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Relato de casos

Síndrome de Gorlin Goltz: relato de um caso exuberante

Lidicie Natalia Braga de Oliveira1; Fernanda Tolstoy2; Dolival Lobão3

Data de recebimento: 13/01/2014
Data de aprovação: 01/04/2014
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

A síndrome do nevo basocelular, também conhecida como síndrome de Gorlin Goltz, é doença autossômica dominante que se apresenta com o desenvolvimento de carcinomas basocelulares em pacientes jovens entre outros achados clínicos e radiológicos. Como essa síndrome tende a ser doença sistêmica, o melhor entendimento a seu respeito pelas diversas especialidades médicas é importante para o diagnóstico precoce, permitindo tratamento e prevenção secundária adequados. No caso descrito, apresentamos um paciente adulto com múltiplos carcinomas basocelulares exuberantes difusos pelo corpo há 10 anos.

Keywords: SÍNDROME DO NEVO BASOCELULAR; CARCINOMA BASOCELULAR; CISTO EPIDÉRMICO


INTRODUÇÃO

Síndrome do Gorlin Goltz ou síndrome do nevo basocelular é doença autossômica dominante que se caracteriza pelo aparecimento precoce de tumores basocelulares, podendo apresentar também outras anormalidades fenotípicas, como, por exemplo, depressões puntiformes palmoplantares, cistos odontogênicos de mandíbula, anormalidades nos arcos costais.1

As lesões cutâneas de carcinoma basocelular (CBC) assim como outras alterações na pele podem estar presentes desde o nascimento ou desenvolver-se na infância, sendo, entretanto, mais frequente seu surgimento entre a puberdade e os 35 anos de idade. O número e o tipo de lesões podem variar dentro de uma mesma família, e há forte diferença entre as manifestações clínicas nas populações negra e branca.1,2

Em muitos casos, as lesões cutâneas de CBC podem lembrar nevos ou fibromas, e seu real diagnóstico às vezes pode ser suspeitado apenas com uma boa história clínica, história familiar e outros aspectos clínicos e físicos associados ao paciente.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 39 anos, branco, natural e procedente da Bahia, agricultor, encaminhado ao Instituto Nacional do Câncer (INCA) com queixa do surgimento de lesões tumorais difusas pelo corpo, de crescimento progressivo há aproximadamente 20 anos. Relatava exérese prévia de algumas lesões e negava tanto história familiar semelhante quanto outras comorbidades.

Ao exame dermatológico apresentava múltiplas lesões tumorais na face (Figura 1), tronco e membros superiores, algumas ulceradas, sugestivas de carcinoma basocelular (CBC), além de lesões nódulo-císticas difusas pelo dorso e membros superiores (Figura 2: A, B e C). Apresentava também pittings palmares em grande número. Ausência de deficit cognitivo ou alterações neurológicas (Figura 3).

Durante a investigação foi solicitada tomografia de crânio e face, que apresentou espessamento cutâneo de aspecto exofítico, com infiltração das fossas lacrimais, região malar e lábio superior; ectasia do sistema ventricular supratentorial; extensa calcificação da foice e do tentório; múltiplas formações expansivas líticas de aspecto insuflativo, esparsas na maxila e mandíbula, compatíveis com queratocistos, e osteoma séssil na parede anterior do seio frontal direito.

Foi realizada também biópsia das lesões tumorais e nódulo-císticas, com laudo histopatológico compatível com CBC e cisto epidérmico, respectivamente. Com os achados clínicos, radiológicos e histopatológico concluiu-se tratar da síndrome de Gorlin Goltz com achados clínicos exuberantes.

 

DISCUSSÃO

A síndrome do nevo basocelular (SNBC) ou de Gorlin Goltz é hereditária, de transmissão autossômica dominante, de alta penetrância e de expressividade variável, caracterizada pela mutação do gene PTCH1 - que é supressor tumoral. A prevalência estimada varia de 1/57.000 a 1/256.000 pessoas, sendo mais comum na raça branca.2

O gene PTCH1, mapeado no cromossoma 9 (q22.3-q31), desempenha papel fundamental no controle do crescimento e desenvolvimento dos tecidos normais. O produto do gene é um componente proteico transmembrana (Ptc, de patched) que, na presença da proteína Sonic Hedgehog, ativa outro componente proteico transmembrana (Smo, de smoothened). A ativação deste último promove a transcrição, em determinadas células, de genes que codificam proteínas sinalizadoras pertencentes às famílias do TGF-beta (transforming growth factor beta) e WNT (wingless-type MMTV integration site), facilitando processos de crescimento e diferenciação celular.3,4

Os sinais e sintomas característicos da síndrome foram registrados por Jarish em 1894. Em 1960, Gorlin e Goltz os descreveram como uma tríade, incluindo o CBC, queratocistos numerosos nas mandíbulas e anormalidades esqueléticas, o que deu origem à designação de síndrome de Gorlin-Goltz.5

Os critérios de diagnóstico para a síndrome do nevo basocelular, estabelecidos por Evans et al. e modificados por Kimonis et al. em 1997, estão enumerados na quadro 1, e o diagnóstico é confirmado quando dois critérios maiores ou um maior e dois menores estão presentes.6

No caso clínico relatado, o paciente apresentava três critérios maiores (CBCs múltiplos, pittings palmares e calcificação da foice cerebral). Os queratocistos odontogênicos não tinham comprovação histológica.

Cistos epidérmicos não são achados frequentes na SNBC, mas há alguns poucos casos que relatam essa manifestação.7 A idade média para o surgimento dos CBCs varia entre 20 e 21 anos. Variáveis em número, desde alguns até centenas, podem ocorrer em qualquer área do corpo, seja ela exposta ou não à radiação solar.8 Os CBCs apresentam comportamento clínico também variável, podendo ser muito agressivos desde o início, especialmente na face. A predisposição ao desenvolvimento de CBCs parece ser devida ao fato de as células afetadas pela mutação serem mais susceptíveis à luz solar, em função do mecanismo de reparação do DNA alterado pela mutação.9

Os queratocistos de mandíbula ocorrem em 75% dos pacientes e recorrem 60% das vezes; 70% dos pacientes apresentam hipertelorismo, que às vezes está associado ao alargamento na raiz nasal, e aproximadamente 80% apresentam depressões palmares ou plantares.6

A terapêutica visa à excisão completa dos tumores, principalmente dos CBCs e dos queratocistos odontogênicos. Uma vez que a facilitação da via de sinalização da Sonic Hedgehog é permissiva no desenvolvimento tumoral, o tratamento farmacológico específico (Vismodegib) dirigido à inibição dessa via poderá vir a ser a estratégia terapêutica futura.10

No caso exposto a conduta terapêutica não foi tomada no serviço devido à transferência do paciente para sua cidade de origem.

 

CONCLUSÃO

O diagnóstico e a terapêutica da síndrome de Gorlin Goltz requerem abordagem multidisciplinar por dermatologistas, cirurgiões plásticos, cirurgiões de cabeça e pescoço, neurologistas e neurocirurgiões. O aconselhamento genético e o rastreio de familiares são essenciais. É necessária a conscientização da extrema sensibilidade desses doentes referente à radiação ionizante, com potencialidade de desenvolvimento de neoplasias múltiplas, em particular CBCs e meningiomas.

 

Referências

1. Kiwilsza M, Sporniak-Tutak K. Gorlin-Goltz syndrome - a medical condition requiring a multidisciplinary approach. Med Sci Monit, 2012;18(9):RA145-53.

2. Manfredi M, Vescovi P, Bonanini M, Porter S. Nevoid basal cell carcinoma syndrome: a review of the literature. Int J Oral Maxillofac Surg. 2004;33(2):117-24.

3. Wicking C, Bale AE. Molecular basis of the nevoid basal cell carcinoma syndrome. Curr Opin Pediatr. 1997;9(6):630-5.

4. Farndon PA, Del Mastro RG, Evans DG, Kilpatrick MW. Location of gene for Gorlin syndrome. Lancet. 1992;339(8793):581-2

5. Baliga SD, Rao SS. Nevoid-basal cell carcinoma syndrome: a case report an overview on diagnosis and management. J Maxillofac Oral Surg. 2009;9(1):82-6.

6. Kimonis VE, Goldstein AM, Pastakia B, Yang ML, Kase R, DiGiovanna JJ, et al. Clinical manifestations in 105 persons with nevoid basal cell carcinoma syndrome. Am J Med Genet. 1997;69(3):299-308.

7. Morice-Picard F, Sévenet N, Bonnet F, Jouary T, Lacombe D, Taieb A. Cutaneous Epidermal Cysts as a Presentation of Gorlin Syndrome. Arch Dermatol. 2009;145(11):1341-3.

8. Shanley S, Ratcliffe J, Hockey A, Haan E, Oley C, Ravine D, et al. Nevoid basal cell carcinoma syndrome: Review of 118 affected individuals. Am J Med Genet. 1994.50(3):282-90.

9. Bale AE. The nevoid basal cell carcinoma syndrome: genetics and mechanism of carcinogenesis. Cancer Invest. 1997;15(2):180-6.

10. Cirrone F, Harris CS. Vismodegib and the hedgehog pathwqy: a new treatment for basal cell carcinoma. Clin Ther. 2012;34(10):2039-50.

 

Trabalho realizado no Instituto Nacional do Câncer (Inca) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


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