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Artigo Original

Correção de assimetrias e discinesias faciais com toxina botulínica tipo A

Maria Cristina Cardoso de Mendonça1; Maria Gabriela Araújo Lopes2; Rosana Rocon Siqueira2; Fernanda Queiroz de Oliveira3; Gianne Pascoal3; Aloísio Carlos Couri Gamonal4

Data de recebimento: 23/03/2014
Data de aprovação: 13/06/2014
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: A paralisia facial desencadeia assimetrias e outras modificações faciais funcionais e estéticas, que levam a desordens físicas e psicológicas significativas. A toxina botulínica tipo A, por ser terapêutica segura, eficaz e bem tolerada, torna-se boa opção no tratamento dessas condições. Objetivo: Demonstrar a melhora clínica e o grau de satisfação de pacientes portadores de assimetrias e discinesias faciais, tratados com injeções de toxina botulínica tipo A realizadas por dermatologistas. Métodos: Foram selecionados pacientes com assimetrias e discinesias faciais, no período entre janeiro de 2011 e dezembro de 2013, para receber injeções de toxina botulínica no lado normal da face, visando diminuir a atividade muscular nos casos de hemiparesia facial, ou diretamente nos músculos afetados, em casos de discinesia. As avaliações clínicas e os registros fotográficos nas posições estática e dinâmica foram feitos nos dias da primeira aplicação (D0) e 15 dias após (D15). Cada paciente foi reagendado para uma próxima sessão em até 120 dias. Resultados: Após a aplicação da toxina houve melhora clínica, com suavização das assimetrias e discinesias apresentadas no início do tratamento. Notou-se importante melhora na qualidade de vida dos pacientes, com impacto positivo em diferentes âmbitos de sua vida pessoal. Conclusões: A terapêutica com toxina botulínica tipo A, realizada por dermatologistas com experiência no manejo desse procedimento em outras condições, mostrou ser importante alternativa no tratamento das assimetrias e discinesias faciais.

Keywords: ASSIMETRIA FACIAL; PARALISIA FACIAL; QUALIDADE DE VIDA; TOXINAS BOTULÍNICAS TIPO A.


INTRODUÇÃO

As paralisias e discinesias craniofaciais desencadeiam modificações funcionais e estéticas, que acarretam desordens físicas e psicológicas. No caso da paralisia facial, há contração excessiva do lado contralateral ao paralisado, pois não há musculatura oponente efetiva. O lado não paralisado apresenta desvio das regiões nasal, labial e orbital, mesmo quando os músculos estão em repouso. Assim, ocorre rotação da face para o lado não afetado pela paralisia, causando encurtamento dessa hemiface. O tratamento da assimetria facial resultante visa restabelecer o equilíbrio muscular e recobrar a simetria nos estados de repouso e movimento.1,2 Técnicas cirúrgicas são, na maioria das vezes, ineficazes, além de apresentar risco de complicações.2 A toxina botulínica tipo A, por ser terapêutica segura, eficaz e bem tolerada, torna-se boa opção no tratamento dessas condições patológicas, com a vantagem de ser disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS).3,4 Tem sido usada para tratar sincinesias,5 hiperlacrimejamento,6 hipercinesias7 e sequelas nas regiões frontal e mandibular, secundárias à ritidoplastia.8 Os resultados têm sido tão significantes, que é considerada por muitos o melhor tratamento para os efeitos motores e autonômicos causados por regeneração neural aberrante.6 Com base na habilidade do dermatologista, adquirida na aplicação de toxina botulínica em sua prática diária para o tratamento de várias dermatoses, incluindo o envelhecimento facial, objetiva-se, com este trabalho, demonstrar a segurança e eficácia do procedimento quando realizado por esse profissional, bem como a melhora clínica e o grau de satisfação dos pacientes a ele submetidos.

 

MÉTODOS

Foi realizado estudo não randomizado, paralelo, no Serviço de Dematologia do Hospital Universitário da UFJF (Juiz de Fora, MG) incluindo 12 pacientes com assimetrias faciais, provenientes do Ambulatório de Dermatologia ou encaminhados por outras especialidades no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2013.

Foram selecionados pacientes com assimetrias importantes ou discinesias faciais, sem tratamento prévio, com idade entre 20 e 80 anos e não portadores de doenças neuromusculares.

O produto utilizado no estudo foi fornecido a cada um deles pelo SUS, (Botox® Allergan Pharmaceuticals, Irwine, California e Prosigne® Lanzhou Biological Products Institute, China). A toxina foi aplicada, em doses individualizadas de acordo com a necessidade de cada paciente, com a finalidade de enfraquecer a musculatura facial da hemiface não afetada pela paralisia, e diretamente na musculatura responsável pela discinesia. As avaliações clínicas foram realizadas no primeiro dia do procedimento (D0) e 15 dias após (D15). Os pacientes foram fotografados em cada visita nas posições estática e dinâmica, utilizando-se a mesma câmera digital, em iluminação ambiente e posições padronizadas (Figuras 1 a 3). Cada paciente foi reagendado para uma próxima sessão em até 120 dias depois da última aplicação. O estudo seguiu as orientaçoes éticas emanadas da declaraçao de Helsinki de 2000, revista em 2008.

 

RESULTADOS

Os 12 pacientes selecionados apresentaram média de idade de 56,4 anos, sendo nove (75%) do sexo feminino e três (25%) do sexo masculino. A etiologia das assimetrias incluiu tumores do sistema nervoso central, cirurgias, paralisia de Bell e causas indeterminadas (Tabela 1). O total de doses em cada aplicação variou, conforme as necessidades individuais, entre 8,2 e 51 unidades por aplicação. Os pacientes foram questionados quanto ao grau de satisfação em geral após o tratamento (Tabela 2) e foram convidados a avaliar o índice de satisfação em diferentes aspectos de seu cotidiano, utilizando notas que variaram de 1 a 5, sendo 1 para melhora discreta e 5 para excelente melhora. Na avaliação referente à influência no trabalho utilizou-se a expressão "não se aplica (NA)" para os pacientes já afastados de suas atividades laborais (Tabela 3). Observou-se alto índice de satisfação dos pacientes após a correção das assimetrias, assim como melhora em seus relacionamentos pessoais e sua vida social e profissional. Como complicações foram encontrados dois casos de lagoftalmo, e um de cefaleia. Tais sintomas foram transitórios e não acarretaram transtornos aos pacientes.

 

DISCUSSÃO

A paralisia facial e as discinesias craniofaciais desencadeiam alterações na fala, no sorriso, na deglutição e na mastigação, fato que pode acarretar sérios danos à capacidade do paciente de expressar emoções e a sua própria imagem.1,3 Na paralisia facial, os músculos não afetados tornam-se hipercinéticos, gerando desequilíbrio, por falta de ação de seus oponentes.1,2 As discinesias são definidas como movimentos involuntários da musculatura da face e do pescoço, incluindo o blefaroespasmo, caracterizado por fechamento bilateral espasmódico e involuntário das pálpebras9 e o espasmo hemifacial que consiste na contração tônico-clônica unilateral e de músculos inervados pelo nervo facial ipsilateral. São frequentemente acompanhados por outras alterações sensoriais (distúrbios visuais ou auditivos), motores (fraqueza da musculatura facial, trismo, bruxismo, disartria) e/ou autonômicas (lacrimejamento e salivação). Os espasmos musculares iniciam-se na região periocular e progridem para a região perioral e músculos mastigatórios.10 As principais etiologias da assimetria facial incluem acidentes vasculares cerebrais, lesões cirúrgicas, lesões traumáticas, paralisia de Bell, tumores intracerebrais e a paralisia de etiologia indeterminada.2 O tratamento da paralisia facial visa recuperar a simetria, no estado estático e dinâmico, que é seriamente afetada pela progressiva hipercinesia contralateral.1,2 Uma boa opção terapêutica é a toxina botulínica tipo A por ser segura, eficaz e bem tolerada. No espasmo hemifacial é considerada o tratamento de escolha.11 Na literatura são poucos os relatos, por dermatologistas, sobre o tratamento das assimetrias faciais com o uso da toxina botulínica, apesar de vir sendo utilizada desde a década de 1970 no tratamento de uma série de condições relacionadas a contrações musculares anormais.3,4 Funciona bloqueando a liberação de acetilcolina na junção neuromuscular, impedindo a contração do músculo.3,12 No espamo hemifacial é utilizada diretamente no músculo afetado, bloqueando sua ação involuntária. Tem sido empregada para o tratamento da hipercinesia facial, no lado não afetado pela paralisia, sendo descrita a necessidade de dose total maior, porém com duração da ação similar quando utilizada para outras finalidades.3 Em nosso estudo, a quantidade de unidades variou entre 8 e 51, com reaplicações periódicas após intervalo de 90 a 120 dias da sessão anterior. Eventos adversos são raros com injeções da toxina na face e estão associados ao uso de doses elevadas.12 Neste estudo não houve complicações precoces, como hematomas, infecção ou alergias à toxina, e nem complicações irreversíveis. Evidenciamos complicações transitórias em três pacientes de todos os avaliados, tendo dois apresentado lagoftalmo e um cefaleia. Houve melhora da mobilidade do lado acometido pela paralisia, como efeito secundário à aplicação da toxina botulínica no lado não acometido. As diversas etiologias das assimetrias faciais, as variedades na anatomia e a força da musculatura tornam difícil a padronização dos pontos a injetar, bem como a quantidade de unidades a usar em cada um deles, sendo a experiência do profissional executante um importante fator.13 O uso da toxina botulínica na área da cosmiatria permitiu ao dermatologista domínio em sua utilização. Aliando esse conhecimento à grande visão estética adquirida por esse profissional ao longo de sua prática clínica, pode-se afirmar que o dermatologista é capaz de tratar com sucesso tais pacientes, conforme corroborado pelos resultados obtidos neste estudo. O tratamento das assimetrias é extremamente gratificante, pois proporciona ao paciente reintegração social e autoaceitação. O índice de satisfação dos pacientes é alto em contraste com as baixas taxas de efeitos adversos.1-3

 

CONCLUSÃO

A toxina botulínica tipo A mostrou-se importante alternativa no tratamento das assimetrias faciais. Acarreta melhora da autoimagem e habilidade expressiva, gerando impacto social positivo e maior qualidade de vida para os pacientes submetidos ao tratamento. Os dermatologistas são profissionais capazes de tratar com sucesso tais imperfeições, conforme evidenciado pela melhora clínica, pelo alto grau de satisfação dos pacientes submetidos ao procedimento e pelos poucos e limitados eventos adversos. Entretanto são necessários estudos mais abrangentes, realizados por dermatologistas, para consolidar a aptidão de tais profissionais para tratar as assimetrias faciais com toxina botulínica.

 

Referências

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13. Salles AG, Toledo PN, Ferreira MC. Botulinum toxin injection in long- standing facial paralysis pacients: improvement of facial symmetry observed up to 6 months. Aesth Plast Surg. 2009;33(4):582-90.

 

Trabalho realizado no Núcleo de Pesquisa em Dermatologia (Nupede) do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) - Juiz de Fora (MG), Brasil.


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