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Artigo Original

Cicatrizes hipertróficas e queloides: tratamento com cirurgia e infiltração de methotrexate - estudo-piloto

Tatiana Gandolfi de Oliveira1; Rossana Cantanhede Farias de Vasconcelos2; Lilian Mayumi Odo3; Marina E.Y. Odo4

Data de recebimento: 16/03/2014
Data de aprovação: 13/06/2014
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: Várias modalidades terapêuticas têm sido utilizadas para o tratamentos de queloides e cicatrizes hipertróficas. Objetivo: Tratamento de queloides e cicatrizes hipertróficas com excisão e injeção intralesional de methotrexate. Métodos: Neste estudo aberto de intervenção terapêutica 11 pacientes foram tratados. Exames laboratoriais e fotos foram realizados antes, durante e após tratamento. Após a excisão das lesões, a sutura foi infiltrada com methotrexate a partir do sétimo dia, semanalmente, durante seis meses. A dose semanal foi de 2,5mg/10cm de sutura, e a dose máxima de 5mg por indivíduo. A avaliação foi feita pelo médico e pelo paciente. Resultados: Seis meses após o término do tratamento, não ocorreu recidiva da lesão em cinco casos, houve recidiva parcial em seis casos e nenhuma recidiva total. Não houve alteração dos exames laboratoriais. Conclusões: A dose máxima semanal de 5mg de methotrexate durante seis meses utilizada neste estudo-piloto para tratamento de queloides e cicatrizes hipertróficas é segura e dificulta a recidiva. São necessários mais estudos para complementar este trabalho.

Keywords: QUELOIDE; CICATRIZ HIPERTRÓFICA; TERAPÊUTICA; PELE.


INTRODUÇÃO

As primeiras descrições de tratamento de queloides mencionam técnicas usadas no Egito ainda em 1700 a.C. Em 1806, Alibert usou o termo queloide para descrever o crescimento lateral de tecido em pele lesionada. Essas lesões resultam de proliferação de tecido dérmico após injúria da pele,1 que se estende além das bordas da lesão original, diferente da cicatriz hipertrófica, restrita aos limites do trauma.2 Queloides apresentam tendência a recorrência e geralmente não regridem espontaneamente.2-4

O tecido proliferado é constituído pelo aumento do colágeno e dos glicosaminoglicanos.1 A fisiopatologia é pouco compreendida e inclui alterações de fatores de crescimento, turn over de colágeno, tensão na área acometida, alem de contribuições genéticas e imunológicas.3-5

A reparação tecidual ocorre em quatro fases. A primeira é a hemostática. Logo após o trauma ocorrem a vasoconstrição e a formação de tampão hemostático primário pelas plaquetas com ativação da cascata de coagulação. A segunda fase é a inflamatória, e, nela, do primeiro ao terceiro dia, ocorrem aumento da permeabilidade vascular, estimulação da formação de RNA e colágeno e alterações endoteliais. Eritrócitos, plaquetas e polimorfonucleares migram para a lesão promovendo fagocitose e degradação de colágeno. A terceira fase é a proliferativa, na qual ocorre a produção de colágeno. Nessa fase, que dura do terceiro ao 24º dia, qualquer deficiência dos elementos precursores da cicatrização altera a formação do tecido de granulação, e a proliferação neovascular e dos fibroblastos. Na quarta fase, que pode durar de meses a anos, o colágeno sofre remodelação e forma a cicatriz madura.6

A incidência da formação de queloides é em torno de 4-16% da população, atingindo todos os grupos, embora rara em recém-nascidos e idosos, e aumentada em indivíduos entre 10 e 20 anos, asiáticos e negros.7

Seu manejo pode ser difícil e frustrante.5,7,8 Várias modalidades terapêuticas têm sido indicadas, incluindo corticosteroides tópicos e intralesionais, crioterapia, cirurgia, procedimentos com laser, silicone, radioterapia e outras opções em regime experimental, como: interferon, 5-fluoracil, retinoides, verapamil, imiquimod, bleomicina, tamoxifeno, tacrolimus, toxina botulínica e uma terapia promissora com o uso de fator transformador de crescimento TGF-beta3 e interleucina recombinante humana 10 dirigidos contra o crescimento do colágeno.

Há tendência à individualização do tratamento dependendo de distribuição, tamanho, espessura, consistência das lesões e presença de inflamação.5,9 A combinação de terapias parece ser a melhor opção,9 e, segundo Leventhal e cols., em metanálise realizada com vários tratamentos, não houve diferença estatisticamente significativa entre eles.10

Uma das principais regras do tratamento de queloides é a prevenção, que pode ser feita com o uso de terapias compressivas, diminuindo a tensão em cicatrizes, e evitando procedimentos desnecessários em pacientes predispostos a aberrações cicatriciais.1,3

A cirurgia excisional como terapia única mostra taxa de recorrência entre 45% e 100%, sendo em geral utilizada associada a outras modalidades, como radioterapia, interferon, corticosteroides e imiquimod.1

Há poucos relatos na literatura sobre o uso do methotrexate como alternativa terapêutica para queloide. Em estudo de Muzaffar e cols. de 200411 foi utilizado o methotrexate por via sistêmica em baixas doses por tempo curto após cirurgia de sindactilia. Ha também um relato de Onwukwe em 198012 do uso sistêmico do methotrexate associado a cirurgia.

A ação do methotrexate se dá através da inibição competitiva da enzima dihidrofolato redutase, a qual é reponsável pela conversão do ácido fólico em tetra-hidrofolato, sendo este cofator necessário à transferência de carbono de muitas reações metabólicas, incluindo a síntese de bases púricas e timidilato sintetase. A proliferação celular é afetada porque diminui a síntese de timidilato sintetase e, consequentemente, de precursores de nucleótidos que integram o DNA e RNA, afetando a reparação e replicação de ácidos nucleicos. Os tecidos com maior atividade metabólica e maior crescimento celular são os mais afetados, o que explica alguns efeitos farmacológicos, secundários e tóxicos.11,12

Para calcular a dose semanal, utilizamos as bases do tratamento de psoríase em que a dose mínima de 2,5 a 5mg é usada para manutenção.13

 

OBJETIVO

Tratamento de queloide com excisão e infiltração intralesional de methotrexate.

 

MÉTODOS

Neste estudo aberto de intervenção terapêutica, foram selecionados 15 pacientes com queloides ou cicatrizes hipertróficas, sendo cinco do sexo masculino e dez do sexo feminino, atendidos no ambulatório da Clínica Dermatológica da Universidade de Santo Amaro (Unisa), São Paulo, Brasil. Quatro homens e seis mulheres apresentavam queloides, e um homem e quatro mulheres portavam cicatrizes hipertróficas. Onze pacientes completaram o estudo, sendo nove do sexo feminino e dois do sexo masculino. As regiões tratadas foram: ombro (Figura 1), regiões periauricular (Figura 2), cervical, pré-esternal, abdominal, infraumbilical, abdominal suprapúbica (Figura 3), dorsal lateral, lombar e do cavo poplíteo. O estudo foi conduzido segundo as normas preconizadas pelo Comitê de Ética da instituição.

Exames prévios foram realizados: hemograma, TGO, TGP, bilirrubinas totais e frações, ureia, creatinina, CEA, Papanicolaou em mulheres, PSA em homens e radiografia de tórax. Os exames foram realizados, antes do tratamento, aos três e aos seis meses.

A lesão foi completamente excisada em elipse, e os pontos foram subcutâneos acompanhados de sutura contínua na pele, tendo sido removidos após quatro semanas. A linha de sutura foi infiltrada intralesionalmente com methotrexate a partir do sétimo dia após a cirurgia, semanalmente, durante seis meses. A dose semanal foi de 2,5mg diluída em soro fisiológico, em suturas de até 10cm. Não houve aplicação de doses superiores a 5mg/20cm. Antes da aplicação a pele foi infiltrada com lidocaína a 2% para diminuir a sensação de ardor causada pelo medicamento.

Em um dos casos escolhemos quatro lesões de queloides de tamanhos semelhantes em igual região para fazer exérese cirúrgica com sutura de três lesões, deixando a quarta para controle, sem cirurgia e sem infiltrações. Das três excisadas, aplicou-se methotrexate em uma, corticoide de depósito (5mg triancinolona) em outra, sendo a terceira seguida sem infiltrações associadas.

A análise foi feita com fotos antes, durante e depois de seis e 12 meses (Figura 4). Alguns casos retornaram até 24 meses após o término do tratamento. A lesão foi analisada pelo médico e pelo paciente quanto à estética final.

 

RESULTADOS

Dos 15 casos selecionados houve desistência de quatro pacientes, sendo um do sexo feminino e três do sexo masculino. Entre os 11 casos tratados houve recidiva parcial em seis e ausência de recidiva em cinco, sendo dois de queloide e três de cicatriz hipertrófica. Nenhum apresentou recidiva total. As recidivas parciais foram classificadas em mínima e moderada. As mínimas ocorreram em dois casos, um de queloide e um de cicatriz hipertrófica, e as moderadas somaram quatro, sendo três casos de queloide e um de cicatriz hipertrófica (lesão de ombro, um dorsal lateral, dois pré-esternais).

Quanto à estética final, todos os casos apresentaram sutura alargada mesmo deixando os pontos externos durante quatro semanas. A hiperpigmentação inestética da região infiltrada ocorreu em todos os casos, clareando pouco ao longo de seis meses de controle.

Quanto ao caso que teve quatro lesões tratadas com três diferentes métodos e um controle, sendo: a) cirurgia mais infiltrações de methotrexate, b) cirurgia mais infiltrações de corticoide, c) apenas cirurgia e d) sem cirurgia e sem infiltrações, os resultados foram: a) estabilidade da evolução sem recidiva, mas com alargamento e hipercromia da cicatriz após seis meses da última sessão de methotrexate; b) hipocromia e recidiva da cicatriz seis meses após a última sessão;(Figura 5) c) recidiva do queloide logo após a cirurgia, evoluindo sem remissão até o sexto mês após procedimento; d) evolução inalterada.

Nenhum dos pacientes apresentou alteração nos exames laboratoriais.

 

DISCUSSÃO

O trabalho visa melhorar a estética de cicatrizes hipertróficas e quelóides. Silicones oclusivos, infiltrações de corticoides, criocirurgias, excisões cirúrgicas associadas a betaterapias, e aplicações de laser de CO2, Nd:YAG e Dye laser são os tratamentos mais frequentes na clínica diária que previnem as cicatrizes aberrantes, com mais ou menos eficácia.1

Este estudo utilizou infiltrações de methotrexate durante seis meses após a excisão cirúrgica das lesões e acompanhamento durante mais seis meses após o término das infiltrações.

Recente estudo de Smith14 relata que ainda há pouca informação disponível sobre a história natural e o prognóstico da formação de queloides. Em sua casuística, o número médio de anos para resolução do queloide com o tratamento foi de11,4.

O longo período de aplicações em nosso estudo dificultou a adesão de pacientes principalmente do sexo masculino. A retirada de pontos quatro semanas após a cirurgia foi devida ao risco de deiscência, e mesmo assim houve alargamento da cicatriz. A dose utilizada é de 2,5mg (os frascos injetáveis de methotrexate têm 50mg/2ml) ou seja, 0,1ml é diluído em 0,9ml SF. Essa dose é suficiente para cicatrizes sem tensão e de até 10cm de comprimento. A injeção é muito dolorida, por isso fez-se infiltração prévia de lidocaína a 2% com vasoconstritor ao longo da cicatriz cirúrgica. Em lesões maiores ou em áreas de tensão, utilizaram-se 5mg como dose máxima por semana, não se observando alterações laboratoriais durante e após a aplicação de methotrexate, demonstrando segurança para essa dose. Notamos também que a localização do queloide é importante. Na região pré-esternal e em zonas de distensão, como ombro e dorsal lateral, houve recidiva moderada; portanto, a dose de 2,5mg para 10cm de cicatriz pode ser insuficiente. Houve um caso da região esternal em que a recidiva parcial ocorreu antes do término das sessões. Devido ao número baixo de casos, não podemos afirmar se há diferença no resultado entre os dois sexos e entre os dois tipos de lesões abordadas. O estudo de meta-análise à procura do melhor tratamento para queloide e cicatriz hipertrófica, conduzido por Leventhal10 em revisão de 70 trabalhos da literatura disponível até outubro de 2005, concluiu que 60% dos casos têm melhora com os tratamentos e que não há diferença estatisticamente significativa entre eles, bem como que a maioria dos tratamentos resulta em pequena probabilidade de melhora e que mesmo aquele que apresenta longo período de sintomas clínicos controlados estaria distante da cura.

No caso em que foi comparada a evolução dos queloides com corticoide e controles, notamos que o methotrexate apresentou melhor estabilidade da cicatriz em relação ao corticoide de depósito após o término das aplicações. A cicatriz infiltrada com corticoide evoluiu com leve atrofia e hipocromia até a última sessão, mas a recidiva se iniciou dois meses após o fim do tratamento, completando-se aos seis meses. Esse caso foi acompanhado durante dois anos após o término do tratamento, mantendo-se inalterado o resultado obtido. Outros recursos utilizando tratamentos comparativos podem ser feitos, com número maior de casos.

 

CONCLUSÃO

Com a aplicação de 2,5mg de methotrexate para cada 10cm após excisão cirúrgica de queloides ou cicatrizes hipertróficas em 11 casos tratados, não houve recidiva em cinco casos; ocorreu recidiva parcial em seis, sendo mínima em dois e moderada em quatro casos. Não foi observada recidiva total. Os casos foram acompanhados durante seis meses após o término das aplicações. A dose máxima de 5mg mostrou segurança até o prazo de seis meses após o término do tratamento, não havendo alteração dos exames laboratoriais. Mais estudos são necessários para complementar este trabalho.

 

Referências

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2. Gailloud-Matthieu MC, Raffoul W, Egloff DV. Hypertrophic scars and keloids: which therapeutic options today?. Rev Med Suisse Romande. 1999;119(9):721-8.

3. Uriost SS, Arndt KA, Dover JS. Keloids and hypertrophic scars: review and treatment strategies. Semin Cutan Med Surg. 1999;18(2):159-71.

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5. Al-Attar A, Mess S, Thomassen JM, Kauffman CL, Davison SP. Keloid pathogenesis and treatment. Plast Reconstr Surg. 2006;117(1):286-300.

6. Gonçalves G, Parizotto NA. Fisiopatologia da reparação cutânea: atuação da fisioterapia. Rev Bras Fisiot. 1998;3(1):5-13..

7. Brudnik U, Podolec-Rubi M, Wojas-Pelc A. Therapeutic problems connected with keloid treatment-new treatment possibilities. Przegl Lek. 2006;63(9):803-6.

8. Hackert L, Aschoff R, Sebastian G. The treatment of keloids. Hautarzt. 2003;54(10):1003-15.

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10. Leventhal D, Furr M, Reiter D. Treatment of keloids and hipertrophic scars: a meta-analysis and review of literature. Arch Facial Plast Surg. 2006;8(6):362-8.

11. Muzaffar AR, Rafols F, Masson J, Ezaki M, Carter PR. Keloid formation after syndactyly reconstruction: associated conditions, prevalence, and preliminary report of a treatment method. J Hand Surg Am. 2004;29(2):201-8.

12. Onwukwe F. Treating Keloids by Surgery and Methotrexate. Arch Dermatol. 1980;116(2):158.

13. Marques AS. Metotrexate na psoríase. Consenso Brasileiro de Psoríase. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Dermatologia; 2009. p. 63-8.

14. Smith OJ, McGrouther DA. The natural history and spontaneous resolution of keloid scars. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2014;67(1):87-92.

 

Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia da Universidade de Medicina de Santo Amaro - São Paulo (SP), Brasil.


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