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Artigo Original

Infiltrações intralesionais de 5-FU no tratamento de queloides, cicatrizes hipertróficas e contraturas

Leandra d'Orsi Metsavaht1; Carlos Alberto Rios Garcia2

Data de recebimento: 10/01/2015
Data de aprovação: 31/01/2015
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: Queloides e cicatrizes hipertróficas fazem parte do desafio cotidiano do dermatologista. Apesar do grande arsenal terapêutico, a eficácia variável, os efeitos colaterais e as recidivas dificultam atingir resultado satisfatório. O 5-fluoruracil (5-FU) isoladamente ou em terapias combinadas tem potencial para ser parte integrante do paradigma do tratamento de cicatrizes hipertróficas e queloides. Objetivo: Avaliar os resultados do uso de 5-FU (50mg/ml) na proporção de 9:1 com acetato de triancinolona (AT - 20mg/ml) em pacientes com queloides e cicatrizes hipertróficas ao longo de 12 anos. Métodos: Estudo retrospectivo de 32 pacientes portadores de queloides, cicatrizes hipertróficas e fibrose cicatricial submetidos de uma a 17 sessões de infiltração com intervalo quinzenal, utilizando-se a combinação de 5-FU com AT. Empregou-se escala analógica visual (EAV) para avaliação de dor/desconforto da lesão, assim como para a percepção pelo paciente da cicatriz ao visualizá-la no espelho. Resultados: Na comparação das escalas analógicas visuais (EAV) após o tratamento, houve redução significativa do nível de dor/desconforto (EAV dor) (p = 0,001) e na análise da estética da cicatriz ao espelho (EAV espelho) (p < 0,001). Três pacientes apresentaram complicações (9,4%): hipercromia (dois pacientes = 6,3%) e atrofia (um = 3,1%). Conclusões: A infiltração de 5-FU em cicatrizes hipertróficas, queloides e fibroses mostrou-se abordagem terapêutica minimamente invasiva, de baixo custo, de fácil reprodutibilidade, com resultados consistentes e que não invalida ou impede outras abordagens.


Keywords: CICATRIZ HIPERTRÓFICA; FLUORURACILA; QUELOIDE


INTRODUÇÃO

A cicatriz é o resultado de um processo fisiológico natural de reparo da pele após um ferimento. Quando ocorre desequilíbrio em alguma fase desse processo, podem ocorrer queloides ou cicatrizes hipertróficas que, além de inestéticos, frequentemente causam prurido, dor e contraturas. Portanto, a cicatrização excessiva pode afetar dramaticamente a qualidade de vida do indivíduo, tanto física quanto psicologicamente, motivando a busca de algum tratamento.1,2

Clínica e histologicamente existem diferenças marcantes entre queloides e cicatrizes hipertróficas. O queloide é caracterizado pelo demasiado crescimento de tecido fibroso denso, que se estende além das bordas da ferida original, não involui espontaneamente, tende a recorrer após excisão e acomete até 16% da população afrodescendente.1 Alguns autores definem queloides como "cicatrizes confusas que não sabem parar de crescer".3 Por outro lado, as cicatrizes hipertróficas podem ocorrer em até 70% das cicatrizes cirúrgicas e são igualmente desconfortáveis, porém permanecem confinadas às bordas da lesão e tendem a involuir espontaneamente em alguns anos.1

A proliferação e a migração de fibroblastos têm papel importante na cicatrização cutânea. A maior função dos fibroblastos é a síntese de colágeno, proteoglicanas e elastina. Queloides e cicatrizes hipertróficas permanecem na fase proliferativa por período maior, levando a deposição exacerbada de matriz extracelular.4

Evidências sugerem que a predileção para a formação de queloides seja herança autossômica dominante, autossômica recessiva ou ligada ao X com padrões recessivos de hereditariedade; no entanto a incidência exata e sua gênese ainda permanecem incertas.5

Cicatrizes hipertróficas e queloides podem resultar de praticamente qualquer trauma cutâneo, como acne, queimaduras, pequenos cortes ao se barbear, furos nas orelhas e piercings ou em cicatrizes cirúrgicas. O tratamento dos queloides pode ser bastante frustrante tanto para o dermatologista quanto para o paciente, visto ser alta a sua taxa de recorrência, pois a nova ferida será propensa aos mesmos mecanismos genéticos, imunológicos, mecânicos e bioquímicos da ferida inicial.6-8

Relatos da literatura apontam para um índice de recidiva que varia de 45 a 100% quando é realizada a excisão simples de um queloide. Quando associada à infiltração intralesional de corticoide, a recorrência total cai para o patamar de 37 a 50%. A associação de radioterapia nas primeiras 48 horas do pósoperatório minimiza para 10%.6- 10 Um estudo mostrou que a irradiação com feixe de elétrons é superior à betaterapia para o tratamento de queloides operados, devido à melhor distribuição no tecido.11

A criocirurgia utiliza resfriamento e aquecimento repetidos do tecido, provocando dano vascular que leva à anóxia e, por fim, à morte celular. A taxa de sucesso em estudos nos quais foram utilizados tanto contato quanto spray de nitrogênio líquido variou de 32 a 74% após duas ou mais sessões, com melhores respostas nas cicatrizes hipertróficas, em comparação aos queloides. Seu uso, porém, está limitado a cicatrizes pequenas. Os principais efeitos adversos são hipo ou hiperpigmentação, formação de bolhas e dor pós-operatória.12-14 Recentemente, uma agulha intralesional adaptada ao aparelho de criocirurgia mostrou aumento de eficácia em relação à terapia de contato/spray, com período de reepitelização mais curto. 15

Diversos estudos têm investigado os agentes antineoplásicos e parece haver marcante melhora nas taxas de recorrência, satisfação dos pacientes e qualidade global das cicatrizes quando esses agentes são usados. Injeção intralesional e/ou irrigação com interferon α2b, interferon-γ, mitomicina-C, bleomicina ou 5-FU parecem ter efeito positivo na redução de cicatrizes patológicas. Há bastante evidência de que essas drogas usadas isoladamente ou em terapias combinadas têm potencial para ser parte integral do paradigma do tratamento de cicatrizes hipertróficas e queloides.16

A mitomicina tem-se mostrado bastante eficaz no uso tópico após o shaving de queloides.17

Alguns autores sugerem que as terapias modernas não atingem o alvo da cicatrização patológica, levando a resultados inferiores ao esperado. Propõem que mTOR (mammalian target of rapamycin) seja o novo alvo para o bloqueio da fibroproliferação. Em estudo realizado com análise do genoma de fibroblastos, as cicatrizes hipertróficas e queloides demonstraram expressão exacerbada de colágenos tipo I e II, que foi efetivamente anulada pelo uso de rapamicina.18

O sulfato de bleomicina é agente antineoplásico que inibe diretamente a síntese de colágeno, através da diminuição do estímulo via TGF-β1. Foi estudado pela primeira vez em 1990 como agente redutor de cicatriz. Após de três a cinco sessões de infiltração intralesional de bleomicina, no período de um mês, os autores observaram a redução de 69,4% dos queloides. Estudos subesquentes revelaram resultados similares, com melhora significativa da altura e flexibilidade do queloide e da cicatriz hipertrófica, assim como redução de eritema, prurido e dor. Ocasionalmente houve hiperpigmentação e atrofia dérmica. Por ser tóxica, é necessário estar atento aos efeitos colaterais, apesar de serem incomuns. Estudos clínicos sobre sua eficácia e futuras investigações são necessários antes de ser incluída em futuros protocolos de tratamento.19

Os corticoides inibem a cicatrização de três formas: suprimem a inflamação local pela inibição da migração de leucócitos e de monócitos, e a fagocitose; são vasoconstrictores potentes que diminuem a oxigenação local; seu efeito antimitótico inibe queratinócitos e fibroblastos, diminuindo a reepitelização e nova formação de colágeno. Por essas razões, a infiltração de corticoide intralesional está frequentemente relacionada à atrofia da cicatriz e dos tecidos circunjacentes, formação de telangiectasias e a alto índice de recidivas.19

O 5-fluoruracil (5-FU) é medicamento antineoplásico, da classe dos análogos da pirimidina, capaz de inibir a biossíntese de nucleotídeos pirimidínicos ou mimetizar metabólitos naturais, interferindo na síntese dos ácidos nucleicos. Efetivamente inibe tanto a síntese de timidilato, que é precursor essencial para a síntese do DNA para a divisão celular, como o processamento de RNA e a síntese de proteínas.20 Essas características lhe concedem papel importante no tratamento de tumores malignos de origem epitelial, como o colorretal,8 e no tratamento tópico de lesões cutâneas pré-malignas, como queratoses actínicas.7 Por inibir caracteristicamente a proliferação de fibroblastos, ter janela terapêutica ampla e ser de fácil manejo, tem sido utilizado desde 1990 em cirurgias para filtragem de glaucoma, em que cicatrização exacerbada pode comprometer o resultado cirúrgico,21-22 e no reparo dos tendões flexores da mão, pois a fibrose cicatricial excessiva costuma causar aderências e limitar os resultados funcionais.23-25

Em 1999, Richard Fitzpatrick publicou artigo de revisão para a revista Dermatologic Surgery com o relato de seus nove anos de experiência com o uso de 5-FU em mais de mil pacientes com sequelas de cicatrizes hipertróficas e queloides, resultantes de cirurgias, acne e queimaduras. Sua observação foi subjetiva, mas a incidência de resultados positivos e de satisfação dos pacientes foi notadamente importante e já rendeu 258 citações de seu artigo até hoje. Ele observou que nem toda sessão de infiltração resultava em melhora clínica óbvia, porém raramente uma cicatriz não respondeu favoravelmente. Em geral, as cicatrizes mais inflamadas, mais sintomáticas, mais firmemente endurecidas e vermelhas responderam melhor. Cicatrizes de vários anos e ainda muito firmemente endurecidas, apesar de não inflamadas ou sintomáticas, responderam menos significativamente. Com infiltrações repetitivas as cicatrizes tornaram-se mais amolecidas e mais achatadas.26

 

OBJETIVO

Foi realizado estudo retrospectivo para avaliação dos resultados clínicos e complicações do uso de 5-FU no tratamento de queloides, cicatrizes hipertróficas e fibroses cicatriciais, através do levantamento de prontuários correspondentes a período de 12 anos. Os parâmetros utilizados foram: 1- comparação fotográfica 2- escala analógica visual (EAV) para avaliar a intensidade da dor e/ou desconforto espontâneo, 3- autoavaliação da impressão estética dos pacientes sobre suas lesões, também através de EAV.

 

MÉTODOS

Realizou-se o levantamento dos prontuários de 44 pacientes do Ambulatório de Cirurgia Plástica e Reconstrutora da Mão da 11ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro (2003-2004) e da clínica privada de um dos autores (LDM 2003-2014), tratados para queloides, cicatrizes hipertróficas e fibroses cicatriciais, com infiltrações intralesionais de 5-FU. Dos 44 pacientes tratados, um foi excluído devido a queixa de muita dor durante o procedimento, e outros 11 porque não retornaram para reavaliação e/ou continuidade do tratamento depois da 1ª sessão. O tempo de evolução das lesões variou de um mês a 10 anos.

A amostra foi composta por 32 pacientes de 11 a 73 anos, com média de idade de 39 anos (± 13,9). A predominância foi de pacientes do sexo feminino (71,9%), da raça branca (78,1%) e cicatriz hipertrófica (68,8%), conforme apresenta a tabela 1.

As quatro localizações mais frequentes foram abdômen (21,9%), mamas (15,6%), braço (12,5%) e orelha (12,5%), como pode ser visualizado no gráfico 1.

As lesões foram fotografadas antes, durante e ao final do tratamento. Foi utilizada escala analógica visual (EAV) para avaliar a intensidade da dor e/ou desconforto espontâneo e para autoavaliação da impressão estética sobre a própria lesão ao vêla no espelho (EAV dor/desconforto e EAV "ao espelho"), por considerarmos escala acessível e de fácil manejo (Figuras 1 e 2). Outra escala bastante utilizada, relacionada às características clínicas das lesões, é a de Vancouver (Vancouver Scar Scale - VSS), também conhecida como índice de cicatriz por queimadura (Burn Scar Index), que requer equipamentos de precisão para apuração de algumas medidas.27

O medicamento foi preparado com a mistura de acetato de triancinolona e 5-FU na proporção de 1:9 (0,1ml de 20mg/ml de triancinolona para cada 0,9ml de 5-FU 50mg/ml). As infiltrações foram realizadas com agulhas de 13mm de comprimento com 30G de diâmetro interno e seringas com corpo de 1ml ou 3ml, dependendo do volume necessário para o tamanho da lesão, com intervalos quinzenais até que houvesse satisfação clínica e estética ou fossem interrompidas por decisão acordada entre paciente e médico no caso de não considerarem o tratamento efetivo. A mediana do número de sessões foi três (percentis 25-75: 2-5), e do volume injetado foi 1ml (percentis 25-75: 1-1). O seguimento variou de um a 8,5 meses.

A solução é injetada na massa tecidual das cicatrizes hipertróficas e queloides e nas áreas de fibrose (tecido endurecido), até haver seu branqueamento, na média de 0,05ml por ponto de injeção na área endurecida da cicatriz. Dependendo da extensão da lesão, múltiplos pontos de injeção podem ser necessários. Nesses casos procura-se intercalar os pontos, guardando-se cerca de 1cm entre eles.

Análise estatística

As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio-padrão ou mediana e amplitude interquartílica. A normalidade foi avaliada pelo teste de Shapiro-Wilk.

Para comparar os resultados pré e pós-tratamento, foi aplicado o teste de Wilcoxon. A associação entre as variáveis contínuas foi avaliada pelo coeficiente de correlação de Spearman. Na comparação entre os grupos, foram aplicados os testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis.

O nível de significância adotado foi de 5% (p < 0,05), e as análises foram realizadas no programa SPSS versão 21.0.

 

RESULTADOS

Na comparação das escalas analógicas visuais (EAV) após o tratamento, houve redução significativa do nível de dor espontânea das lesões (EAV dor) (p = 0,001) tanto quanto na análise da estética da cicatriz ao espelho (EAV espelho) (p < 0,001), conforme apresenta a tabela 2.

Os resultados das mudanças nas escalas de EAV após o tratamento, de acordo com o tipo de cicatriz, estão apresentados na tabela 3. Não houve diferença significativa entre os diferentes tipos de cicatriz (p > 0,20).

Também não houve associação estatisticamente significativa entre idade, sexo, tipo de cicatriz, localização, número de sessões e volume injetado com a redução dos níveis relativos tanto à dor quanto à avaliação ao espelho (p>0,10).

Os 7 pacientes com quelóides apresentaram melhoria clínica e estética.(Figura 3) Destes, 1 retornou depois de 6 anos apresentando recidiva. As duas pacientes que tinham sequelas graves por queimaduras com retração cicatricial fibrótica em áreas do pescoço, mãos e axilas causando restrição da amplitude de movimento apresentaram importante melhora do arco de movimento de da funcionalidade para as atividades cotidianas, além de diminuição do desconforto/dor (Figura 4).

Dos 22 pacientes de raça branca com cicatrizes hipertróficas variadas (figuras 5 e 6), apenas um não apresentou melhoria clínica ou estética satisfatória. Os três que apresentavam fibrose cicatricial apresentaram melhora (Figura 7).

Complicações ou eventos adversos

Todos melhoraram espontaneamente em período de seis meses a um ano.

Em três pacientes houve complicações (9,4%): dois apresentaram hipercromia (6,3%), e um atrofia (3,1%) (Gráfico 2).

Dor ou sensação de ardor ou queimação durante a aplicação foi constante em 100% dos casos, porém com intensidades diferentes. No entanto não houve relatos da persistência desses sintomas nas horas ou dias subsequentes à infiltração. Eritema regional foi frequente, mas também cedendo espontaneamente após algumas horas.

 

DISCUSSÃO

Existe grande dificuldade no tratamento das lesões cicatriciais, apesar da variedade de opções terapêuticas, tais como retinoides, irradiação, corticoides intralesionais, criocirurgia, gel de silicone, pressão, cirurgia e novas modalidades como laser de corante pulsado, interferon α 2b e outros antineoplásicos. A eficácia desses tratamentos é variável, assim como seus efeitos colaterais.28

A maioria dos relatos na literatura sobre o uso de infiltração de 5-FU foi realizada em queloides.28-33 Não foram encontrados relatos do uso em pacientes com fibrose cicatricial, e, portanto, os três casos descritos neste trabalho seriam os primeiros publicados. Nas duas pacientes com queloide e retração por sequela de queimadura, o maior benefício foi o ganho de amplitude de movimento e melhora da funcionalidade articular. Normalmente esses resultados só seriam obtidos com extensa cirurgia com rotação de retalhos ou enxertia de pele.

Os casos de maior índice de satisfação foram aqueles com cicatrizes hipertróficas, com pouca sintomatologia local, por melhorar o eritema e causar o achatamento da cicatriz, o que se compara aos achados de Fitzpatrick,26 porém não foi estatisticamente significativo em nosso trabalho. Talvez essa observação se deva ao fato de a maioria dos pacientes apresentar cicatrizes hipertróficas.

Os pacientes com fibrose também perceberam que o tecido ficou mais frouxo e a retração da fibrose diminuiu consideravelmente. Desses, um caso bastante gratificante foi o de paciente cujo mamilo havia retraído após cirurgia para colocação de prótese mamária. Outro foi o de importante retração da cicatriz após apendicectomia. No entanto o caso mais interessante foi de paciente que após lipoaspiração de abdômen desenvolveu fibrose bastante endurecida de 7 x 6 cm no mesogástrio. À medida que as sessões progrediam, todas as lesões invariavelmente se mostraram mais amolecidas e mais fáceis de injetar, minimizando também a dor do procedimento. Os três casos (100%) tiveram melhora.

Os primeiros sinais de resposta foram diminuição da dor e do prurido, seguidos de amolecimento e achatamento da cicatriz e diminuição do eritema. Para Fitzpatrick, algumas cicatrizes pareciam não responder quando infiltradas uma vez a cada duas ou quatro semanas, porém responderam dramaticamente ao tratamento duas ou três vezes por semana.26 Optamos por manter a frequência quinzenal em nossos pacientes.

Notamos que as cicatrizes hipertróficas responderam melhor do que os queloides e que quanto mais precoce foi o início do tratamento melhor ocorreu a involução da cicatriz, confirmando o achado de alguns autores. Não foi observado surgimento de telangiectasias.

A dor excessiva pode ter sido motivo para os pacientes que abandonaram o tratamento com apenas uma aplicação, mas deve-se considerar que vários casos acompanhados obtiveram uma melhoria satisfatória após apenas uma aplicação. Vários autores relatam dor durante a infiltração em praticamente todos os pacientes,26, 28,29,33 exceto Apikian e Goodman,30 e Sadeghina,31que realizaram bloqueio anestésico local antes da infiltração. Fitzpatrick26 tentou acrescentar lidocaína 2% ao 5-FU, na expectativa de diminuir o desconforto, mas, como a dor mais importante está relacionada à expansão aguda de um tecido endurecido, percebeu ser ineficiente. Começou, então, a testar mesclas contendo acetato de triancinolona 10mg/ml, até chegar à proporção de 1:9, que ele considerou ideal, com menos dor e maior eficácia. Nossa observação foi semelhante; no entanto, concluímos que a maneira menos desconfortável de fazer a infiltração é realizando com destreza punção no ponto escolhido e empurrando o êmbolo da seringa de forma muito lenta para que o tecido distenda lentamente. Portanto, quanto menor o corpo da seringa maior o controle que temos sobre a pressão do líquido infiltrando a pele. Outra variável coerente para o abandono é que alguns pacientes são de comunidades muito humildes e podem ter dificuldade de seguir o tratamento pela distância ou pelo trabalho.

Apikan e Goodman30 utilizaram acetato de betametasona 3mg em suspensão e fosfato sódico de betametasona 3,9mg em solução na proporção de 1:4 de 5-FU em dois casos; os demais autores utilizaram acetato de triancinolona - AT). Gupta,29 Nanda e Reddy,28 e Sadeghina31 usaram 5-FU sem corticoide. Em 2007, um estudo duplo-cego comparou 20 pacientes usando apenas AT e outros 20 pacientes com AT+ 5-FU, mostrando que a combinação foi mais eficaz no tratamento de queloides e cicatrizes hipertróficas, em acompanhamento de 12 semanas.33

A dose máxima diária de 5-FU preconizada para infusão rápida em quimioterapia varia na opinião dos autores de 800mg20 a 1.500mg.26 Considerando que cada seringa com corpo de 1ml e com diluição proporcional de 1:9 contém 45mg de 5-FU, seriam necessárias de 18 a 33 seringas-dose para se atingir a dose máxima. Com exceção das lesões extensas por queimadura, geralmente uma dose de 20-45mg por sessão é suficiente para o tratamento de cicatrizes, portanto com janela terapêutica muito ampla e segura. Esse fato também se reflete de maneira importante no custo do tratamento. Atualmente um frascoampola de 10ml custa cerca de R$ 18,00, portanto cada seringadose contendo 0,9ml de 5-FU custa R$1,62. Talvez o fator mais limitante a seu uso seja o acesso ao medicamento. Normalmente só é disponível em grandes distribuidores de medicamentos hospitalares, que se limitam a fornecer para pessoas jurídicas e/ou compras em grande quantidade. Alternativamente pode-se solicitar o medicamento em centros de oncologia.

Em 2011, Sadeghina31utilizou técnica que denominou "tatuagem" de 5-FU, usando micropunturas. Relata que não houve efeitos adversos.

Nossos resultados são muito positivos se comparados aos resultados reportados anteriormente com 5-FU e outras tratamentos isolados, como infiltração intralesional de corticoide (50 a 100%), criocirurgia (60 a 75%), radiação (72 a 92%), laser de corante pulsado de 585nm (57 a 83%).28

Não houve nenhum caso de ulceração como já relatado pelos autores em ate 21% dos casos.28

Como sugerido por Fitzpatrick26 e Alster e Handrick,34 a infiltração intralesional de 5-FU ainda tem a vantagem de poder ser combinada a outros tratamentos, como corticoide intralesional, laser e criocirurgia para otimização dos resultados, o que poderia também reduzir a duração do tratamento e os efeitos colaterais relacionados à terapia prolongada com única terapêutica.

 

CONCLUSÃO

A infiltração intralesional de 5-FU se coloca como alternativa segura e eficaz para o tratamento de cicatrizes hipertróficas, fibrosas, dolorosas, inestéticas ou que causem limitação funcional. É abordagem terapêutica minimamente invasiva, de baixo custo, de fácil reprodutibilidade, com resultados consistentes e não invalida ou impede outras abordagens em caso de insucesso.

 

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. José de Gervais, chefe do Serviço de Cirurgia Plástica e Reconstrutora da Mão da 11ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, e à Dra. Bogdana Victoria Kadunc todo o estímulo e apoio para a publicação deste trabalho.

 

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Trabalho realizado no Ambulatório de Cirurgia Plástica e Reconstrutora da Mão da 11ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro (2003-2004) e na clínica privada (LDM 2003-2014) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


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