaboradores correlacionaram a goteira lacrimal com a junção das porções pré-septal e orbital do músculo orbicular dos olhos, com diferenças na textura da pele e das gorduras subjacentes. No plano profundo, eles encontraram uma separação entre o canal das lágrimas e a junção palpebromalar.4 Wong, Hsieh e Mendelson identificaram ligamento osteocutâneo verdadeiro: o ligamento do canal das lágrimas, que definiram como o principal fator etiológico para a goteira lacrimal. Esse ligamento fica entre as origens das porções palpebral e orbital do músculo orbicular dos olhos. Insere-se firmemente na pele da região e origina-se do osso maxilar.3

A correção cirúrgica da deformidade da goteira lacrimal é considerada difícil.2 O objetivo da blefaroplastia tradicional é a remoção de tecidos e fixação do septo orbitário. Porém, os estudos mais recentes sobre o envelhecimento facial têm dado ênfase à correção das perdas de volume local e não apenas à remoção de tecidos. Surge, dessa maneira, a ideia do preenchimento do sulco infraorbital para restauração do volume perdido.

Os primeiros trabalhos que reportam o uso de preenchedores no sulco nasojugal datam de 2003 por Michel Kane, cujo grupo aplicava ácido hialurônico mais superficialmente.6 Em 2004, Robert Alan Goldberg descreveu a técnica de aplicação do ácido hialurônico (Restylane®) com agulha 30G abaixo do músculo orbicular dos olhos.7 Hoje inúmeras técnicas de aplicação estão descritas.2,8,9

O objetivo deste estudo é descrever a técnica superficial para o preenchimento da goteira lacrimal utilizando o ácido hialurônico monofásico polidensificado fluido, indicado para aplicações subepidérmicas ou dérmicas superficiais, bem como apresentar sua segurança e sua eficácia.

 

CASUÍSTICA E MÉTODO

Este é um estudo retrospectivo de pacientes tratadas pelos autores em clínica privada e no Setor de Cosmiatria da disciplina de dermatologia da FMABC entre os anos de 2011 e 2014. Foram tratadas 60 pacientes, com idades entre 18 e 50 anos, média de 27,6 anos, portadoras de classes 1 e 2 de goteira lacrimal segundo a classificação de Hirmand (Figura 3, Tabela 1). Utilizou-se o ácido hialurônico monofásico polidensificado fluido com 20mg|ml Anteis Soft® (Merz Aesthetics, São Paulo, Brasil), indicado para aumentar o volume do tecido cutâneo com aplicações superficiais. A polidensificação confere ao produto ótima integração ao tecido dérmico, promovendo aumento de volume uniforme no local da aplicação, sem riscos de efeito Tyndall.

A técnica utilizada foi a subdérmica superficial, que permite a visualização da agulha, em retroinjeção com agulha 30G1/2 (0,3 x 13mm) formando palitos na linha do sulco e posterior moldagem do material injetado até o completo preenchimento da goteira lacrimal. A quantidade de produto variou, de acordo com a profundidade do sulco, entre 0,3 e 0,6ml de cada lado. Foram aplicadas compressas frias antes e após o procedimento para evitar edema e formação de hematomas. As pacientes foram todas fotografadas e analisadas em condições padronizadas, antes do tratamento e 30 dias após sua realização.

A avaliação foi feita por comparação fotográfica pelo médico aplicador e através de questionários respondidos pelas pacientes com base na classificação de Hirmand.

 

RESULTADOS

Os resultados aqui apresentados foram observados após aplicação única e se basearam na escala de Hirmand,5 tendo sido considerados pelas pacientes e pelo médico aplicador excelentes quando houve o desaparecimento total do sulco; muito bom quando o sulco passou da classe 2 para a classe 1; e bom quando o sulco passou da classe 2 para a 1, mas com manutenção da diferença de cor (Figuras 4 a 8). Não houve casos de ausência de melhora ou de insatisfação por parte da paciente ou do médico aplicador (Tabelas 2 e 3).

Os efeitos adversos foram de pouca gravidade e transitórios. Observaram-se hematoma discreto após a aplicação, passível de camuflagem com maquiagem corretiva, de resolução em poucos dias, além de edema transitório de curta duração (cerca de duas horas) e eritema local imediato, observado mais frequentemente em pacientes de fototipos I e II. O uso de frio local antes e depois da aplicação minimiza essas complicações. Não foi observado caso de edema persistente entre as pacientes acompanhadas, assim como não houve casos de aparecimento do efeito Tyndall (Tabela 4). A duração do efeito corretivo variou de nove (80% das pacientes) a 12 meses (20% das pacientes).

 

DISCUSSÃO

A pele da região palpebral é a mais fina do corpo (< 1mm), com a epiderme constituída por epitélio estratificado de espessura muito delgada (0,4mm) e com derme também extremamente delgada, composta por tecido conjuntivo frouxo e praticamente ausente na pele pré-tarsal e nos ligamentos medial e lateral da pálpebra, onde se adere ao tecido subjacente fibroso.

A deformidade do canal das lágrimas ou goteira lacrimal constitui um sulco cutâneo que se estende oblíqua e inferolateralmente, a partir do canto interno do olho, até aproximadamente a linha médio-pupilar e continua lateralmente com o sulco palpebromalar.2,3,4

Diversas técnicas estão descritas para seu tratamento. Vários trabalhos citam o uso de preenchedores, e a discussão versa sobre qual preenchedor seria mais adequado, uma vez que nessa região a pele é muito fina e vascularizada. Entre eles, o ácido hialurônico é o que se apresenta como o mais indicado por sua simplicidade na aplicação, seu baixo potencial alergênico e pela textura homogênea com bom resultado estético e baixo risco de complicações,6 principalmente a técnica superficial de aplicação.

Como todo preenchedor, o ácido hialurônico apresenta vantagens e desvantagens quanto a seu uso. As vantagens são: grau mínimo de invasão, simplicidade na aplicação, baixo potencial alergênico e ausência da necessidade de teste cutâneo prévio; além disso, devido a sua viscosidade, apresenta melhor adaptação aos contornos nasojugais e por apresentar textura homogênea demonstrou melhor resultado estético e menor risco de complicações.7,10 Dentre as desvantagens destacam-se: ausência de resultados permanentes, durabilidade de aproximadamente nove meses e necessidade de anestesia tópica para sua aplicação.10

A boa duração observada nas pacientes deste estudo pode estar relacionada à reposição de ácido hialurônico que acarreta a reposição hídrica na derme com consequente aumento de sua espessura, melhora do turgor, elasticidade e firmeza10 como consequência da produção de novo colágeno.11,12

Dentre as complicações destacam-se eritema logo após a aplicação, hematomas, irregularidades de contorno, sobrecorreção do sulco, edema malar persistente e alterações de cor da região periorbitál, todas independentes do preenchedor utilizado. As alterações de cor podem ser de dois tipos - a que pode ser observada em pacientes com olheiras importantes, que ao ser preenchido o sulco têm a sensação de que a olheira piorou por expor uma superfície escurecida maior (devendo o paciente se advertido desse risco); e a que se caracteriza pela presença de área azulada, que pode ser observada em pessoas de pele muito clara e fina pela superficialização do preenchedor, conhecida como efeito Tyndall.

Outra complicação descrita, porém raríssima, é a cegueira. Para evitar a embolização da artéria oftálmica algumas precauções estão descritas, entre elas evitar aplicar preenchedores próximo ao canto interno do olho, pois nessa região correm as artérias supratoclear, supraorbital e a dorsal do nariz, tributária da artéria oftálmica; aplicar pequenas quantidades do preenchedor; injetar lentamente; evitar aplicações em bólus; aplicar em plano mais superficial ou utilizar cânulas rombas.6,7,9

A técnica de aplicação subdérmica superficial de ácido hialurônico monofásico polidensificado fluido indicado para aplicações superficiais, conforme descrito em bula, permite que a aplicação para a correção da goteira lacrimal seja segura, com baixo risco de irregularidades de contorno e alterações de coloração, como o efeito Tyndall,13 devido a sua maior biointegração local.14 A formação de hematomas, possível de ocorrer em qualquer das técnicas, é complicação com menor gravidade nesses casos, já que não acarreta riscos de compressão de nenhuma estrutura nobre, podendo ser minimizada com a aplicação de frio local antes e imediatamente após a aplicação. Com essa técnica não há riscos de obstrução arterial ou migração de produto, uma vez que a aplicação é subepidérmica. A complicação mais comum é a sobrecorreção, porém esse risco é minimizado com a aplicação lenta do material e o uso de preenchedor pouco denso, moldável e com boa integração aos tecidos.14

É importante salientar que nos casos que apresentam flacidez cutânea importante com visualização de bolsas de gordura, a blefaroplastia tradicional está indicada para a remoção de tecidos e correção do septo orbitário. O preenchimento será complementar, indicado somente para correção da perda de volume local.

 

CONCLUSÃO

A técnica subdérmica superficial de preenchimento da goteira lacrimal é segura, de fácil execução e com baixo risco de complicações. Está indicada principalmente para pacientes jovens sem flacidez cutânea e como técnica complementar à blefaroplastia em pacientes que apresentam goteira lacrimal e frouxidão dos tecidos, devendo ser realizada após a correção cirúrgica.

 

Referências

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2. Stutman RL, Codner MA. Tear trough deformity: review of anatomy and treatment options. Aesthet Surg J. 2012;32(4):426-40.

3. Wong CH, Hsieh MKH, Mendelson B. The tear trough ligament: anatomical basis for the tear trogh deformity. Plast Reconstr Surg. 2012;129(6):1392-402.

4. Haddock NT, Saadeh PB, Boutros S, Thorne CH. The tear trough and lid/cheek junction: anatomy and implications for surgical correction. Plast Reconstr Surg. 2009;123(4):1332-1340.

5. Hirmand H. Anatomy and nonsurgical correction of the tear trough deformity. Plast Reconstr Surg. 2010;125(2):699-708.

6. Kane MAC. Treatment of tear troug deformity and lower lid bowing with injectable hyaluronic acid. Aesth Plast Surg. 2005;29(5):363-67.

7. Goldberg RA, Fiaschetti D. Filling the periorbital hollows with hyaluronic acid gel: initial experience with 244 injections. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2006;22(5):335-41; discussion 341-3.

8. Braz AV, Aquino AO. Preenchimento do sulco nasojugal e da depressão infraorbital lateral com microcânula 30G. Surg Cosmet Dermatol. 2012;4(2):178-81.

9. Steinsapir KD, Steinsapir SMG. Deep-fill hyaluronic acid for the temporary treatment of the naso-jugal groove: a report of 303 consecutive treatments. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2005;22(5):344-8.

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11. Wang F, Garza LA, Kang S, Varani J, Orringer JS, Fisher GJ, Voorhees JJ. In vivo stimulation of de novo collagen production caused by cross-linked Hyaluronic Acid dermal filler injections in photodamaged human skin. Arch Dermatol. 2007;143(2):155-163.

12. Fisher GJ, Varani J, Voorhess JJ. Looking older: fibroblast collapse and therapeutic implications. Arch Dermatol. 2008;144(5):666-72.

13. Micheels P, Sarazin D, Besse S, Sundaran H, Flynn T. A Blanching Technique for Intradermal Injection of the Hyaluronic Acid Belotero. Plast Reconstr Surg. 2013;132(4 Suppl 2):59S-67S.

14. Tran C, Carraux P, Micheels P, Kaya G, Salomon D. In vivo Bio-Integration of Three Hyaluronic Acid Fillers in Human Skin: A Histological Study. Dermatology. 2014;228(1):47-54.

 

Trabalho realizado clínica privada e no Setor de Cosmiatria da disciplina de dermatologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) - Santo André (SP), Brasil.


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