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Novas Técnicas

"Cerquinha" hemostática: técnica pré-incisão cirúrgica

Ival Peres Rosa1; Sergio Henrique Hirata2; Mauro Yoshiaki Enokihara3; Ana Carolina Garcia Pozetti4; Caroline Benevides Farkas5; Anamaria da Silva Facina6

Data de recebimento: 18/9/2014
Data de aprovação: 17/12/2014
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Preocupados em diminuir as complicações cirúrgicas, os autores descrevem técnica inovadora, a "cerquinha" hemostática realizada com pontos cirúrgicos simples interrompidos. Está indicada para lesões de qualquer dimensão, sendo de simples execução e resultando em aumento da segurança do ato cirúrgico.

Keywords: HEMOSTASIA; HEMOSTASIA CIRÚRGICA; PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS AMBULATÓRIOS; SUTURAS.


INTRODUÇÃO

Para todos os cirurgiões a hemostasia é sempre uma preocupação pertinente, tendo sido descritas várias técnicas hemostáticas na literatura.1-3 Paralelamente, nos últimos anos tem sido constatado aumento no número de tumores malignos cutâneos, principalmente entre pacientes imunossuprimidos,4 com indicação de retirada cirúrgica. Essas lesões frequentemente se localizam em áreas muito irrigadas, como o couro cabeludo,5 e podem ter grandes dimensões6 e incidir em portadores de distúrbios de coagulação7 ou em uso de anticoagulantes.

Para auxílio nessas situações, descreve-se uma nova técnica de hemostasia profilática, útil na ressecção de lesões que possam oferecer risco de sangramento intenso. A proposta dos autores é a realização de sutura com pontos simples separados, próximos entre si e distribuídos de maneira a circundar externamente a margem de segurança da lesão a ser excisada. A essa técnica foi atribuída pelos autores a denominação "cerquinha" hemostática.

 

MÉTODO

Inicialmente faz-se a marcação da lesão com margem de segurança adequada. A anestesia local é então realizada de modo que a infiltração do anestésico ocorra em linha que se localiza 5mm além da área programada para a "cerquinha"; se for possível, procede-se a anestesia regional por bloqueio para evitar edema no local. Iniciamos a realização da "cerquinha", que é colocada externamente à margem de segurança. São executados pontos simples interrompidos, lado a lado, com espaço entre si suficiente para que não ocorra sangramento significativo sem interromper a nutrição sanguínea local. No couro cabeludo e em lesões grandes o ideal é fio de náilon 2-0 com agulha de 3cm. O ponto deve ser passado com a agulha em posição perpendicular à pele (no couro cabeludo o ponto deve atingir a gálea aponeurótica), e o nó deve estar bem firme; para tanto, o auxiliar deve segurá-lo com o porta-agulhas. O comprimento da agulha (3cm) é mais importante do que a espessura do fio, posto que ela deve atravessar a pele em toda a sua espessura, o que não seria possível com agulhas mais curtas. A agulha passa profundamente na pele, surge mais adiante, seguindo-se os nós de um ponto simples. Pontos contínuos não são eficientes, por resultar em menor pressão do que a obtida com pontos interrompidos.

Prossegue-se então com a retirada do tumor, estando agora a hemostasia facilitada. Nos casos de fechamento da ferida cirúrgica borda a borda, a "cerquinha" hemostática pode permanecer até a remoção de todos os pontos. Quando se realizam retalhos locais, são retirados os pontos localizados no trajeto de sua incisão; se houver sangramento a "cerquinha" poderá ser ampliada para a região externa à marcação do retalho. Essa técnica pode também ser realizada após o início da cirurgia; em casos de sangramentos significativos, interrompe-se a retirada da lesão e colocam-se os pontos hemostáticos retomando-se a seguir o tempo cirúrgico. As suturas hemostáticas devem permanecer durante duas ou três semanas.

 

RESULTADOS

Observa-se importante redução do sangramento durante o ato cirúrgico. A presença da "cerquinha" hemostática não provoca necrose ou sofrimento das bordas. A utilização dessa técnica em enxertos resulta, sete dias depois, em seu melhor aspecto do que quando empregadas outras técnicas hemostáticas (Figuras 1, 2 e 3).

 

DISCUSSÃO

A "cerquinha" hemostática é indicada em todos os casos em que já se pressupõe que haverá alto risco de sangramento, como, por exemplo, lesões extensas no couro cabeludo ou nariz. Pode ser também realizada mesmo após o início da cirurgia se ocorrer sangramento acima da expectativa. Existem outras maneiras de fazer hemostasia no couro cabeludo, tais como o uso de soro fisiológico com vasoconstritores, compressão manual, pinças kelly comprimindo vasos que sangram, ligadura de vasos, descolamento abaixo da gálea e colocação de grande quantidade de gaze.1, 2

Com a colocação da "cerquinha", no entanto, não há necessidade de controlar a quantidade de gaze utilizada ou o volume de anestésico injetado, o que aumenta a segurança dos procedimentos.

Procedimento similar foi realizado em neurocirurgia em que se utilizou a hemostasia com pontos contínuos feitos antes da incisão.8 Os autores da presente técnica propõem a realização da sutura com pontos simples separados e distribuídos de maneira a fazer um cercado externo à margem de segurança da lesão a ser excisada. Com esse procedimento o sangramento diminui muito, embora não cesse. Isso é uma vantagem, porque podem ser deixados os pontos do cercado, sem que ocorra risco de necrose ou sofrimento da pele. Além disso, essa técnica pode ser realizada também para a remoção de pequenas lesões cutâneas, incluídas as biópsias de couro cabeludo, com pouco sangramento e desfecho rápido. Cigna et al. descreveram método utilizando o anel da tesoura, que, entretanto, só pode ser utilizado para lesões pequenas, além de ocupar uma das mãos do cirurgião,9 diferentemente do método que descrevemos, no qual, após sua realização efetivamente não mais se observa sangramento profuso; é eficiente para qualquer tamanho de lesão e seu emprego redunda em conforto e segurança para o cirurgião no decorrer do ato cirúrgico.

Devemos entender que esse procedimento é prévio à cirurgia propriamente dita e não deve ser confundido com a "bolsa de tabaco" (marsupialização), que é feita depois da remoção da lesão e cuja função é diminuir a ferida cirúrgica.10 Na técnica descrita, os pontos são dados antes da remoção da lesão.

Utilizando-se essa técnica, observamos diminuição significativa do sangramento. Os pontos devem permanecer durante duas ou três semanas após o ato cirúrgico, pois sua retirada precoce pode levar a sangramento significativo, demandando nova sutura. Essa técnica, além de ser útil para cirurgias de couro cabeludo, face, tronco, enfim locais que possam apresentar sangramento significativo, evita complicações decorrentes de outros métodos, como reações granulomatosas,1 ou preocupação com pacientes portadores de marcapasso no caso de uso da eletrocirurgia.2 Outra vantagem da técnica é diminuir a chance de complicações isquêmicas por hematomas devido à realização de sua profilaxia. O método mostrou importantes inovação e auxílio para cirurgiões dermatológicos.

 

CONCLUSÃO

A "cerquinha" hemostática é solução simples que aumenta a segurança na retirada de lesões cutâneas. Essa estratégia permite retirar grandes áreas de couro cabeludo, principalmente em pacientes transplantados, em uso de medicações anticoagulantes e que apresentem várias lesões confluentes na mesma região.

 

Referências

1. Howe N, Cherpelis B. Obtaining rapid and effective hemostasis: Part I. Update and review of topical hemostatic agents. J Am Acad Dermatol. 2013;69(5):659.e1-659.e17.

2. Howe N, Cherpelis B. Obtaining rapid and effective hemostasis: Part II. Electrosurgery in patients with implantable cardiac devices. J Am Acad Dermatol. 2013;69(5):677.

3. Glick JB, Kaur RR, Siegel D. Achieving hemostasis in dermatology-Part II: Topical hemostatic agents. Indian Dermatol Online J. 2013;4(3):172-6.

4. Ho WL, Murphy GM. Update on the pathogenesis of post-transplant skin cancer in renal transplant recipients. Br J Dermatol. 2008;158(2):217-24.

5. Ulrich C, Schmook T, Sachse MM, Sterry W, Stockfleth E. Comparative epidemiology and pathogenic factors for nonmelanoma skin cancer in organ transplant patients. Dermatol Surg. 2004;30(4 Pt 2):622-7.

6. Panajotovic L, Dordevic B, Pavlovic MD. A giant primary cutaneous melanoma of the scalp--can it be that big? J Eur Acad Dermatol Venereol. 2007;21(10):1417-8.

7. Leonard AL, Hanke CW, Greist A. Perioperative management of von Willebrand disease in dermatologic surgery. Dermatol Surg. 2007;33(4):403-9.

8. Sakhai H. Hemostatic control of scalp incisions. Technical note. J Neurosurg. 1989;70(1):142.

9. Cigna E, Buccheri EM, Monarca C, Scuderi N. Hemostasis in skin surgery. Aesthetic Plast Surg. 2008;32(4):702.

10. Cohen PR, Martinelli PT, Schulze KE, Nelson BR. The purse-string suture revisited: a useful technique for the closure of cutaneous surgical wounds. Int J Dermatol. 2007;46(4):341-7.

 

Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - São Paulo (SP), Brasil.


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