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Relato de casos

Tratamento de Lesões Cicatriciais Acrômicas de Lúpus Discoide com Técnica de Enxertia por punch: Relato de Caso

Luiza Eastwood Romagnolli1; Larissa Montanheiro dos Reis2; Fernanda Bebber Douat3; Manuela Ferrasso Zuchi Delfes2; Eveline Roesler Battaglin2; Deborah Skusa de Torre4

Data de recebimento: 24/11/2013
Data de aprovação: 01/06/2014
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Relata-se o caso de paciente do sexo feminino, de 47 anos, com lúpus discoide, variante clínica mais comum do lúpus cutâneo crônico, apresentando lesões cicatriciais acrômicas na face. Foi realizada técnica de enxertia com punch nas regiões: supraorbitária direita, malar direita e nasal. As áreas doadoras foram as regiões retroauriculares direita e esquerda. Observou-se halo de repigmentação de aproximadamente 1cm ao redor de cada enxerto. Essa técnica vem sendo utilizada no tratamento de vitiligo refratário, porém pode também ser empregada com bons resultados nas lesões cicatriciais acrômicas de lúpus discoide sem atividade.

Keywords: LÚPUS ERITEMATOSO DISCOIDE; TRANSPLANTE DE PELE; PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS AMBULATORIOS; PELE.


INTRODUÇÃO

O lúpus eritematoso (LE) é doença autoimune do tecido conjuntivo que se caracteriza pela presença de lesões cutâneovasculares localizadas ou disseminadas.1 O LE cutâneo apresenta uma variedade de formas clínicas, podendo ser classificado em três subtipos: agudo, subagudo e crônico. O LE cutâneo agudo (Leca) surge durante a atividade sistêmica da doença e tem como manifestação mais comum o rash malar. O LE cutâneo subagudo (Lecs) caracteriza-se por placas eritematosas não infiltrativas, predominando em áreas fotoexpostas. O LE discoide (LED) é a variante clínica mais comum do LE cutâneo crônico (Lecc), caracterizando-se por placas recobertas por fina descamação. Essas placas podem ser inicialmente hiperpigmentadas e evoluir para lesões cicatriciais com despigmentação, que são, na maioria das vezes, permanentes.2

No tratamento do LED em atividade podem ser utilizados corticosteroides tópicos de alta potência, infiltração intralesional com triancinolona e terapia sistêmica com os antimaláricos cloroquina ou hidroxicloroquina. Outras opções para casos resistentes são corticoides sistêmicos, talidomida, clofazimina, dapsona, acitretina e imunossupressores, como metotrexate, azatioprina e ciclofosfamida.1

Após o adequado controle da doença, é possível o LED resultar em lesões cicatriciais inestéticas, que podem ser estigmatizantes, causando impacto negativo na qualidade de vida. O tratamento das lesões cicatriciais acrômicas de LED pode ser realizado através da técnica de enxertia com punchs, tradicionalmente usada nos casos de vitiligo localizado ou segmentar refratário.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, de 47 anos, portadora de LED há 18 anos, apresentando lesões cicatriciais acrômicas e atróficas localizadas nas regiões supraorbitária à direita, nasal e malar à direita, sem sinais de atividade da doença. Já havia feito uso prévio de corticosteroide tópico, metotrexate e talidomida. Foi realizado inicialmente punch enxertia na região supraorbitária direita (área teste). A área doadora escolhida foi região retroauricular direita. Realizou-se anestesia local com lidocaína 2% com adrenalina 1:100.000, e a coleta foi feita com punch de 2,5mm (quatro fragmentos). Após a incisão, os fragmentos foram seccionados com auxílio de pinça de Addison e tesoura de iris no nível da junção dermo-hipodérmica, sendo colocados sobre gaze estéril e umedecidos com soro fisiológico. A área doadora foi suturada com mononáilon 5.0. A área receptora foi incisada com punch 2mm, com cerca de 1cm de distância entre eles, e os fragmentos despigmentados foram desprezados. Os implantes foram colocados na área receptora com auxílio da pinça de Addison, e fixados com micropore estéril, removido após sete dias. (Figura 1) A paciente retornou três meses após o procedimento, apresentando halo de repigmentação de cerca de 1cm ao redor dos enxertos implantados.

Na sequência, foi realizado novo procedimento semelhante na região malar direita (dois fragmentos), sendo a área doadora novamente a região retroauricular direita, de acordo com a técnica descrita acima. Retornou após seis meses, com repigmentação satisfatória da área receptora. (Figura 2) Realizou-se então a enxertia na região do dorso nasal (dois fragmentos), sendo a área doadora a região retroauricular esquerda.

No retorno três meses após repetiu-se o procedimento de enxertia de acordo com as técnicas descritas acima em dorso nasal superior. É possível perceber discreta elevação dos enxertos em relação ao nível da pele adjacente, porém a paciente referiu estar satisfeita com o resultado estético do tratamento. (Figura 3)

 

DISCUSSÃO

As lesões cicatriciais residuais após controle do LED são desfigurantes e causam piora da qualidade de vida.2

A clássica técnica de implantes de pele total colhidos por punch das regiões occipital e temporal para tratamento de vitiligo foi publicada em 1959.3 Em 1971, Orentreich realizou implantes empregando pele doadora da região retroauricular, com formação de halo de difusão pigmentar de 1mm.4 Outras doenças como lúpus discoide com sequela cicatricial acrômica em couro cabeludo foram tratadas por Lobuono, em 1976, com enxertos obtidos por punch da região occipital, com formação de halos pigmentares da área receptora.5 Implantes de unidades foliculares têm sido realizados colocando-se os folículos com espaçamento de três a 5mm. Nota-se repigmentação entre a quarta e a sétima semana, havendo casos de repigmentação total após seis meses.6 Em estudo publicado por Fongers e cols. em 2009, envolvendo 61 pacientes com vitiligo vulgar e nove pacientes com vitiligo segmentar submetidos a punch enxertia, observou-se que, nos pacientes com vitiligo vulgar, 17 lesões (28%) apresentaram repigmentação excelente, 14 (23%) boa, 14 (23%) razoável, e 16 (26%) pobre. Dos pacientes com vitiligo segmentar, sete de nove lesões tiveram excelente repigmentação. Um padrão em pedra de calçamento foi observado em 27% das lesões.7

A densidade de melanócitos varia no mesmo indivíduo, sendo a densidade média de 1.560/mm2, e a relação entre melanócitos e células malpighianas de 1:13. Esses valores sofrem grandes variações regionais. Áreas expostas à radiação ultravioleta sofrem redução de 10% na população de melanócitos a cada dez anos. Portanto, as melhores áreas doadoras são as ocultas, como couro cabeludo, região retroauricular, região sacral, nádegas e dorso dos pés.3

É fundamental que a área receptora esteja completamente inativa para que os melanócitos implantados não sejam alvo de agressão imunológica. Teste de implante é realizado com a finalidade de determinar a ausência ou não de atividade imunológica que possa interferir na repigmentação. Na área receptora a ser tratada realiza-se implante de pele normal de 2,5mm em orifício de 2mm, observando-se a evolução durante dois meses, período em que a pele implantada não deverá perder sua pigmentação.3

Potencialmente, um implante de 2mm poderá provocar halo pigmentar de 1cm de diâmetro em um ano; portanto os implantes deverão ser realizados a cerca de 1cm de distância. Na área doadora deverão ser colhidos fragmentos 0,5mm maiores que a área receptora (Ex: 2,5mm/2mm).3

Seguindo os resultados positivos dos relatos publicados na literatura,3-7 este estudo utilizou técnica inovadora a fim de estabelecer uma nova opção de tratamento para as cicatrizes acrômicas do LED.

Da mesma forma que Orentreich obteve um halo de difusão pigmentar, este estudo obteve também repigmentação.4 Criou-se um halo de aproximadamente 1cm ao redor de cada enxerto. Essa repigmentação tornou-se mais evidente entre três e seis meses após a realização do procedimento, encontrando-se dentro do intervalo de repigmentação já mencionado na literatura, referente a pacientes com essa doença.6

 

CONCLUSÃO

O tratamento de lesões cicatriciais acrômicas de LED é um desafio terapêutico. Essas lesões inestéticas costumam ter impacto negativo significativo na qualidade de vida dos pacientes acometidos. A técnica de enxertia por punchs vem sendo descrita há tempos no tratamento de lesões de vitiligo refratário, com boas taxas de repigmentação. Apesar de haver poucos relatos na literatura, essa técnica pode ser utilizada para lesões acrômicas cicatriciais de LED, também com bons resultados de repigmentação.

 

Referências

1. Sampaio SAP, Rivitti EA. Afecções do Conectivo. Dermatologia. 3ª Ed. São Paulo: Editora Artes Médicas Ltda; 2007. p.455-86.

2. Ribeiro LH, Nunes MJ, Lomonte ABV, Latorre LC. Atualizações no Tratamento do Lúpus Cutâneo. Rev Bras Reumatol. 2008;48(5):283-290.

3. Machado Filho CDAS, Casabona G, Manzini MC. Técnicas de Repigmentação- Abordagem Cirúrgica. In: Kadunc B, Palermo E, Addor F, Metsavaht L, Rabello L, Mattos R, editores. Tratado de Cirurgia Dermatológica, Cosmiatria e Laser da Sociedade Brasileira de Dermatologia. Rio de Janeiro: Elsevier; 2012. p.387-95.

4. Orentreich N. Hair transplantation: the punch graft technique. Surg Clin North Am. 1971;51(2):511-8.

5. Lobuono P, Shatin H. Transplantation of hair bulbs and melanocytes into leukodermic scars. J Dermatol. Surg. 1976;2(1):53-5.

6. Malakar S, Dhar S. Repigmentation of vitiligo patches by transplantation of hair follicles. Int J Dermatol. 1999;38(3):237-38.

7. Fongers A, Wolkerstorfer A, Nieuweboer-Krobotova L, Krawczyk P, Tóth GG, van der Veen JP. Long-term results of 2-mm punch grafting in patients with vitiligo vulgaris and segmental vitiligo: effect of disease activity. Br J Dermatol. 2009;161(5):1105-11.

 

Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba - Curitiba (PR), Brasil.


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