4918
Views
Open Access Peer-Reviewed
Relato de casos

Reconstrução de pálpebra inferior com retalho cutâneo e enxerto de mucosa oral

Marcela Duarte Villela Benez1; Deborah Sforza2; Danielle Mann3; Solange Cardoso Maciel Silva4

Data de recebimento: 01/05/2013
Data de aprovação: 10/03/2014
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Ao longo dos últimos séculos, várias cirurgias para reconstrução de pálpebra foram desenvolvidas, talvez devido à complexidade dessa área anatômica. Tumores maiores do que dois terços da pálpebra inferior impossibilitam seu fechamento direto e requerem reconstrução cirúrgica que preserve a anatomia da pálpebra. O objetivo deste artigo é mostrar uma técnica de reconstrução da pálpebra inferior com mucosa jugal, retalho de Mustardé ou de avançamento e sem reconstrução do tarso. Essa técnica foi realizada em uma série de seis casos, todos apresentando resultado pós-operatório satisfatório. Esses pacientes não tiveram distorção da anatomia e não apresentaram ectrópio.

Keywords: CARCINOMA BASOCELULAR; CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS; MUCOSA BUCAL; NEOPLASIAS PALPEBRAIS; RETALHOS CIRÚRGICOS


INTRODUÇÃO

A natureza móvel das pálpebras e sua importância funcional e estética criam desafios substanciais nas cirurgias de reconstrução dessa estrutura após exérese tumoral. A compreensão detalhada da anatomia das pálpebras e da região ocular (Figura 1) ajuda o cirurgião na seleção da melhor técnica cirúrgica capaz de restaurar a função ocular e aperfeiçoar o resultado estético.

A pálpebra é dividida em lamela anterior e posterior. A lamela anterior é composta por pele e músculo orbicular. Já a lamela posterior é composta de conjuntiva, tarso e retratores da pálpebra. O septo orbitário pode ser considerado uma lamela média e não costuma ser reconstruído.1-3 A conjuntiva ocular na superfície do globo é contínua com a conjuntiva que reveste a superfície interna das pálpebras. Essa relação precisa ser mantida ou restaurada durante a reconstrução para preservar a função pálpebral e evitar complicações como ressecamento da córnea, certatite e por fim perda visual.

A seleção da melhor técnica cirúrgica dependerá do tamanho, localização e profundidade da ferida operatória.2 Defeitos cirúrgicos superficiais requerem somente a reconstrução da lamela anterior. Defeitos de espessura total necessitam que ambas as lamelas, anterior e posterior, sejam reconstruídas.2 Algumas vezes, o fechamento primário direto da pálpebra é possível nas deformidades de até 33% da sua extensão horizontal. Faz-se uma excisão em cunha de espessura total e posteriormente aproximam-se os bordos com sutura de colchoeiro vertical. Já em acometimentos maiores, dá-se preferência aos retalhos em vez de enxertos.1-5 Nesse caso, podem ser utilizados retalhos cutâneos dos tipos: avançamento; transposição; Mustardé e Mcgregor; Fricke,6 Landolt-Hughes, Dutupuys-Dutemps-Hughes (utiliza pele e mucosa da pálpebra superior); e Abbe.1,3,7

Este artigo tem como finalidade apresentar uma técnica de reconstrução da lamela posterior apenas com enxerto de mucosa jugal e retalho cutâneo tipo Mustardé ou avançamento.

 

MÉTODOS

Série de seis pacientes entre 52 e 73 anos com ferida operatória em pálpebra inferior, após remoção de tumores malignos maiores do que dois terços (50%) da sua extensão horizontal. Os tumores foram previamente confirmados com exame histopatológico, sendo cinco carcinomas basocelulares (CBC) e um carcinoma espinocelular (CEC). (Tabela 1) Os pacientes foram fotografados por um mesmo fotógrafo profissional no pré e no pós-operatório seguindo o mesmo padrão e com a mesma câmera.

Os pacientes foram submetidos à anestesia local com solução tumescente. Após excisão completa do tumor localizado em pálpebra inferior, realizou-se reconstrução cirúrgica através de retalho cutâneo de avançamento ou de Mustardé. Para reconstrução da lamela posterior, utilizou-se apenas mucosa jugal. Em todos os seis casos não foi realizada a reconstrução do tarso com enxerto de cartilagem, o que é habitual nas cirurgias de pálpebra inferior com comprometimento extenso dessa estrutura anatômica. (Figura 2)

A reconstrução através do retalho de avançamento consiste na realização de retalho composto com duas incisões verticais e paralelas, com lâmina de bisturi nº 15, logo abaixo do defeito cirúrgico. O tecido celular subcutâneo é descolado no nível do músculo orbicular. Retira-se o enxerto de mucosa jugal que é posicionado na conjuntiva residual através de sutura com fio absorvível (catgut 6.0). Em seguida, o retalho cutâneo é completamente descolado, avançado superiormente e posicionado dentro da deformidade da pálpebra inferior de modo que a borda superior do tarso residual esteja em alinhamento com a ponta do retalho. A pele é então, aproximada com sutura simples com fio mononáilon 6.0.

Para a reconstrução através da técnica de Mustardé, fazse uma incisão lateral a partir do canto externo do olho, no nível do arco zigomático, e ascendente em direção à região temporal. A pele é completamente descolada até o músculo orbicular. Em seguida, o enxerto de mucosa jugal é fixado à conjuntiva residual com fio absorvível (catgut 6.0). Posteriormente, o retalho músculo-cutâneo é posicionado na pálpebra inferior, os bordos da ferida cirúrgica são aproximados, e o ligamento cantal externo é suturado ao periósteo para fixação da pálpebra inferior. A pele é, então, suturada com pontos contínuos simples com fio mononáilon 6.0.

Descrição dos casos

Mulher, 73 anos, com CBC localizado em canto externo da pálpebra inferior esquerda, abrangendo 50% de sua extensão. Optou-se pela técnica de Mustardé com enxerto de mucosa jugal. (Figuras 2 e 3)

Homem, 52 anos, com CBC nodular ulcerado na pálpebra inferior direita, comprometendo mais de 50% de sua porção medial. A enxertia com mucosa jugal e retalho tipo avançamento foi escolhida para substituição da lamela anterior já que a localização do tumor era medial. (Figura 4)

Homem, 73 anos, com CBC nodular ulcerado na pálpebra inferior esquerda, em sua porção medial. A lesão acometia aproximadamente dois terços da pálpebra. Optou-se novamente pelo retalho de avançamento e enxertia da conjuntiva com mucosa jugal. (Figura 5)

Homem, 64 anos, com CBC nodular acometendo o canto externo do olho esquerdo na espessura total das pálpebras superior e inferior. Foi realizado retalho de Mustardé e enxerto de mucosa jugal com excelente resultado funcional e estético. (Figura 6)

Mulher, 69 anos, com CBC nodular na porção externa da pálpebra inferior esquerda abrangendo dois terços de sua extensão. Também foram realizados retalho de Mustardé e enxerto de mucosa oral com bom resultado. (Figura 7)

Homem, 70 anos, com CEC acometendo dois terços da região externa da pálpebra inferior esquerda. Optou-se por reconstrução com retalho de Mustardé e enxerto de mucosa jugal. (Figura 8)

 

RESULTADOS

Foram operados seis pacientes com idade entre 52 e 73 anos, dois do sexo feminino e quatro do sexo masculino, sendo cinco com diagnóstico de CBC e um de CEC. Entre os casos operados, quatro eram localizados no canto externo da pálpebra inferior esquerda, sendo que um desses acometia tanto o canto externo da pálpebra superior quanto inferior esquerda. Os dois casos restantes, acometiam a porção média da pálpebra inferior. Os pacientes que tiveram o canto externo da pálpebra inferior comprometido pelo tumor foram submetidos ao retalho de Mustardé com enxerto de mucosa oral; já os pacientes com comprometimento da porção média da pálpebra inferior foram submetidos ao retalho de avançamento com enxerto de mucosa oral. (Tabela 2)

Os seis pacientes não apresentaram complicações importantes durante o período pós-operatório. São esperados edema da pálpebra com dificuldade da abertura ocular e discreto hematoma nos primeiros dias após a cirurgia, que costumam resolver-se em poucos dias. Todos os pacientes receberam antibioticoterapia profilática e foram orientados a fazer compressa com bolsa de gelo e repouso com cabeça elevada para diminuir o edema palpebral. Os pontos foram retirados no sétimo dia de pós-operatório.

Esses pacientes foram operados há mais de sete anos e continuam em acompanhamento no Serviço de Cirurgia Dermatológica. Até o momento apresentam bom resultado estético e funcional da pálpebra inferior, com preservação da anatomia dessa região, sem complicações como ceratite e ectrópio, (Figura 8) além de demonstrar satisfação com os resultados estético e funcional da cirurgia realizada.

 

DISCUSSÃO

Diversas técnicas já foram descritas para reconstrução cirúrgica da pálpebra inferior. Nos defeitos cirúrgicos extensos considera-se necessária a substituição da conjuntiva por outro tecido mucoso a fim de evitar trauma à córnea. A literatura recomenda a substituição do tarso por cartilagem, com o objetivo de restaurar a função de esqueleto palpebral e, recomenda a reconstrução da pele-músculo orbicular por um retalho ou enxerto.2,4

A técnica de Mustardé foi descrita por esse cirurgião durante a Segunda Guerra Mundial e até os dias atuais é considerada uma das melhores opções para lesões extensas na pálpebra inferior. Apesar de o retalho em avançamento, geralmente, não ser realizado nessas reconstruções cirúrgicas, devido ao risco de ectrópio, também pode oferecer resultados satisfatórios como apresentado em nossa série de casos.1

O enxerto para reconstrução do tarso habitualmente é extraído da cartilagem nasal, auricular ou do periósteo, sendo mais recentemente descrita a utilização da fáscia temporal posterior. Nos casos descritos optou-se apenas pela utilização da mucosa jugal para reparo da conjuntiva, sem a substituição do tarso, visto que, diante da presença de tarso remanescente tanto medial quanto lateral, a pálpebra inferior permaneceria adequadamente posicionada, evitando a formação de ectrópio e intrópio. Preferiu-se a mucosa jugal em detrimento da mucosa do palato devido à maior facilidade e menor incidência de complicações no sítio doador, como fístulas oro-nasais.1,4,8

Conclui-se através do seguimento desses pacientes que a técnica descrita é segura e sem complicações anatômicas e funcionais, podendo ser reproduzível.

 

Referências

1. Silva SCMC. Cirurgia dermatológica - Teoria e prática. Rio de Janeiro: Dilivros; 2008.

2. Baker SR. Retalhos locais em reconstrução facial. 2º ed. Rio de Janeiro: Dilivros; 2009.

3. Strauch B, Vasconez LO, Findlay EJH. Grabb's encyclopedia of flaps. New York: Lippincott-Raven; 1998.

4. Maniglia R, Maniglia JJ, Maniglia F, Soccol A, Dolci JE. Técnica de compartilhamento pálpebral com retalho tarsoconjuntival para lamela interna na reconstrução palpebral inferior. Experiência de 32 casos. Acta ORL/ Técnicas em Otorrinolaringologia. 2007;25(3)204-11.

5. Lima EVA. Enxertia de tecido palpebral na reconstrução de tumores cutâneos. Surg Cosmet Dermatol. 2010;2(4)333-5.

6. Neto GH, Sebastiá R, Viana GAP, Machado F. Reconstrução palpebral com retalho de Fricke: relato de dois casos. Arq Bras Oftalmol. 2006;69(1):123-6.

7. Galimberti G, Ferrario D, Casabona GR, Molinari L. Utilidade do retalho de avanço e rotação para fechamento de defeitos cutâneos na região malar. Surg Cosmet Dermatol2013;5(1):769.

8. Fernandes JBVD, Nunes TP, Matayoshi S, Moura EM. Enxerto de mucosa do palato duro: complicações na área doadora - Relato de Casos. Arq Bras Oftalmol. 2003;66(6):884-6.

 

Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


Licença Creative Commons All content the journal, except where identified, is under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license - ISSN-e 1984-8773